Agraço
O agraço[1] ou agraz [2] é o sumo de sabor ácido extraído da uva ainda não madura, sendo que também se dão estes dois nomes às próprias uvas, ainda verdes, com que se faz o referido sumo.
Etimologia
[editar | editar código-fonte]Ambos os substantivos «agraço»[3] e «agraz»[4] provêm do étimo português «agro»[5], que significa «acre; amargo», resultando da deturpação do étimo latino ācre[6], que encerra o mesmo significado.
História
[editar | editar código-fonte]Historicamente, especialmente na gastronomia medieval, mas não só, chegou a ser usado para substituir o sumo de limão ou o vinagre, em vinagretes, mostardas, na condimentação de carne ou peixe, na preparação de molhos e para desglacear.[7]
Portugal
[editar | editar código-fonte]O agraço figura em inúmeras receitas históricas portuguesas.[8] Com efeito, encontram-se várias menções a este ingrediente no primeiro Tratado de cozinha português, a «Arte de Cozinha», de 1680, escrita por Domingos Rodrigues, em inúmeras receitas, desde cozidos de carneiro com hortaliças[9]; pombos assados[10]; coelho cozido[11] ou empadas de carne. [12]
No entanto, na mesma obra, também se encontra receitas em que o agraço, em vez de figurar como tempero, assume um papel mais central no prato, por exemplo na receita de «Tortas de Agraço», uma sobremesa que usa as uvas verdes de agraço[13]:
“ | Depois de escaldados em agoa fervendo dous arrateis de bagos de agraço, passem-se por agoa fria , e ponhaõ-se a ferver em dous arrateis de açúcar em ponto de espadana com canella , cravo, cinco reis de paõ rallado para engrossar, âmbar, e almiscar : ponha-se a esfriar, em quanto se faz a torra de folhado Francez, e depois de cozida mandem-se a meza. | ” |
A torta de agraço teve algum relevo e destaque na história da culinária real portuguesa, com efeito, na segunda metade do século XVIII, mais de 100 anos após a redacção da «Arte de Cozinha», era exigido e examinado aos oficiais de pasteleiro da mesa real que as soubessem fazer.[14]
O agraço continuou a gozar de considerável popularidade, mesmo depois do séc. XVII, figurando em inúmeras receitas portuguesas ao longo do séc. XVIII. Por exemplo, no Caderno de Receitas das Salésias de 1784, o agraço consta de uma receita de fricassé de abóbora.[15]
Culinária moderna
[editar | editar código-fonte]Apesar do seu lauto uso histórico, modernamente, vê-se substituído por vinho ou por variedades de vinagre, por sinal mais acessíveis.[7] Em todo o caso, continua a figurar em certas receitas tradicionais europeias e do Médio Oriente.[7]
Referências
- ↑ «agraço». Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora. Infopédia
- ↑ «agraz». Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora. Infopédia
- ↑ «agraço». Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora. Infopédia
- ↑ «agraz». Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora. Infopédia
- ↑ «agro». Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora. Infopédia
- ↑ «ācre | ONLINE LATIN DICTIONARY - Latin - English». www.online-latin-dictionary.com. Consultado em 10 de abril de 2023
- ↑ a b c Lafon, Bernard, ... (2005). Le verjus du Périgord ou "Le grand cuisinier" : la cuisine au verjus du Moyen âge à nos jours. Impr. Floch). [Sadirac] (Château de Belloc, 33670): Éd. Alimenthus. OCLC 470305708
- ↑ Rodrigues, Domingos (1680). Arte de cozinha dividida em quatro partes, a primeira trata do modo de cozinhar varios guizados de todo o genero de carnes, e conservas, tortas, empadas, e pasteis. A segunda de peixes, mariscos, frutas, hervaa [sic], ovos, lacticinios, doces, conservas do mesmo genero. A terceira de preparar meza em todo o tempo do anno, para hospedar principes, e embaixadores. A quarta de fazer pudins, e preparar massas... Lisboa: Officina da Viuva de Lino da Silva Godinho. p. 281
- ↑ Rodrigues, Domingos (1680). Arte de cozinha dividida em quatro partes, a primeira trata do modo de cozinhar varios guizados de todo o genero de carnes, e conservas, tortas, empadas, e pasteis. A segunda de peixes, mariscos, frutas, hervaa [sic], ovos, lacticinios, doces, conservas do mesmo genero. A terceira de preparar meza em todo o tempo do anno, para hospedar principes, e embaixadores. A quarta de fazer pudins, e preparar massas... Lisboa: Officina da Viuva de Lino da Silva Godinho. p. 25.
«Porém se quizerem fazer o carneiro com abóbora , alfaces , bringellas , alcaxofras, ou ervilhas , lhe deitarão açafraó, e algum vinagre, e se coalhará com quatro gemas de ovos : poem-se sobre fatias , e deita-se por cima çumo de limão, ou agraço havendo-o»
- ↑ Rodrigues, Domingos (1680). Arte de cozinha dividida em quatro partes, a primeira trata do modo de cozinhar varios guizados de todo o genero de carnes, e conservas, tortas, empadas, e pasteis. A segunda de peixes, mariscos, frutas, hervaa [sic], ovos, lacticinios, doces, conservas do mesmo genero. A terceira de preparar meza em todo o tempo do anno, para hospedar principes, e embaixadores. A quarta de fazer pudins, e preparar massas... Lisboa: Officina da Viuva de Lino da Silva Godinho. p. 51.
«Depois que tiverem afiados os pombos se affogará hum pequeno de toucinho com huma pouca de manteiga , todas as especies, cheiros, vinho branco, hum golpe de vinagre, agraço inteiro»
- ↑ Rodrigues, Domingos (1680). Arte de cozinha dividida em quatro partes, a primeira trata do modo de cozinhar varios guizados de todo o genero de carnes, e conservas, tortas, empadas, e pasteis. A segunda de peixes, mariscos, frutas, hervaa [sic], ovos, lacticinios, doces, conservas do mesmo genero. A terceira de preparar meza em todo o tempo do anno, para hospedar principes, e embaixadores. A quarta de fazer pudins, e preparar massas... Lisboa: Officina da Viuva de Lino da Silva Godinho. p. 65.
como estiver affogado , lhe deitaraó dentro os coelhos partidos em pedaços, e depois de cozidos, se temperarão com todos os adubos , cominhos, limaõ, azeite ,agraço, (se o houver) ou vinagre
- ↑ Rodrigues, Domingos (1680). Arte de cozinha dividida em quatro partes, a primeira trata do modo de cozinhar varios guizados de todo o genero de carnes, e conservas, tortas, empadas, e pasteis. A segunda de peixes, mariscos, frutas, hervaa [sic], ovos, lacticinios, doces, conservas do mesmo genero. A terceira de preparar meza em todo o tempo do anno, para hospedar principes, e embaixadores. A quarta de fazer pudins, e preparar massas... Lisboa: Officina da Viuva de Lino da Silva Godinho. p. 116.
Deste modo se fazem empadas de frangaõs, pombos,perum, rolas, tordos, ade , lombo de vaca, ou de porco, mas com agraço ou limaõ.
- ↑ Rodrigues, Domingos (1680). Arte de cozinha dividida em quatro partes, a primeira trata do modo de cozinhar varios guizados de todo o genero de carnes, e conservas, tortas, empadas, e pasteis. A segunda de peixes, mariscos, frutas, hervaa [sic], ovos, lacticinios, doces, conservas do mesmo genero. A terceira de preparar meza em todo o tempo do anno, para hospedar principes, e embaixadores. A quarta de fazer pudins, e preparar massas... Lisboa: Officina da Viuva de Lino da Silva Godinho. p. 162
- ↑ Gomes, João Pedro (2016). «O ofício de pasteleiro em Portugal entre os séculos XVI e XVIII». PUC - Curitiba. Revista História Helikon. 2 (4): 78–100. Consultado em 10 de abril de 2023
- ↑ Abecasis, Isabel (2015). Caderno de receitas do convento das Salésias (PDF). Lisboa: Arquivo Nacional da Torre do Tombo. p. 41. 117 páginas