Masculino genérico

Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
(Redirecionado de Genericidade masculina)

Em português e espanhol, o masculino é o gênero não marcado (serve para designar os indivíduos do sexo masculino e toda a espécie sem distinção de sexos) e o gênero marcado é o feminino (serve apenas para designar o gênero feminino no singular e no plural).[1][2]

Definição[editar | editar código-fonte]

A Nova Gramática da Língua Espanhola (NGLE)[3] aponta que:

“é habitual nas línguas românicas, e também nas outras famílias linguísticas, usar os substantivos masculinos de pessoa para designar todos os indivíduos da classe que se mencione, sejam homens ou mulheres.”

Origem[editar | editar código-fonte]

A origem do masculino como um termo não marcado na oposição de gênero deve ser buscada no antigo indo-europeu, por volta de dois milênios antes da era comum (AEC). Em um primeiro estágio deste idioma, chamado "proto-indo-europeu" (PIE), não havia inflexão de gênero sequer. Essa situação durou até que aos poucos a linguagem se tornou mais complexa. Ocasionalmente, em palavras que denotam seres animados, um *-s começou a ser usado para sujeitos (mais precisamente, para palavras em nominativo e genitivo) e, dependendo dos casos, *-n/-m/-om para complementos diretos (palavras no acusativo). Esse uso logo se tornou mais e mais geral, até que foi totalmente estabelecido. As palavras que denotavam seres inanimados, por outro lado, foram deixadas como estão (ou seja, o tema puro foi deixado sem qualquer inflexão), exceto por algumas exceções e peculiaridades.[4] Esta é considerada a origem da primeira distinção entre gêneros gramaticais: os gêneros animado/inanimado. Sobre o inanimado, Francisco González Luis afirma:

O fato de o inanimado englobar seres sem vida, seres inertes, ou objetos, etc., é aduzido como razão para que esse grupo de palavras de gênero inanimadas permaneça em uma situação primitiva de natureza pré-flexiva, na qual as funções representadas pelo acusativo/nominativo não diferia no plano gramatical, pois, ao designar seres tidos como inanimados, eles não teriam a capacidade de funcionar como agentes de um processo. Nesse caso, a diferenciação morfológica do gênero animado/inanimado, realizada com um critério funcional, é um reflexo da realidade externa (dividida em vivos e não vivos) que se impõe à linguagem. (1999, p. 165)[5]

Agora, para designar entidades humanas de qualquer sexo, expressões como criança do sexo masculino ou criança do sexo feminino devem ser usadas (onde criança não tem conotação de sexo; apenas designa uma determinada entidade animada). Não foi até o indo-europeu III (IE III) que essa maneira de especificar o sexo do referente viu seu fim, especialmente no latim que emergiu no ramo itálico das línguas indo-europeias. Nesta fase, segundo o filólogo Francisco Villar (1991, p. 237), o *-ā final foi retirado da antiga palavra *-gwe ('mulher') e foi usado como marca para todas as palavras que mulheres designadas ou animais fêmeas. Dessa forma, já em latim vozes como filia ('filha') eram obtidas do antigo *dhug(h)ətḕr, ou também avia ('avó') do antigo *anos.[6] Portanto, o gênero linguístico feminino (é claro, dentro do gênero das palavras animadas) nasceu. As palavras que não possuíam tal marca (ou seja, as não marcadas) constituíam o gênero linguístico masculino. Assim, toda aquela palavra animada que não tivesse a marca feminina seria simplesmente uma palavra masculina. O gênero feminino, nesse sentido, tendo nascido como uma unidade referente apenas a entidades femininas, tinha um caráter distinto e exclusivo, que o diferenciava de gêneros como masculino ou inanimado (posteriormente denominado neutro em latim). Foi isso que deu ao homem a capacidade de ter uma função inclusiva ou genérica (já que ele não nasceu como unidade exclusiva). Assim, em contextos de designação de ambos os sexos, era o masculino que deveria ser utilizado (por exemplo, filii é uma palavra latina e masculina que significa 'meninos', designando meninos e meninas indistintamente). Tendo isso em mente, em sua Gramática do indo-europeu moderno, Carlos Quiles e Fernando López-Menchero afirmam:

[...] o feminino é o termo positivo na oposição entre animado, porque quando é usado, o espectro do animado é reduzido ao feminino; enquanto masculino ainda serve como um termo negativo (isto é, indiferenciado) para ambos animados —masculino e feminino— quando usado neste sentido; ou seja, quando o gênero não é diferenciado. (2017, 168)[7]

Controvérsia[editar | editar código-fonte]

Algumas pessoas criticam o uso do masculino como genérico, pois afirmam que seu uso contribui para perpetuar a discriminação por gênero e propõem o uso de alternativas, como expressar o todo com ambos os gêneros (masculino e feminino) ou por meio de desinências. No entanto, embora o uso de circunlocução seja quase comum na mídia política ou jornalística, a RAE não recomenda seu uso quando o contexto é suficientemente explícito para incluir indivíduos de ambos os sexos.[8]

Referências

  1. «Por que a distinção entre gênero social e gramatical na língua portuguesa é necessária ao idioma». GZH. 12 de dezembro de 2015. Consultado em 10 de abril de 2021 
  2. Kolodny, Rossana Saute (2016). «Marcação de gênero e classe temática em português e em francês». Consultado em 10 de abril de 2021 
  3. Pelly, María Elena (2013). «Nueva gramática básica de la lengua española by Real Academia Española, la Asociación de Academias de la Lengua Española (review)». Hispania (2): 428–430. ISSN 2153-6414. doi:10.1353/hpn.2013.0037. Consultado em 10 de abril de 2021 
  4. Adrados, F., Bernabé, A. y Mendoza, J. (1996). «Los orígenes de la flexión nominal y el nombre en la fase preflexional o protoindoeuropeo». Manual de lingüística indoeuropea (em espanhol). Madrid, España: Ediciones clásicas. p. 134-155. ISBN 84-7882-245-3 
  5. González, Francisco, La caracterización morfológica del género flexional (animado/inanimado) en latín, 1999, pp. 161-192.
  6. Villar, Francisco (1991). «Los géneros». Los indoeuropeos y los orígenes de Europa (em espanhol). Madrid, España: Gredos. ISBN ISBN 84-249-1787-1. Verifique |isbn= (ajuda) 
  7. Quiles, C. y López-Menchero, F. (2017). «Las palabras y sus formas». Gramática del indoeuropeo moderno (em espanhol). Badajoz, España: Academia Prisca. p. 168. ISBN 978-1480049765 
  8. «Nueva gramática de la lengua española» (PDF). www.rae.es. 2009. p. 8. Consultado em 10 de dezembro de 2018 

Bibliografia[editar | editar código-fonte]

  • Real Academia Española y Asociación de Academias de la Lengua Española (2009). Nueva gramática de la lengua española. [S.l.]: Madrid: Espasa. 
  • Instituto Cervantes (2011). Guía de comunicación no sexista. [S.l.]: Aguilar