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Língua panará: diferenças entre revisões

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O '''Panará''' (kre = código [[ISO 639|ISO 639-3]] correspondente)<ref name=":0">{{Citar web |url=https://www.ethnologue.com/language/kre |titulo=Panará |acessodata=2021-04-25 |website=Ethnologue |lingua=en}}</ref>, também denominado '''Krenhakarore''', '''Krenakore''', '''Krenakarore''' e '''Kreen-akarore'''<ref name=":2">{{Citar web |url=https://glottolog.org/resource/languoid/id/pana1307 |titulo=Glottolog 4.3 - Panará |acessodata=2021-04-25 |website=glottolog.org}}</ref><ref name=":1">Moseley, Christopher (ed.). 2010. Atlas of the World’s Languages in Danger, 3rd edn. Paris, UNESCO Publishing. Online version: '''http://www.unesco.org/culture/en/endangeredlanguages/atlas'''</ref>, é uma [[Línguas indígenas do Brasil|língua indígena do Brasil]] atualmente falada nos estados do [[Mato Grosso]] e sul do [[Pará]], mais precisamente na [[Terra Indígena Panará]] (Guarantã do Norte em MT e Altamira PA), que se encontra nos entornos do Rio Peixoto de Azevedo e nascente do Rio Iriri<ref name=":4">{{citar web |ultimo=Rocha |primeiro=Ana Flávia |url=https://acervo.socioambiental.org/sites/default/files/publications/T3L00016.pdf |titulo=A defesa dos direitos socioambientais no Judicário |data=março de 2003 |acessodata=25 de abril de 2021 |publicado=Instituto Socioambiental}}</ref><ref name=":5">{{Citar web |url=https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Panar%C3%A1#Cultura_material |titulo=Panará - Povos Indígenas no Brasil |acessodata=2021-04-26 |website=pib.socioambiental.org}}</ref>.

Atualmente, a língua possui 380 falantes de uma população étnica de 540<ref name=":0" />. Segundo esses números, o Panará se encontra em situação vulnerável, ou seja, a maioria das crianças fala a língua, porém isso pode estar restrito a determinados ambientes<ref name=":1" />. De acordo com outra escala, a Escala de Ameaça Aglomerada (Agglomerated Endangerment Scale - AES), ela está na categoria de mutação (shifting), que é quando a geração em [[Fertilidade|idade fértil]] possui conhecimento suficiente na língua para usar entre si, mas não transmite às suas crianças<ref name=":5" /><ref>{{citar periódico |titulo=Simultaneous Visualization of Language Endangerment and Language Description |acessodata=20 de abril de 2020 |jornal=Language Documentation & Conservation |publicado=University of Hawaii's Press |ultimo=Hammarström et al |primeiro=Harald |pagina=https://scholarspace.manoa.hawaii.edu/bitstream/10125/24792/1/hammarstrom_et_al.pdf}}</ref><ref>{{Citar web |url=https://glottolog.org/langdoc/status |titulo=Glottolog 4.3 - GlottoScope |acessodata=2021-04-25 |website=glottolog.org}}</ref>. É devido a isso que oficinas e estudos vêm sendo feitos com professores locais para padronizar a gramática da língua e impedi-la de cair em desuso.
[[Ficheiro:Criança_e_Homem_Panará.jpg|esquerda|miniaturadaimagem|Criança e homem Panará]]
O nome ‘Panará’, auto-denominação da própria comunidade, significa ‘gente’ nessa língua - algo provavelmente derivado das palavras 'panariá' (indígena) e 'puará' (homem)<ref name=":4" /><ref name=":6">{{citar livro|título=Cayapó e Panará : Luta e sobrevivência de um povo jê no Brasil central|ultimo=GIRALDIN|primeiro=Odair|editora=Editora da Unicamp|ano=1997|local=Campinas|páginas=184}}</ref>. Suas outras nomenclaturas comuns derivam de atribuições dos [[Kayapó]] ao povo [[Panarás|Panará]], que significam “cabeça cortada redonda”<ref name=":6" />. Isso se relaciona ao modelo tradicional de corte de cabelo deles, o qual é um elemento fenotípico de extremo valor na cultura dos Panará. Seu corte se associa a um determinado status social.

== Classificação ==
A língua pertence ao tronco linguístico [[Macro-jê|Macro-Jê]], um dos principais troncos das línguas indígenas brasileiras. Pertence ainda à família Jê e subfamília Jê Setentrional<ref name=":2" /> junto com línguas como [[Apinajés|Apinayé]], [[Kayapó]], [[Suyá]] e as línguas [[Timbiras|Timbira]]<ref name=":5" /><ref>{{citar periódico |titulo=Proto-Macro-Jê: um estudo reconstrutivo |data=2020 |acessodata=22 de abril de 2021 |jornal=Biblioteca Digital Curt Nimuendajú |publicado=UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA
INSTITUTO DE LETRAS
DEPARTAMENTO DE LINGUÍSTICA, PORTUGUÊS E LÍNGUAS CLÁSSICAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA |ultimo=Nikulin |primeiro=Andrey |pagina=http://etnolinguistica.wdfiles.com/local--files/tese%3Anikulin-2020/Nikulin_2020_Proto-Macro-Je.pdf}}</ref><ref name=":7">DOURADO, Luciana Gonçalves. Aspectos morfossintaticos da Lingua Panara (Je). 2001. 240p. Tese (doutorado) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Estudos da Linguagem, Campinas, SP. Disponível em: <<>http://www.repositorio.unicamp.br/handle/REPOSIP/269111</>>. Acesso em: 25 de abril de 2021.</ref>.
[[File:Árvore linguística do Panará.png|thumb|Diagrama representativo da classificação da língua Panará|300x300px]]
Há muitos indícios de que a língua surgiu como uma variante do Kayapó do Sul, observados majoritariamente na [[ortografia]] e [[Fonética, Fonologia e Ortografia|fonética]] semelhantes<ref name=":6" />.
{| class="wikitable"
|+Vocabulário Kayapó em contraste com Panará, utilizando, respectivamente, vocabulário sobre partes do corpo coletado por Alexandre Sousa Barbosa (1911) e Rodrigues e  Dourado (1993)<ref name=":6" />
!Português
!Kayapó
!Panará
|-
|boca
|çakuá
|sakwa
|-
|braço
|ipá
|hì’pá
|-
|cabelo
|kin
|hì’kì
|-
|canela
|ité
|itá
|-
|caolho
|intónó
|intono
|-
|cotovelo
|pakuçú
|pakusú
|-
|dente
|suá
|sua
|-
|língua
|çuntót
|sutóti
|-
|mão
|cykiá
|sikya
|-
|nariz
|çâkré
|sakre
|-
|nuca
|impút
|imputi
|-
|olhos
|intó
|into
|}

== Fonética, Fonologia e Tranformações Fonéticas ==

=== Inventário fonético ===
O Panará possui um extenso inventário fonético no qual predominam [[Vogal|vogais]] em relação às [[Consoante|consoantes]]<ref name=":7" /><ref name=":3">{{Citar periódico |url=https://www.academia.edu/37928882/Word_initial_i_epenthesis_in_Pan%C3%A3ra |titulo=Word-initial [i] epenthesis in Panãra |acessodata=2021-04-25 |ultimo=Lapierre |primeiro=Myriam |lingua=en}}</ref><ref name=":8">{{citar web |ultimo=Bardagil-Mas |primeiro=Bernat |url=http://etnolinguistica.wdfiles.com/local--files/tese%3Abardagil-mas-2018/Bardagil-Mas_2018_Case_and_agreement_in_Panara.pdf |titulo=Case and agreement in Panará |data=20 de setembro de 2018 |acessodata=18 de abril de 2021 |publicado=University of Groningen}}</ref>.

==== Consoantes ====
As consoantes do Panará são muito semelhantes às do português, com exceção dos [[Fonema|fonemas]] padronizados [[Nasal palatal|/ɲ/]] e [[Nasal velar|/ŋ]]/ e dos fonemas de mais de um [[ponto de articulação]]. É importante notar também que, no Panará, quando consoantes nasais precedem uma vogal oral, ou uma consoante aproximante, elas são pós-oralizadas e desvozeadas. Além disso, a fricativa glotal [</>[[Fricativa glotal surda|h]]] não é considerada mais fonêmica, sendo distribuída na ortografia de acordo com a [[prosódia|prosódia.]]
{| class="wikitable" style="text-align: center;"
|+Consoantes com um ponto de articulação (em IPA)
!
![[Consoante bilabial|Bilabial]]
![[Consoante labiovelar|Labiovelar]]
![[Consoante alveolar|Alveolar]]
![[Consoante palatal|Palatal]]
![[Consoante velar|Velar]]
|-
![[Consoante oclusiva|Oclusiva]]
|[[Oclusiva bilabial surda|p]]
|
|[[Oclusiva alveolar surda|t]]
|
|[[Oclusiva velar surda|k]]
|-
![[Consoante nasal|Nasal]]
|[[Nasal bilabial|m]]
|
|[[Nasal alveolar|n]]
|[[Nasal palatal|ɲ]]
|[[Nasal velar|ŋ]]
|-
![[Consoante vibrante|Vibrante]]
|
|
|[[Vibrante múltipla alveolar|r]]
|
|
|-
![[Consoante fricativa|Fricativa]]
|
|
|[[Fricativa alveolar surda|s]]
|
|
|-
![[Consoante aproximante|Aproximante]]
|
|[[Aproximante labiovelar|w]]
|
|[[Aproximante palatal|j]]
|
|}<!-- Símbolos à direita da célula são vozeados, os à esquerda não são. -->
{| class="wikitable" style="text-align: center;"
|+Consoantes com mais de um ponto de articulação
!
![[Consoante bilabial|Bilabial]]
![[Consoante alveolar|Alveolar]]
![[Consoante velar|Velar]]
|-
![[Consoante oclusiva|Geminada oclusiva]]
|p͡p
|t͡t
|k͡k
|-
![[Consoante nasal|Geminada nasal]]
|m͡m
|n͡n
|
|-
![[Consoante fricativa|Geminada fricativa]]
|
|s͡s
|
|}

==== Vogais ====
Nessa língua, as vogais podem ser divididas entre orais e nasais, curtas e longas. A nasalidade, de modo igual ao da língua portuguesa, é indicada pelo [[sinal diacrítico]] da [[Til|tilde]] (ou til). Já a distinção entre curtas e longas ocorre pelo suprassegmento longo [<nowiki/>[[Dois pontos triangulares|ː]]], indicado por dois pontos triangulares.

As vogais /oː, ɔː, õː, eː, ẽː/ são foneticamente compreendidas com [[ditongação]], respectivamente como [ow, ɔw, õw̃, ej, ẽj̃ ]. Exemplo: /poː/ [pow] (chegar)

Ademais, na língua ocorre também a redução de vogais abertas: a vogal /a/ pode ser reduzida a [ɐ] ou [ə] em [[Sílaba|sílabas]] [[Sílaba átona|átonas]].
{| class="wikitable" style="text-align: center"
|+Vogais (curtas e longas) do Panará
! colspan="2" rowspan="2" |
! colspan="3" |oral
! colspan="3" |nasal
|-
![[Vogal anterior|Anterior]]
![[Vogal central|Central]]
![[Vogal posterior|Posterior]]
![[Vogal anterior|Anterior]]
![[Vogal central|Central]]
![[Vogal posterior|Posterior]]
|-
! rowspan="2" |[[Vogal fechada|Fechada]]
![[Vogal arredondada|arredondada]]
|
|
|[[Vogal posterior fechada arredondada|u]] , uː
|
|
|ũ , ũː
|-
![[Vogal não-arredondada|não-arredondada]]
|[[Vogal anterior fechada não arredondada|i]] , iː
|
|[[Vogal posterior fechada não arredondada|ɯ]] , ɯː
|ĩ , ĩː
|
|ɯ̃ , ɯ̃ː
|-
! rowspan="2" |[[Vogal semifechada|Semifechada]]
!arredondada
|
|
|[[Vogal posterior semifechada arredondada|o]] , oː
|
|
|õ , õː
|-
!não-arredondada
|[[Vogal anterior semifechada não arredondada|e]] , eː
|
|
|ẽ , ẽː
|
|
|-
![[Vogal central média|Média]]
!-
|
|[[Vogal central média|ə]] , əː
|
|
|ə̃ , ə̃ː
|
|-
! rowspan="2" |[[Vogal semiaberta|Semiaberta]]
!arredondada
|
|
|[[Vogal posterior semiaberta arredondada|ɔ]] , ɔː
|
|
|
|-
!não-arredondada
|[[Vogal anterior semiaberta não arredondada|ɛ]] , ɛː
|
|
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|
|
|-
![[Vogal aberta|Aberta]]
!não-arredondada
|[[Vogal anterior aberta não arredondada|a]] , aː
|
|
|
|
|
|}

=== Epêntese ===
A epêntese está presente em muitas palavras que iniciam ou terminam com [i] no Panará. O [i] final epentético só ocorre em palavras com codas oclusivas → /tɛp/ → [ˈtɛːpi] ‘peixe’. Já o [i] inicial epentético pode ser obrigatório, opcional ou antigramatical em dependência da raiz da palavra. A tabela a seguir indica o uso deste, em que [T] se refere a uma consoante oclusiva, [CC] se refere a uma consoante geminada e [NT] a uma consoante nasal em caso de pós-oralização, como [m͡p, n͡t, n͡s, ŋ͡k]<ref name=":3" />:
{| class="wikitable" style="text-align: center;"
|+Tabela de epêntese de Lapierre
![i] inicial em
!Raíz com inicial [T]
!Raíz com inicial [CC]
!Raíz com inicial [NT]
|-
!monossílaba
|opcional
|obrigatório
|obrigatório
|-
!polissílaba
|antigramatical
|opcional
|opcional
|}
{| class="wikitable"
|+Exemplos para cada instância gramatical:
|Monossílaba [T]
|/tu/ → [tu ~ iˈtu] ‘barriga’
|-
|Monossílaba [CC]
|/kkjɯt/ → [ikˈkjɯːti] ‘anta’
|-
|Polissílaba [CC]
|/ppẽkə/ → [pẽˈkə ~ ippẽˈkə] ‘roupas’
|-
|Monossílaba [NT]
|/ŋo/ → [iŋˈko] ‘água’
|-
|Polissílaba [NT]
|/nɔpə̃ː/ → [tɔˈpə̃ː ~ intɔˈpə̃ː] ‘pequeno buraco’
|}<!-- Nos casos opcionais, estão indicadas ambas as formas. -->

== Escrita ==
A [[ortografia]] para o Panará tem sido desenvolvida nos últimos 20 anos pela própria comunidade - em especial pelos Panará formados como professores que trabalham nas escolas locais - com o auxílio de workshops de alfabetização propostos tanto por [[Organização não governamental|organizações não-governamentais]] quanto pelo governo brasileiro<ref name=":7" />. Eles utilizam o [[alfabeto latino]], porém as letras '''b''', '''c''', '''d''', '''f''', '''g''', '''l''', '''q''', '''v''', '''x''' e '''z''' não são empregadas. A letra ''y'' é considerada uma vogal, e possui pronúncia diferente da consoante ''y'' no português.

Uma outra distinção significativa entre a língua portuguesa e o Panará é que os fonemas nasais no último são grafados com o sinal diacrítico tilde, e não possuem a alternativa de serem seguidos por consoantes nasais. Exemplo: [ĩ] que é grafado como ‘ĩ’ no Panará, mas é representada por ‘im’ ou ‘in’ no português.

O tamanho das vogais é fonêmico, assim como sua nasalização, e é representado pelo [[dígrafo]] da vogal. Quanto às consoantes, a pós-oralização nasal é representada por um dígrafo, nasais codais são representadas por n, e geminadas - antes representadas por uma pausa glotal - são agora representadas por um dígrafo. Por último, nas combinações fonéticas [m͡p, n͡t, n͡s, ŋ͡k], as consoantes nasais são representadas pela letra ''n''<ref name=":8" />.

{{Referências}}

[[Categoria:Línguas indígenas]]

Revisão das 11h46min de 26 de abril de 2021

Panará
Falado(a) em: Mato Grosso e sul do Pará
Total de falantes: 380
Família: Tronco Macro-Jê
 Família Jê
  Subfamília Jê Setentrional
   Panará
Códigos de língua
ISO 639-1: --
ISO 639-2: --
ISO 639-3: kre
Mapa Terra Indígena Panará, ISA

O Panará (kre = código ISO 639-3 correspondente)[1], também denominado Krenhakarore, Krenakore, Krenakarore e Kreen-akarore[2][3], é uma língua indígena do Brasil atualmente falada nos estados do Mato Grosso e sul do Pará, mais precisamente na Terra Indígena Panará (Guarantã do Norte em MT e Altamira PA), que se encontra nos entornos do Rio Peixoto de Azevedo e nascente do Rio Iriri[4][5].

Atualmente, a língua possui 380 falantes de uma população étnica de 540[1]. Segundo esses números, o Panará se encontra em situação vulnerável, ou seja, a maioria das crianças fala a língua, porém isso pode estar restrito a determinados ambientes[3]. De acordo com outra escala, a Escala de Ameaça Aglomerada (Agglomerated Endangerment Scale - AES), ela está na categoria de mutação (shifting), que é quando a geração em idade fértil possui conhecimento suficiente na língua para usar entre si, mas não transmite às suas crianças[5][6][7]. É devido a isso que oficinas e estudos vêm sendo feitos com professores locais para padronizar a gramática da língua e impedi-la de cair em desuso.

Ficheiro:Criança e Homem Panará.jpg
Criança e homem Panará

O nome ‘Panará’, auto-denominação da própria comunidade, significa ‘gente’ nessa língua - algo provavelmente derivado das palavras 'panariá' (indígena) e 'puará' (homem)[4][8]. Suas outras nomenclaturas comuns derivam de atribuições dos Kayapó ao povo Panará, que significam “cabeça cortada redonda”[8]. Isso se relaciona ao modelo tradicional de corte de cabelo deles, o qual é um elemento fenotípico de extremo valor na cultura dos Panará. Seu corte se associa a um determinado status social.

Classificação

A língua pertence ao tronco linguístico Macro-Jê, um dos principais troncos das línguas indígenas brasileiras. Pertence ainda à família Jê e subfamília Jê Setentrional[2] junto com línguas como Apinayé, Kayapó, Suyá e as línguas Timbira[5][9][10].

Diagrama representativo da classificação da língua Panará

Há muitos indícios de que a língua surgiu como uma variante do Kayapó do Sul, observados majoritariamente na ortografia e fonética semelhantes[8].

Vocabulário Kayapó em contraste com Panará, utilizando, respectivamente, vocabulário sobre partes do corpo coletado por Alexandre Sousa Barbosa (1911) e Rodrigues e  Dourado (1993)[8]
Português Kayapó Panará
boca çakuá sakwa
braço ipá hì’pá
cabelo kin hì’kì
canela ité itá
caolho intónó intono
cotovelo pakuçú pakusú
dente suá sua
língua çuntót sutóti
mão cykiá sikya
nariz çâkré sakre
nuca impút imputi
olhos intó into

Fonética, Fonologia e Tranformações Fonéticas

Inventário fonético

O Panará possui um extenso inventário fonético no qual predominam vogais em relação às consoantes[10][11][12].

Consoantes

As consoantes do Panará são muito semelhantes às do português, com exceção dos fonemas padronizados /ɲ/ e / e dos fonemas de mais de um ponto de articulação. É importante notar também que, no Panará, quando consoantes nasais precedem uma vogal oral, ou uma consoante aproximante, elas são pós-oralizadas e desvozeadas. Além disso, a fricativa glotal [</>h] não é considerada mais fonêmica, sendo distribuída na ortografia de acordo com a prosódia.

Consoantes com um ponto de articulação (em IPA)
Bilabial Labiovelar Alveolar Palatal Velar
Oclusiva p t k
Nasal m n ɲ ŋ
Vibrante r
Fricativa s
Aproximante w j
Consoantes com mais de um ponto de articulação
Bilabial Alveolar Velar
Geminada oclusiva p͡p t͡t k͡k
Geminada nasal m͡m n͡n
Geminada fricativa s͡s

Vogais

Nessa língua, as vogais podem ser divididas entre orais e nasais, curtas e longas. A nasalidade, de modo igual ao da língua portuguesa, é indicada pelo sinal diacrítico da tilde (ou til). Já a distinção entre curtas e longas ocorre pelo suprassegmento longo [ː], indicado por dois pontos triangulares.

As vogais /oː, ɔː, õː, eː, ẽː/ são foneticamente compreendidas com ditongação, respectivamente como [ow, ɔw, õw̃, ej, ẽj̃ ]. Exemplo: /poː/ [pow] (chegar)

Ademais, na língua ocorre também a redução de vogais abertas: a vogal /a/ pode ser reduzida a [ɐ] ou [ə] em sílabas átonas.

Vogais (curtas e longas) do Panará
oral nasal
Anterior Central Posterior Anterior Central Posterior
Fechada arredondada u , uː ũ , ũː
não-arredondada i , iː ɯ , ɯː ĩ , ĩː ɯ̃ , ɯ̃ː
Semifechada arredondada o , oː õ , õː
não-arredondada e , eː ẽ , ẽː
Média - ə , əː ə̃ , ə̃ː
Semiaberta arredondada ɔ , ɔː
não-arredondada ɛ , ɛː
Aberta não-arredondada a , aː

Epêntese

A epêntese está presente em muitas palavras que iniciam ou terminam com [i] no Panará. O [i] final epentético só ocorre em palavras com codas oclusivas → /tɛp/ → [ˈtɛːpi] ‘peixe’. Já o [i] inicial epentético pode ser obrigatório, opcional ou antigramatical em dependência da raiz da palavra. A tabela a seguir indica o uso deste, em que [T] se refere a uma consoante oclusiva, [CC] se refere a uma consoante geminada e [NT] a uma consoante nasal em caso de pós-oralização, como [m͡p, n͡t, n͡s, ŋ͡k][11]:

Tabela de epêntese de Lapierre
[i] inicial em Raíz com inicial [T] Raíz com inicial [CC] Raíz com inicial [NT]
monossílaba opcional obrigatório obrigatório
polissílaba antigramatical opcional opcional
Exemplos para cada instância gramatical:
Monossílaba [T] /tu/ → [tu ~ iˈtu] ‘barriga’
Monossílaba [CC] /kkjɯt/ → [ikˈkjɯːti] ‘anta’
Polissílaba [CC] /ppẽkə/ → [pẽˈkə ~ ippẽˈkə] ‘roupas’
Monossílaba [NT] /ŋo/ → [iŋˈko] ‘água’
Polissílaba [NT] /nɔpə̃ː/ → [tɔˈpə̃ː ~ intɔˈpə̃ː] ‘pequeno buraco’

Escrita

A ortografia para o Panará tem sido desenvolvida nos últimos 20 anos pela própria comunidade - em especial pelos Panará formados como professores que trabalham nas escolas locais - com o auxílio de workshops de alfabetização propostos tanto por organizações não-governamentais quanto pelo governo brasileiro[10]. Eles utilizam o alfabeto latino, porém as letras b, c, d, f, g, l, q, v, x e z não são empregadas. A letra y é considerada uma vogal, e possui pronúncia diferente da consoante y no português.

Uma outra distinção significativa entre a língua portuguesa e o Panará é que os fonemas nasais no último são grafados com o sinal diacrítico tilde, e não possuem a alternativa de serem seguidos por consoantes nasais. Exemplo: [ĩ] que é grafado como ‘ĩ’ no Panará, mas é representada por ‘im’ ou ‘in’ no português.

O tamanho das vogais é fonêmico, assim como sua nasalização, e é representado pelo dígrafo da vogal. Quanto às consoantes, a pós-oralização nasal é representada por um dígrafo, nasais codais são representadas por n, e geminadas - antes representadas por uma pausa glotal - são agora representadas por um dígrafo. Por último, nas combinações fonéticas [m͡p, n͡t, n͡s, ŋ͡k], as consoantes nasais são representadas pela letra n[12].

Referências

  1. a b «Panará». Ethnologue (em inglês). Consultado em 25 de abril de 2021 
  2. a b «Glottolog 4.3 - Panará». glottolog.org. Consultado em 25 de abril de 2021 
  3. a b Moseley, Christopher (ed.). 2010. Atlas of the World’s Languages in Danger, 3rd edn. Paris, UNESCO Publishing. Online version: http://www.unesco.org/culture/en/endangeredlanguages/atlas
  4. a b Rocha, Ana Flávia (março de 2003). «A defesa dos direitos socioambientais no Judicário» (PDF). Instituto Socioambiental. Consultado em 25 de abril de 2021 
  5. a b c «Panará - Povos Indígenas no Brasil». pib.socioambiental.org. Consultado em 26 de abril de 2021 
  6. Hammarström, Harald; et al. «Simultaneous Visualization of Language Endangerment and Language Description». University of Hawaii's Press. Language Documentation & Conservation: https://scholarspace.manoa.hawaii.edu/bitstream/10125/24792/1/hammarstrom_et_al.pdf 
  7. «Glottolog 4.3 - GlottoScope». glottolog.org. Consultado em 25 de abril de 2021 
  8. a b c d GIRALDIN, Odair (1997). Cayapó e Panará : Luta e sobrevivência de um povo jê no Brasil central. Campinas: Editora da Unicamp. 184 páginas 
  9. Nikulin, Andrey (2020). «Proto-Macro-Jê: um estudo reconstrutivo». UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA INSTITUTO DE LETRAS DEPARTAMENTO DE LINGUÍSTICA, PORTUGUÊS E LÍNGUAS CLÁSSICAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA. Biblioteca Digital Curt Nimuendajú: http://etnolinguistica.wdfiles.com/local--files/tese%3Anikulin-2020/Nikulin_2020_Proto-Macro-Je.pdf  line feed character character in |publicado= at position 25 (ajuda);
  10. a b c DOURADO, Luciana Gonçalves. Aspectos morfossintaticos da Lingua Panara (Je). 2001. 240p. Tese (doutorado) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Estudos da Linguagem, Campinas, SP. Disponível em: <<>http://www.repositorio.unicamp.br/handle/REPOSIP/269111</>>. Acesso em: 25 de abril de 2021.
  11. a b Lapierre, Myriam. «Word-initial [i] epenthesis in Panãra» (em inglês). Consultado em 25 de abril de 2021 
  12. a b Bardagil-Mas, Bernat (20 de setembro de 2018). «Case and agreement in Panará» (PDF). University of Groningen. Consultado em 18 de abril de 2021