Saltar para o conteúdo

Dialeto ítalo-paulista

Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
(Redirecionado de Macarrônico)
Ítalo-paulista ou Paulistaliano

intalo-baolista/baoliste
baolistaliano

Falado(a) em:  Brasil
Região:  São Paulo
Total de falantes:
Família: Pidgin
 Ítalo-paulista ou Paulistaliano
Escrita: Alfabeto latino
Estatuto oficial
Língua oficial de: Nenhum Estado
Códigos de língua
ISO 639-1: --
ISO 639-2: ---
ISO 639-3: none

O ítalo-paulista (intalo-baolista ou intalo-baoliste[nota 1]), também denominado paulistaliano,[1] é uma língua desenvolvida a partir da mistura entre as línguas vêneta, napolitana e dialetos calabreses ao dialeto caipira.[2] Foi amplamente falada por imigrantes italianos e descendentes até o início da década de 1960, em São Paulo, especialmente na Região Metropolitana de São Paulo, sendo comumente falada pelas ruas de São Paulo.[3][4][5]

História[editar | editar código-fonte]

Devido ao direcionamento de milhares de italianos a São Paulo a partir da década de 1870, a língua italiana e as línguas regionais da Itália, especialmente a vêneto e a napolitana, passaram a serem faladas quase tanto quanto o português no estado. Devido a uma função de urgência, esses colonos passaram a misturar suas línguas nativas à linguagem oral de dos paulistas, em especial ao dialeto caipira, dando início a uma nova língua, uma forma que os italianos encontraram para facilitar o contato e se adaptarem às novas necessidades linguísticas de um ambiente culturalmente diversificado como São Paulo.[6]

De acordo com o escritor modernista Antônio de Alcântara Machado, os colonos em São Paulo não utilizavam a língua italiana e nem a língua portuguesa, a comunicação era feita a partir de uma mistura linguística de base italiana e portuguesa, sendo denominada pelo autor por ítalo-paulista. Outros autores, ao caminharem pelas ruas de São Paulo, também chegariam a ouvi-la, o escritor Monteiro Lobato, por exemplo, foi responsável por empregar a denominação paulistaliano.[7][8]

A mixagem dos idiomas é um fenômeno linguístico e sociológico que ultrapassa o pitoresco. O italiano (em seus vários aspectos dialetais) prevaleceu na fusão, dando origem a um verdadeiro idioma que Monteiro Lobato chegou a batizar de “paulistaliano”.[9]

A variação paulistaliana da Grande São Paulo é de origem napolitana, enquanto que a variação paulistaliana de outras localidades de São Paulo, a exemplo de Jundiaí, é de origem veneziana e muito semelhante ao talian,[10] um dialeto ítalo-brasileira da Serra Gaúcha de origem veneziana, com influências lombardas e trentinas. Apesar do paulistaliano ser entendido por alguns como um dialeto, sua formação possui diferenças significativas quando comparada com a história de formação dos vários dialetos italianos e portugueses. Por ser originária da mistura entre línguas da Itália com o português regional de São Paulo, surgindo em um contexto de urgência comunicativa, constata-se que o desenvolvimento inicial do paulistaliano não o enquadra a um dialeto, sendo correspondente às definições de um pidgin,[11] uma língua que, ao se desenvolver e ser ensinada a uma comunidade como língua nativa, acaba por evoluir e transformar-se numa língua crioula. O paulistaliano pode ter se transformado numa língua crioula quando passou a ser ensinado aos descendentes de italianos, porém se perdeu com o ensino obrigatório da língua portuguesa, o que influenciou na formação do atual dialeto paulista. Na Região Metropolitana de São Paulo, especialmente no distrito paulistano da Mooca, é onde ainda se conservam os sotaques da língua.[12]

Divulgação[editar | editar código-fonte]

Cartas D'Abax'O Pigues[editar | editar código-fonte]

Em 1911, o poeta José Oswald de Sousa Andrade, um paulistano quatrocentão de ascendência portuguesa, criou o periódico político-literário O Pirralho, onde sob o pseudónimo italiano Annibale Scipione, usufruindo da linguagem, seriam publicadas as Cartas D’Abax’O Pigues. Após embarcar à Europa, em 11 de fevereiro de 1911,[13] Oswald de Andrade convidou o então estudante de engenharia Alexandre Ribeiro Marcondes Machado, um pindamonhangabense também de origem quatrocentona, vindo a substituí-lo nas publicações das Cartas D’Abax’O Pigues, estreando sua participação em 14 de outubro de 1911, sob o pseudônimo de Juó Bananère,[13] que fazia referência a um personagem italiano criado pelo caracturista Lemmo Lemmi. Ao substituir o criador, Alexandre foi quem mais explorou as possibilidades humorísticas do paulistaliano, divulgando a língua sob uma escrita mais desorganizada, porém servindo como um porta-voz dos colonos italianos de São Paulo.[8][14]

Estamos, assim, diante de um uso particular da língua do imigrante italiano, sem dúvida único em seu gênero, que reproduz de forma caricata o dialeto caipira paulistano mesclado com as variedades dialetais do italiano popular. Popular justamente porque São Paulo era um caldeirão de influências que se refletia na língua do povo.
— Edoardo Maria Carnevale

La Divina Increnca e Diario do Abax'o Piques[editar | editar código-fonte]

Em 1915, parodiando Divina Commedia, de Dante Alighieri, Alexandre publicou a obra La Divina Increnca, escrita em seu misto linguístico. A revista O Queixoso, em vez de ítalo-paulista e paulistaliano, chegou a utilizar a expressão "língua do Abaixo Piques" para divulgá-la.[15][16] Ainda em 1915, Alexandre seria demitido do O Pirralho, voltando com suas publicações ítalo-paulistas somente em maio de 1933, com a criação do Diario do Abax’o Piques, um jornal caracterizado por apresentar temas essencialmente políticos, discutidos em tom satírico, mas durando poucos meses, devido ao adoecimento e morte do autor em 22 de agosto, foi extinto em outubro de 1933.[17]

O nome "Diario do Abax'o Piques," também grafado como Diario du Abax'o Piques ou Diario d'Abax'o Piques, inspirado em Cartas D'Abax'o Pigues, faz referência à Baixada do Piques, uma antiga localidade do município de São Paulo que se dividia entre o Largo da Bixiga e o Largo do Piques, hoje com localização correspondente à Praça da Bandeira, no distrito da República; de forma cômica, era sempre enaltecida por Alexandre, ora chamada de "patria," ora de "naçò" (nação), no início do governo da Era Vargas era "Statto Libero du Abax'o Pigues" (Estado Livre da Baixada do Piques) ou "Ripubbriga du Abax'o Pigues" (República da Baixada do Piques), onde Juó Bananere era o rè-prisidentimo (rei-presidente). Devido as publicações de Alexandre Machado, a língua passou a ser retratada como um italiano ou português "macarrônico," sendo este um gênero de linguagem que possui diferentes definições, como a de uma linguagem mista;[18] incompreensível; utilizada para fins cômicos,[19] etc.

Imigração italiana[editar | editar código-fonte]

Bandeira da Itália no portal de Pedrinhas Paulistas

A presença italiana no Brasil remonta à década de 1560, se intensificando a partir da década de 1870, com o financiamento de fazendeiros e do governo do Império do Brasil,[20][21] hoje representando uma das maiores comunidades italianas no mundo, com mais de 30 milhões de descendentes, cerca de 15% da população brasileira.[22] A maior parte dos imigrantes italianos escolheram viver em São Paulo, atraídos para trabalharem em fazendas e nas cidades, trazendo tanto o desenvolvimento quanto, embora raramente, o crescimento da criminalidade, a exemplo do grupo Magnano, uma quadrilha calabresa, conhecida durante a década de 1890 por incendiar fazendas, realizar assaltos e assassinatos no Centro-Oeste paulista.[23] Atualmente, São Paulo é considerado a maior comunidade italiana do Brasil, havendo entre 15 a 20 milhões de descendentes no estado, o que representa quase metade da população paulista. Dos ítalo-paulistas, mais de 340 mil possuem cidadania italiana legalmente reconhecida.[24] Em 2018, o presidente Jair Bolsonaro, glicerense de origens vênetas, toscanas e calabresas,[25][26][27] tornou-se o primeiro ítalo-brasileiro a ser popularmente eleito chefe de Estado no Brasil, sendo o segundo ítalo-paulista a comandar o país, depois de Ranieri Mazzilli.[28][29] Na cidade de São Paulo, a população italiana é uma das mais fortes do mundo, com presença em todo o município. De seus 12 milhões de habitantes, cerca de 5 milhões têm ascendência italiana total ou parcial, havendo mais descendentes de italianos que qualquer cidade da Itália.[30][31] Todos os anos, pessoas de origem italiana se agrupam em bairros paulistanos como Bixiga, Brás e Mooca e em diversos outros municípios do estado para promover eventos tradicionais, como a Festa de São Vito, Festa de San Gennaro, Festa da Colônia Italiana do Quiririm, Festa da Polenta de Santa Olímpia, etc.

Exemplos[editar | editar código-fonte]

Na coletânea Brás, Bexiga e Barra Funda, de Alcântara Machado,[32] há alguns exemplos paulistalianos, como a utilização do termo "banzando" no lugar do que, em português seria "brincando" e em italiano "giocando."[33][34]

O italiano e vários dialetos da Península Itálica influenciaram o português do Brasil nas áreas de maior concentração de imigrantes, como é o caso de São Paulo. Lá a convivência entre o português e o italiano criou um discurso muito mais aberto e menos nasalizado do que o português do Rio de Janeiro. A diversidade da língua dos imigrantes italianos resultou em um modo de falar substancialmente diferente do caipira, que era predominante na região antes da chegada dos italianos.

Nas canções de Adoniran Barbosa, filho de imigrantes de Cavarzere (Veneza), o "Samba Italiano" é um bom representante da língua estrangeira no Brasil. Com um ritmo tipicamente brasileiro, o autor mistura português, caipira e italiano, demonstrando o que acontecia e ainda ocorre em alguns bairros de São Paulo com o ítalo-paulista:

Va brincar en il mare en il fondo,
Mas atencione per tubarone, ouvisto?

Vai brincar no fundo do mar, mas atenção com tubarões, ouviste?

Ver também[editar | editar código-fonte]

Notas

  1. "Baolista" e "Baoliste" são grafias para "Paulista" que constam em publicações como La Divina Increnca, Cartas D'Abax'o Pigues (sessão do O Pirralho) e em sessões paulistalianas do jornal A Manha (RJ); na mesma lógica, São Paulo é traduzido como "Zan Baolo."

Referências

  1. SP, © Sesc (10 de julho de 2006). «Juó Bananére, a divina irreverência». portal.sescsp.org.br. Consultado em 7 de janeiro de 2024 
  2. ALVES MARQUES, Francisco Cláudio (2020). A Gênese de Juó (PDF). [S.l.: s.n.] p. 66 
  3. Percursos do moderno e do nacional em Oswald de Andrade (PDF). [S.l.: s.n.] p. 29 
  4. 12 retextualizações: traduções comentadas – italiano e português (PDF). [S.l.: s.n.] p. 54 
  5. CABRAL FILHO, Paulo Tinoco. Cultura como política de estado no Brasil: a iniciativa oficial e sua busca pela consolidação da identidade nacional. [S.l.: s.n.] p. 44 
  6. NUNES, Adriana Zanela. Alcântara Machado: um escritor apaixonado pelos ítalo-brasileiros. [S.l.: s.n.] p. 2 
  7. SUNSA, Ikunori. Brasil, Brasis Ensino da Cultura brasileira e da Língua portuguesa (PDF). Japão: [s.n.] p. 216 
  8. a b SALIBA, Elias Thomé. Vista do Juó Bananere, o raté do modernismo paulista?. [S.l.: s.n.] p. 114 
  9. PRADA, Cecília (2014). «O velho bairro que não é bairro». portal.sescsp.org.br. Consultado em 30 de maio de 2024 
  10. SOUTELLO, Luiz Haroldo Gomes de. «O embaixador e as onze mil virgens» 
  11. HLIBOWICKA-WĘGLARZ, Barbara. Pidgin, língua franca, sabir. [S.l.: s.n.] p. 36 
  12. «São Paulo: metrópole da modernidade vacilante» 
  13. a b FREITAS DE ANDRADE, Ana Paula. Juó Bananére: Verve litteratura, futurisimo, cavaçò, ecc. ecc. (indexação e reunião de textos macarrônicos publicados de 1911 a 1933) (PDF). [S.l.: s.n.] p. 13 
  14. FONSECA, Cristina (2001). Juó Bananére: o abuso em blague. [S.l.: s.n.] p. 98 
  15. Scabin, Rafael Cesar; Maggio, Giliola (31 de dezembro de 2020). «Houve um dialeto ítalo-paulistano?». Revista de Italianística (40): 5–18. ISSN 2238-8281. doi:10.11606/issn.2238-8281.i40p5-18. Consultado em 6 de janeiro de 2024 
  16. "Il linguaggio maccheronico in Juó Bananére"(p.58-61)
  17. «Diario do Abax'o Piques, 1933, ano I, n 05». bibdig.biblioteca.unesp.br. Consultado em 4 de julho de 2024 
  18. «macaronic | Word of the Day | January 21, 2021». Dictionary.com (em inglês). 21 de janeiro de 2021. Consultado em 7 de janeiro de 2024 
  19. «macarrónica» 
  20. «IBGE | Brasil: 500 anos de povoamento | território brasileiro e povoamento | italianos | razões da emigração italiana». brasil500anos.ibge.gov.br. Consultado em 5 de julho de 2024 
  21. «São Paulo celebra 150 anos de imigração italiana com fortes influências na cultura» 
  22. dino. «Cerca de 15% dos brasileiros podem ter a cidadania italiana». Terra. Consultado em 4 de julho de 2024 
  23. SOLIDARIEDADE ÉTNICA, PODER LOCAL E BANDITISMO: uma quadrilha calabresa no Oeste Paulista, 1895-1898*. [S.l.: s.n.] p. 72 
  24. Internazionale, Ministero degli Affari Esteri e della Cooperazione. «150 ANOS DA IMIGRAÇÃO ITALIANA NO BRASIL». conssanpaolo.esteri.it. Consultado em 4 de julho de 2024 
  25. «Cidadania italiana de Bolsonaro: quais requisitos necessários para ter a dupla nacionalidade». O Globo. 4 de fevereiro de 2023. Consultado em 4 de julho de 2024 
  26. «Itália confirma que filhos de Bolsonaro pediram cidadania». noticias.uol.com.br. Consultado em 4 de julho de 2024 
  27. Piacentini, Jornalista Desiderio Peron con traduzione di Claudio (23 de outubro de 2018). «Taddone revela genealogia de Bolsonaro: 13 dos 16 trisavôs do candidato são italianos da Toscana, do Vêneto e da Calábria - Insieme». Consultado em 5 de julho de 2024 
  28. «Arquivos ascendência italiana». Benini & Donato Cidadania Italiana. Consultado em 5 de julho de 2024 
  29. «Arquivos ascendência italiana». Benini & Donato Cidadania Italiana. Consultado em 5 de julho de 2024 
  30. «Tudo sobre São Paulo SP». EncontraSP. Consultado em 25 de março de 2016. Arquivado do original em 23 de março de 2016 
  31. «2024 é ponto de virada na relação Itália-Brasil, diz embaixador». UOL. 25 de novembro de 2023. Consultado em 7 de janeiro de 2024 
  32. ALVES MARQUES, Francisco Cláudio. A língua(gem) dos (des)enraizados. [S.l.: s.n.] p. 74 
  33. MACHADO, Alcântara. Brás, Bexiga e Barra Funda (PDF). [S.l.: s.n.] p. 4 
  34. NUNES, Adriana Zanela. Alcântara Machado: um escritor apaixonado pelos ítalo-brasileiros. [S.l.: s.n.] p. 7