Culto
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No contexto religioso litúrgico, um culto (do termo latino cultu) constitui um conjunto de atitudes e ritos pelos quais um grupo de fiéis adora ou venera uma divindade.[1]
Antecedentes[editar | editar código-fonte]
O culto é uma das manifestações exotéricas (públicas) de uma religião, embora algumas manifestações dele possam ser reservadas aos iniciados e, portanto, pertencerem ao esoterismo.[2] A adoração faz parte das obrigações cuja negligência é classificada como impiedade. Nas religiões não dogmáticas, a prática de direito tem esse caráter exotérico.[3]
Na religião, a leitura dos seus textos sagrados ou a recitação das suas crenças, a elaboração da sua teologia através de regras particulares de hermenêutica, como a fé pessoal dos seus seguidores (para as religiões dogmáticas, ou seja, cuja prática exige a adesão a uma confissão de fé), pertencem ao esoterismo.[3]
Podem ser, dependendo das religiões, todos os seguintes temas ou uma escolha entre estes:
- antes de tudo, sacrifícios mais ou menos simbólicos;
- orações e salmos, hinos ou canções;
- a criação de imagens piedosas, ícones...
Peregrinações, esmolas, imposto religioso (pagamento dado para manter a religião de outrem ou praticar a própria, assumido ou não pelo Estado, como o dízimo, o zacate, o imposto cobrado em alguns países pela prática da religião não oficial, e durante séculos os parias, o benefício eclesiástico, o escusado eclesiástico e o imposto de abadia), o jejum, também são aspectos do culto embora não possam ser incluídos no aspecto litúrgico; eles pertencem ao domínio da lei religiosa.
Tal como a oposição entre religiões de autoridade e religião de direito, a oposição entre religiões icônicas (que incluem o culto e a veneração de imagens)[4] e religiões iconoclastas, é um critério estruturante das ciências religiosas (como a antropologia da religião e a sociologia da religião) .
Um culto desempenha um papel importante para a solidariedade de um grupo e também representa um fator de estabilidade para uma comunidade. Atos como procissão, cerimônia comunicativa (abraço), refeição ritualizada, objetos simbólicos (velas) criam cumplicidade. A pertença à comunidade é expressa e confirmada através de ritos de passagem (nascimento, maturidade, casamento, maternidade, morte).[5]
Etimologia[editar | editar código-fonte]
Cícero definiu religio como cultus deorum, "o cultivo dos deuses". O "cultivo" necessário para manter uma divindade específica era o cultus desse deus, "o culto", e exigia "o conhecimento de dar aos deuses o que lhes corresponde" (scientia colendorum deorum).[6] O substantivo cultus tem origem no pretérito do verbo colo, colere, colui, cultus, "cuidar, cuidar, cultivar", que originalmente significava "habitar, habitar" e, portanto, "cuidar, cultivar a terra (áger); praticar a agricultura", uma atividade fundamental para a identidade romana, mesmo quando Roma, como centro político, tornou-se completamente urbanizada.
Cultus é frequentemente traduzido como "adoração" sem as conotações negativas que a palavra pode ter em português, ou com a palavra "adoração" do inglês antigo, mas implica a necessidade de manutenção ativa além da adoração passiva. Esperava-se que o Cultus importasse aos deuses como uma demonstração de respeito, honra e reverência; era um aspecto da natureza contratual da religião romana (ver do ut des).[7] Agostinho de Hipona ecoa a formulação de Cícero quando declara: "a religião nada mais é do que o culto de Deus".[8]
O termo "culto" apareceu pela primeira vez em inglês em 1617, derivado do francês culte, que significa "adoração"[9] e que por sua vez se originou da palavra latina cultus que significa "cuidado, cultivo, adoração".[10] O significado de "devoção a uma pessoa ou coisa" remonta a 1829.[11] A partir de 1920, "culto" adquiriu seis ou mais outras definições positivas e negativas.[9] Em francês, por exemplo, as seções dos jornais que apresentam a programação dos cultos dos serviços católicos são intituladas Culte Catholique, enquanto a seção que fornece a programação dos serviços protestantes é intitulada culte réformé.
No catolicismo[editar | editar código-fonte]
No âmbito do catolicismo, tais cultos são comumente chamados de Missas. Há também os cultos de Dulia (referente aos santos) e o culto de Latria (a adoração, dada apenas a Deus.)
Polêmica entre culto e religião[editar | editar código-fonte]
No Brasil, em 28 de abril de 2014, um juiz da 17ª Vara da Justiça Federal do Rio de Janeiro emitiu uma sentença na qual considerava que os cultos afro-brasileiros não constituíam uma religião, e que suas manifestações religiosas não continham os traços necessários que caracterizariam uma religião. A sentença foi emitida em resposta à uma ação do Ministério Público Federal (MPF), que pedia a retirada de vídeos de cultos evangélicos do YouTube, com conteúdo considerado discriminatório contra religiões de matriz africana.[12]
Com a repercussão negativa da medida, o juiz Eugênio Rosa de Araújo voltou atrás em sua decisão e reconheceu, em 20 de maio de 2014, que "manifestações religiosas afro-brasileiras constituem, de fato, uma religião". Todavia, ele não acatou a solicitação do MPF de retirar do ar os vídeos considerados ofensivos, mesmo os considerando de "mau gosto", em nome da "liberdade de expressão".[13]
Cultos e a perturbação do sossego[editar | editar código-fonte]
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No Brasil, a relação entre cultos religiosos e a perturbação do sossego se dá frequentemente de maneira conflituosa, colocando em xeque, de um lado, os direitos de vizinhança previstos no Código Civil e, de outro lado, a liberdade pública do direito de fé e manifestação religiosa.[14]
A relação entre a liberdade de culto, garantida pela Constituição Federal, e o direito ao sossego e à qualidade de vida, garantida pela mesma constituição, já foi objeto de pesquisas e estudos.[15] Já houve também propostas legislativas no Congresso Nacional visando limitar os ruídos emitidos por igrejas.[16][17]
Ver também[editar | editar código-fonte]
Referências
- ↑ FERREIRA, A. B. H. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. 2ª edição. Rio de Janeiro. Nova Fronteira. 1986. p. 508.
- ↑ «"Esotérico" ou "exotérico": qual é o certo?». Guia do Estudante. 2 de maio de 2024. Consultado em 14 de junho de 2024
- ↑ a b «Dogmatismo». Mundo Educação. Consultado em 14 de junho de 2024
- ↑ Wilma Steagall De Tommaso (13 de abril de 2021). «Ícone: origem, tradição e contemporaneidade». Off Lattes. Consultado em 14 de junho de 2024
- ↑ «Rituais». Brasil Escola. Consultado em 14 de junho de 2024
- ↑ Clifford Ando (13 de fevereiro de 2008). The Matter of the Gods (em inglês). [S.l.]: University of California Press. p. 6. Consultado em 21 de junho de 2024
- ↑ Ando, La materia de los dioses, pp. 5-7; Valerie M. Warrior, Roman Religion (Cambridge University Press, 2006), p. 6; James B. Rives, Religion in the Roman Empire (Blackwell, 2007), pp. 13, 23.
- ↑ Agostinho de Hipona, De Civitate Dei 10.1; Ando, The Matter of the Gods, p. 6.
- ↑ a b Fellah, Noor (18 de junho de 2021). «Cults» (em inglês). CBYF/Shakat Journal. Consultado em 21 de junho de 2024
- ↑ «Culto». Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa. Consultado em 21 de junho de 2024
- ↑ «Cult» (em francês). Etymonline. Consultado em 21 de junho de 2024
- ↑ Tiago Chagas (28 de abril de 2014). «Jus Brasil: Justiça Federal define que cultos afro-brasileiros, como a umbanda e candomblé, não são religião». Jusbrasil. Consultado em 11 de junho de 2024
- ↑ «Juiz federal volta atrás e afirma que cultos afro-brasileiros são religiões». G1. 20 de maio de 2014. Consultado em 11 de junho de 2024
- ↑ «Jus Navigandi: Direito de exercício de culto religioso nas relações de vizinhança»
- ↑ ALVES, José Rodrigo de Jesus; VIEIRA, Thiago Vidal. «Os Conflitos Existentes entre a Liberdade de Culto e a Perturbação do Sossego» (PDF). fag.edu.br
- ↑ «CCJ aprova limites para emissão de som em templos religiosos - Notícias». Portal da Câmara dos Deputados. Consultado em 11 de abril de 2022
- ↑ «Limite de emissão sonora de templos pode ser regulamentado pelo Congresso». Senado Federal. Consultado em 11 de abril de 2022