Estupro

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Estupro
Estupro
Tarquínio e Lucrécia, pintura de 1571 de Ticiano.
O estupro de Lucrécia, uma patrícia romana, seguido do seu suicídio, deflagrou um processo que culminou com a queda do Reino de Roma e o estabelecimento da República.
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CID-9 E960.1
MedlinePlus 001955
eMedicine 806120
MeSH D011902
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Estupro, coito forçado ou violação[1] é um tipo de agressão sexual geralmente envolvendo relação sexual ou outras formas de penetração sexual realizados contra uma pessoa sem o seu consentimento. O ato pode ser realizado por força física, coerção, abuso de autoridade ou contra uma pessoa incapaz de oferecer um consentimento válido, tal como quem está inconsciente, incapacitado, com deficiência mental ou estando abaixo da idade de consentimento.[2][3][4] O termo "estupro" é usado às vezes indistintamente do termo "agressão sexual".[5]

A taxa de denúncia, processo e condenação por estupro varia entre as jurisdições. Internacionalmente, a incidência de estupros registrados pela polícia em 2008 variou, por 100 000 pessoas, de 0,2 no Azerbaijão a 92,9 em Botsuana, com 6,3 na Lituânia como média.[6]

Em todo o mundo, a violência sexual, incluindo a violação, é cometida principalmente pelos homens contra as mulheres. O estupro por estranhos é geralmente menos comum do que o estupro por pessoas que a vítima conhece. Os estupros carcerários de homem contra homem e mulher contra mulher são comuns e possivelmente as formas menos denunciadas de estupro.[7][8][9]

Violação generalizada e sistemática e escravidão sexual podem ocorrer durante conflitos internacionais. Estas práticas são crimes contra a humanidade e crimes de guerra. A violação é também reconhecida como um elemento do crime de genocídio quando cometido com a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo étnico visado.

As pessoas que foram estupradas podem ter trauma psicológico e desenvolver transtorno de estresse pós-traumático.[10] Lesões graves — que podem incluir a morte — podem resultar juntamente com o risco de gravidez e de doenças sexualmente transmissíveis.

A vítima pode enfrentar violência ou ameaças do violador e, em determinadas culturas, da sua própria família, da comunidade e das autoridades.[11][12][13][14]

Etimologia[editar | editar código-fonte]

"Estupro" procede do termo latino stuprum[1] (ver: stuprum) ou ainda de stupure, significando "estupefato", ficar imóvel, ficar atônito.[15]

"Violação" procede do termo latino violatione.[16] ou ainda de violare: estragar, danificar, devastar, profanar.[17]

Definições[editar | editar código-fonte]

Geral[editar | editar código-fonte]

Um mapa do mundo mostrando um índice composto sobre a violação de mulheres em 2018,consoante dados do WomanStats Project.
  O estupro não é um problema grave nesta sociedade
  O estupro é um problema nesta sociedade
  O estupro é um problema significativo nesta sociedade
  O estupro é um grande problema nesta sociedade
  O estupro é endémico nesta sociedade
  Sem dados

O estupro é definido na maioria das jurisdições como a relação sexual, ou outras formas de penetração, iniciadas por um perpetrador contra uma vítima sem o seu consentimento.[18] A definição de estupro é inconsistente entre as organizações governamentais de saúde, a aplicação da lei, os profissionais de saúde e as profissões jurídicas.[19] Tem variado histórica e culturalmente.[18][19] Originalmente, "estupro" não tinha conotação sexual e ainda é usado em outros contextos no idioma inglês. Na Lei romana, estupro ou "raptus" era classificado como uma forma de "crimen vis", "crime de assalto".[20][21] Raptus descrevia o rapto de uma mulher contra a vontade do homem sob cuja autoridade ela viveu, e a relação sexual não era um elemento necessário. Outras definições de estupro mudaram ao longo do tempo. Em 1940, um marido não podia ser acusado de estuprar sua esposa. Nos anos 50, em alguns estados, uma mulher branca que tivesse sexo consensual com um homem negro era considerado estupro.[22]

Até 2012, o Federal Bureau of Investigation (FBI) ainda considerava estupro um crime cometido exclusivamente por homens contra mulheres. Em 2012, eles mudaram a definição de "O conhecimento carnal de uma mulher forçosamente e contra a sua vontade" para "A penetração, não importa quão leve, da vagina ou ânus com qualquer parte do corpo ou objeto, ou penetração oral por um órgão sexual de outra pessoa, sem o consentimento da vítima ". A definição anterior, que se manteve inalterada desde 1927, foi considerada obsoleta e estreita. A definição atualizada inclui o reconhecimento de qualquer gênero de vítima e agressor e que a violação com um objeto pode ser tão traumática quanto o estupro peniano/vaginal. A agência também descreve casos em que a vítima é incapaz de dar consentimento por causa de incapacidade mental ou física. Reconhece que uma vítima pode ser incapacitada por drogas e álcool e incapaz de consentimento. A definição não altera os códigos criminais federais ou estaduais ou a cobrança de impactos e processos a nível federal, estadual ou local; Isso significa que o estupro será mais bem relatado em todo o país.[23][24]

O estupro pode ser:

  • uma prática ligada à prostituição. Já que o estupro é definido como prática não consensual do sexo, uma mulher ou menina que não é prostituta por vontade própria, mas forçada por outras pessoas, é estuprada não somente pelos cafetões, mas também pelos clientes. O estupro de uma mulher, uma vez presa dentro do sistema de prostituição, é tolerado amplamente pela sociedade, mas quase nunca pela justiça. O estupro em massa de uma prostituta nova ou de uma menina em processo de transformação para ser prostituta é uma prática comum e, do ponto de vista dos traficantes e cafetões, absolutamente necessária para conseguir a sua transformação: a sociedade e os clientes sabem disso e frequentam e usam as prostitutas depois com a maior naturalidade.[carece de fontes?] Porém, a relação de um cliente com uma prostituta forçada é considerado crime por algumas associações e partidos políticos, mesmo se o cliente pague a devida taxa. A Alemanha e outros países europeus discutem até uma lei a respeito.[25]
  • estupro de homens contra homens. Estatísticas revelam que o estupro de homens contra homens é mais comum do que se imagina e apresenta baixo índice de denúncia: "homens sem voz" seriam milhares em todo o mundo, mas em especial em países nos quais as Instituições e a Justiça têm pouca eficácia. Para os homens, o estupro é tão humilhante quanto para as mulheres.[26][27][28][29]


Cultura do estupro[editar | editar código-fonte]

Ver artigo principal: Cultura do estupro
Ver também : Mitos do estupro

Até 1975, época em que a feminista norte-americana Susan Brownmiller lançou seu livro Against Our Will: Men, Women, and Rape,[35] obra esta que se tornaria um marco na defesa pelos direitos femininos, havia a ideia de que a mulher poderia ter contribuído com o estupro, caso não tivesse tentado resistir. Assim, até então, quando uma mulher era violentada, tinha de provar que havia tentado resistir.

Também levava-se em consideração a maneira como a vítima estava vestida e até mesmo sua vida pregressa. Considerava-se que se a mulher estivesse vestida de forma tida como provocante, isso seria uma atenuante para o agressor. Da mesma forma, se ela tivesse vários parceiros também. A obra de Susan Brownmiller, contudo, abordava o estupro como sendo uma forma de violência, poder e opressão masculina e não de desejo sexual. Segundo ela, o estupro seria uma forma consciente de manter as mulheres em estado de medo e intimidação.[36]

A prática de violar as mulheres de um grupo conquistado tem permanecido uma característica de guerra e conquista desde o segundo milênio A.C.. até ao presente. É uma prática que, tal como a tortura de prisioneiros, tem sido resistente às reformas humanitárias e a sofisticados esquemas morais e éticos.[37]

A violação de mulheres (e também homens) nos conflitos armados é uma arma de guerra, "tão eficaz como uma machete, um bastão ou uma Kalashnikov”.[38]

Após a queda do Império Romano, muitas tribos da Ásia Central começaram a invadir a Europa, como os Hunos, Ávaros, Búlgaros, Magiares e Alanos. Essas tribos da Ásia Central subjugavam as tribos germânicas e eslavas locais da Europa, e muitas vezes tomavam as suas mulheres como escravas sexuais, tendo filhos com elas.[39]

Tanto durante a era de Mubarak, como na época de Morsi e durante a ascensão de Abdul Fatah Khalil Al-Sisi, o Egito usou o abuso sexual como arma de guerra e submissão.[40][41][42]

Estupro e medicina preventiva[editar | editar código-fonte]

A médica sul-africana Sonnet Ehlers desenvolveu um preservativo feminino (conhecido como "camisinha antiestupro") que pode ajudar mulheres vítimas de tentativa de estupro.[43][44](ver: Preservativo feminino antiviolação)

Estupros no Brasil[editar | editar código-fonte]

No Brasil, apesar de ser crime hediondo, o estupro é um crime com alto número de ocorrências.

Quantidade de estupros registrados no Brasil[45][46][47]

Nota: Os dados acima não incluem os casos onde houve tentativa de estupro sem consumação do ato.

Isso se deve porque a definição legal de estupro no Brasil abrange um conceito mais amplo, consiste em: constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso.[48]

Em 2015, o Brasil registrou uma média de 5 estupros a cada hora segundo o 10º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, produzido pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), o país registrou, em 2015, 45 460 casos de estupro, sendo 24% deles nas capitais e no Distrito Federal. Apesar de o número representar uma retração de 4.978 casos em relação ao ano anterior, com queda de 9,9%, o FBSP mostrou que não é possível afirmar que realmente houve redução do número de estupros no Brasil, já que a subnotificação desse tipo de crime é extremamente alta.[49] Um levantamento divulgado no Atlas da Violência em 2018, apontou que a maioria dos estupros registrados no Brasil foi contra crianças (menores de 13 anos).[50]

Ver também[editar | editar código-fonte]

Referências

  1. a b FERREIRA, A. B. H. Novo dicionário da língua portuguesa. 2ª edição. Rio de Janeiro. Nova Fronteira. 1986. p. 731.
  2. «Sexual violence chapter 6» (PDF). World Health Organization. 2002. Consultado em 5 de dezembro de 2015 
  3. «Rape». dictionary.reference.com. 15 de abril de 2011 
  4. «Rape». legal-dictionary.thefreedictionary.com. 15 de abril de 2011 
  5. Petrak, Jenny; Hedge, Barbara, eds. (2003). The Trauma of Sexual Assault Treatment, Prevention and Practice. Chichester: John Wiley & Sons. p. 2. ISBN 978-0-470-85138-8 
  6. "Rape at the National Level, number of police recorded offenses". Nações Unidas.
  7. Human Rights WatchNo Escape: Male Rape In U.S. Prisons. Part VII. Anomaly or Epidemic: The Incidence of Prisoner-on-Prisoner Rape.; estimates that 100,000–140,000 violent male-male rapes occur in U.S. prisons annually; compare with FBI statistics that estimate 90,000 violent male-female rapes occur annually.
  8. Robert W. Dumond, "Ignominious Victims: Effective Treatment of Male Sexual Assault in Prison," August 15, 1995, p. 2; states that "evidence suggests that [male-male sexual assault in prison] may be a staggering problem". Quoted in Mariner, Joanne; (Organization), Human Rights Watch (17 de abril de 2001). No escape: male rape in U.S. prisons. [S.l.]: Human Rights Watch. p. 370. ISBN 978-1-56432-258-6. Consultado em 7 de junho de 2010 
  9. Struckman-Johnson, Cindy; David Struckman-Johnson (2006). «A Comparison of Sexual Coercion Experiences Reported by Men and Women in Prison». Journal of Interpersonal Violence. 21 (12): 1591–1615. ISSN 0886-2605. PMID 17065656. doi:10.1177/0886260506294240 ; reports that "Greater percentages of men (70%) than women (29%) reported that their incident resulted in oral, vaginal, or anal sex. More men (54%) than women (28%) reported an incident that was classified as rape."
  10. «Post Traumatic Stress Disorder in Rape Survivors». The American Academy of Experts in Traumatic Stress. 1995. Consultado em 30 de abril de 2013 
  11. Levy, Megan (e outros) (17 de Dezembro de 2007). «Saudi Arabia's king pardons gang-rape victim». www.telegraph.co.uk 
  12. «Rape victim threatened to withdraw case in UP». Zeenews.india.com. 19 de março de 2011. Consultado em 3 de fevereiro de 2013 
  13. «Stigmatization of Rape & Honor Killings». WISE Muslim Women. 31 de janeiro de 2002. Consultado em 3 de fevereiro de 2013. Arquivado do original em 8 de novembro de 2012 
  14. Harter, Pascale (14 de junho de 2011). «BBC News - Libya rape victims 'face honour killings'». BBC News. Consultado em 3 de fevereiro de 2013 
  15. Suzana Braun (2002). A violência sexual infantil na família: do silêncio à revelação do segredo. Editora AGE Ltda. p. 29. ISBN 978-85-7497-100-1.
  16. FERREIRA, A. B. H. Novo dicionário da língua portuguesa. 2ª edição. Rio de Janeiro. Nova Fronteira. 1986. p. 1 779.
  17. Patrícia Krieger Grossi (2012). Violências e gênero: coisas que a gente não gostaria de saber. EDIPUCRS. p. 84. ISBN 978-85-397-0209-1.
  18. a b Smith, ed. by Merril D. (2004). Encyclopedia of rape 1. publ. ed. Westport, Conn. [u.a.]: Greenwood Press. pp. 169–170. ISBN 978-0-313-32687-5 
  19. a b Maier, S. L. (2008). «"I Have Heard Horrible Stories . . .": Rape Victim Advocates' Perceptions of the Revictimization of Rape Victims by the Police and Medical System». Violence Against Women. 14 (7): 786–808. ISSN 1077-8012. doi:10.1177/1077801208320245 
  20. Justiniano, Institutiones [1]
  21. Adolf Berger, Encyclopedic Dictionary on Roman Law, pp. 667 (raptus) e 768 (vis) [2]
  22. Urbina, Ian (11 de outubro de 2014). «The Challenge of Defining Rape». The New York Times. Consultado em 5 de dezembro de 2015 
  23. «An Updated Definition of Rape (U.S. Dept of Justice, January 6, 2012)». Consultado em 30 de outubro de 2014. Arquivado do original em 13 de março de 2012 
  24. U.S. to Expand Rape Definition in Crime Statistics (New York Times, January 6, 2012)
  25. [3]
  26. Al Jazeera, The silent male victims of rape
  27. psychiatryonline, Male rape: offenders and victims
  28. NYTimes
  29. VoaNews, Rape Congo
  30. World News - Documentário: She Stole my Voice, 2007, (em inglês), acessado em 25/02/2016.
  31. Violent Betrayal: Partner Abuse in Lesbian Relationships. Autora: Claire M. Renzetti. SAGE Publications, 1992, (em inglês), ISBN 9780803938885 Adicionado em 25/02/2016.
  32. No More Secrets: Violence in Lesbian Relationships. Autora: Janice Lynn Ristock. Psychology Press, 2002, (em inglês), ISBN 9780415929462 Adicionado em 25/02/2016.
  33. Woman-to-Woman Sexual Violence: Does She Call It Rape?. Autora: Lori B. Girshick. UPNE, 2009, (em inglês), ISBN 9781555537265 Adicionado em 25/02/2016.
  34. Centros de Controle e Prevenção de Doenças: "National Intimate Partner and Sexual Violence Survey: 2010 Findings on Victimization by Sexual Orientation." (em inglês), Acessado em 25/02/2016.
  35. Against Our Will: Men, Women, and Rape. Susan Brownmiller, Random House Publishing Group, 1975. ISBN 9780449908204 Página visitada em 20/06/2013.
  36. GIRARDI, Giovana. Estupro.
  37. Lerner, Gerda (1986). The Creation of Patriarchy. [S.l.]: Oxford University Press. p. 80 
  38. Hilsum, Lindsey (26 de fevereiro de 2020). «Our Bodies, Their Battlefield by Christina Lamb review – groundbreaking on women and war». The Guardian (em inglês). ISSN 0261-3077 
  39. Curta, Florin. «Slavs in Fredegar: Medieval 'Gens' or Narrative Strategy?» (PDF). Consultado em 7 de março de 2020 
  40. «Egypt: Rampant torture, arbitrary arrests and detentions signal catastrophic decline in human rights one year after ousting of Morsi». www.amnesty.org (em inglês). Consultado em 6 de março de 2020 
  41. «Sexual Assault and Rape in Tahrir Square and its Vicinity: A Compendium of Sources 2011 - 2013» (PDF). El-Nadeem Center for Rehabilitation of Victims of Violence and Torture - Nazra for Feminist Studies - New Woman Foundation. Fevereiro de 2013 
  42. Ibrahim, Raymond (18 de Junho de 2014). «Punishment rape in Egypt by the Muslim Brotherhood ː From teenage girls to a six year old boy, punishment rape by the Muslim Brotherhood in Egypt is a terrifying reality. Yet you wouldn't know it from the Western media, for whom this doesn't fit the narrative». The Commentator 
  43. Revista Época. «Inventora distribui camisinha "antiestupro" na África do Sul durante a Copa». Consultado em 4 de janeiro de 2012 
  44. Superinteressante. «Médica sul-africana distribui camisinhas anti-estupro na Copa». Consultado em 4 de janeiro de 2012. Arquivado do original em 17 de agosto de 2012 
  45. 6º Anuário Brasileiro de Segurança Pública
  46. 7º Anuário Brasileiro de Segurança Pública
  47. 8º Anuário Brasileiro de Segurança Pública
  48. «L12015». www.planalto.gov.br. Consultado em 30 de junho de 2015 
  49. Camila Boehm – Repórter da Agência Brasil (3 de novembro de 2016). «Brasil registrou em 2015 mais de cinco estupros por hora, mostra anuário». EBC Agência Brasil. Consultado em 7 de janeiro de 2016 
  50. Daniel Salgado (5 de junho de 2018). «Atlas da Violência 2018: Crianças são maiores vítimas de estupro no país». O Globo. Rede Globo. Consultado em 5 de novembro de 2019 

Ligações externas[editar | editar código-fonte]

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