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A INCOSTITUCIONALIDADE DA PRISÃO CIVIL DO DEPOSITÁRIO INFIEL

Edson José Da Cruz Professora: Malu Nunes Militão Unifoz – Faculdades Unificadas de Foz do Iguaçu Curso de Direito - Artigo Científico - Monografia I

RESUMO

O presente artigo discorre acerca da análise a respeito da inconstitucionalidade da prisão civil do depositário infiel, em especial ao valor atribuído aos direitos fundamentais da pessoa humana, tal qual previsto na Constituição da República e no Pacto de San José da Costa Rica. Traça um breve relato histórico e conceitual e permite compreender a atual posição da doutrina e da jurisprudência nacional a respeito da aplicabilidade do instituto.

PALAVRAS-CHAVE: Contrato de depósito; Depositário infiel; Prisão; Direitos fundamentais da pessoa humana; Posição da Doutrina e jurisprudência.

1. INTRODUÇÃO

A intenção deste singelo artigo é a de desenvolver uma análise crítica a respeito da razoabilidade da prisão civil do depositário infiel. Se for verdadeiro que a Constituição da República de 1988 estabelece a possibilidade do mencionado cárcere, por outro lado mostra-se retratado no texto constitucional, da leitura e interpretação de todos os seus dispositivos, a intenção do constituinte originário de atribuir relevo e prevalência aos direitos humanos. Assim, diante do respeito aos direitos e garantias fundamentais e à relevância dos direitos humanos, sobrevém nítida presença de antinomia entre princípios na Constituição Federal, o que demanda manter equilibrado de forma que prevaleça o que mais se ajuste à proteção dos direitos humanos. Com a assinatura da Declaração Universal dos Direitos Humanos pós II Guerra Mundial sobrevém um novo momento histórico, uma nova era caracterizada pela união dos Estados em firmar documentos comuns de reestruturação dos direitos humanos, vinculando os Estados que assinam tratados contendo normas internacionais de proteção aos direitos fundamentais dos cidadãos na busca da obtenção da dignidade de cada um, independentemente, entre outros, de raça, cor, sexo, religião. Com a promulgação da Constituição Federal em 1988, várias transformações se fizeram sentir, entre elas a meta de alçar em relevo a dignidade da pessoa humana, o que levou o Brasil a ratificar tratados internacionais com objetivo de posicionar o cidadão em patamar de relevo sobre todo o restante das coisas. Com base nesta realidade, emerge a necessidade de indagar a respeito da razoabilidade de alguém ser aprisionado pela razão de não estar em situação de executar uma obrigação contratual, quando a então vigente Constituição, denominada Constituição Cidadã, estabeleça essa possibilidade, enquanto que denominado Pacto de San José da Costa Rica estipula que ninguém será detido por dívidas, com exceção do inadimplente de obrigação alimentar.

2. ORIGEM HISTÓRICA DO DEPÓSITO

Os gregos possuíam o hábito de realizar depósitos em templos porque acreditavam estar entregando os bens à guarda dos deuses. Além do extremo apego à religião e à moral, a lei da época não conferia coerção na medida àqueles que se negavam a restituir o bem que haviam recebido apenas em depósito. Assim, o depósito muito usado pelos gregos, que denominavam tanto o contrato quanto a próprio bem, de parakatatheke, e o consideravam como protegido pelos deuses, como algo sagrado. Mas este apelo à moral e também à religião era decorrente da imprevidência da lei então existente, pois, a lei civil grega somente cominava uma ação privada tendente à restituição do depósito, não implicando maiores privações àqueles que se apropriavam do bem que lhes fora confiado. No Brasil, durante o período colonial, o depósito foi regimentado pelas Ordenações Filipinas, outorgadas pelo Rei de Portugal Filipe II, que continuou vigente em nosso país também após a proclamação da independência em 1822, permanecendo até que fosse elaborado o Código Civil, sempre baseado na justiça e na equidade. No entanto, este objetivo de justiça apenas foi alcançado com a aprovação do projeto Beviláqua em janeiro de 1916, convertendo-se na Lei nº 3.071, que entrou em vigor em 1º de janeiro de 1917. Atualmente, o depósito é regulamentado pela Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, o “Novo Código Civil” , nos artigos 627 e seguintes, estabelecendo os dispositivos, as circunstâncias em que ocorre o depósito de bens móveis, ou por contrato voluntário, ou por obrigação legal. O artigo 1.363 dita a equiparação do devedor na alienação fiduciária ao depositário e, por fim, o artigo 1.435, inciso I, confere esta equiparação à função do credor pignoratício.

3. CONCEITO

Na seara do direito processual, existem normas estabelecidas no Código de Processo Civil - Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 . O artigo 139, dita que entre as espécies de auxiliares da justiça encontra-se a figura do depositário, o qual desempenhará a sua função em decorrência de uma obrigação legal imposta pela norma de forma expressa, ou por meio de uma determinação judicial quando da aplicação do direito. Exemplo do último caso é a situação da nomeação de depositário para bens sequestrados, como no artigo 824, do Código de Processo Civil . Assim, diante das peculiaridades do instituto, surge a classificação que segundo Clóvis Beviláqua: O depósito pode ser voluntario ou necessário. O voluntario é o que resulta da convenção entre as partes, e é um contracto real; pois não se considera perfeito sem a tradição do objecto depositado. E necessário: 1º, quando tem lugar por hospedagem em hotéis e estabelecimentos semelhantes; 2º, por ocasião de uma calamidade publica, tal como um incêndio, um desabamento, uma pilhagem, um naufrágio ou outra circunstancia análoga. Esta ultima espécie toma o nome particular de deposito miserável. (sic)

Por sua vez, Clóvis Beviláqua, em uma de suas obras, serviu-se da definição dada por Teixeira de Freitas para conceituar o instituto: “depósito é o contracto pelo qual uma pessoa recebe um objecto móvel alheio, com a obrigação de guardá-lo e restituí-lo em seguida” (sic). O autor referido ainda menciona que geralmente este contrato de depósito é gratuito, entretanto, nada impede que o depositário estipule um valor a ser pago por seus serviços .

3.1. CONFIGURAÇÃO DO INSTITUTO

O depósito, definido como ato jurídico no qual uma pessoa toma aos seus cuidados bem móvel ou imóvel, incumbido da guarda e conservação do bem depositada, com a diligência que teria como se o bem fosse seu, bem como a restituí-la com todos os frutos e acrescidos quando o exigir o depositante, pode decorrer da comunhão de vontades das partes, ou de obrigação imposta pela lei, esta última podendo ser entendida inclusive, como aquela decorrente de determinação judicial . Washington de Barros Monteiro conceitua brevemente esta classificação, expondo que: “esse depósito de direito adjetivo, pode ser voluntário ou judicial: voluntário, acontece quando os litigantes, de comum acordo, confiam a terceiro objeto sobre que litigam; enquanto que o judicial: vem emanado por decisão do juiz”.

3.2. DIREITOS E DEVERES DO DEPOSITÁRIO

O indivíduo, ao ser incumbido do depósito, assume um conjunto de atribuições que podem ser divididas em direitos e obrigações. Como direitos, necessita ser observada a hipótese do artigo 633, do Código de Processo Civil. O depositário também pode restituir o bem ou a coisa a qualquer tempo, contanto que haja motivo que justifique a devolução, como nos casos de incapacidade superveniente, como prevê o artigo 641, do Código Civil . Ainda, existe o direito de o depositário ser indenizado das despesas realizadas com a guarda e conservação do bem, assim como de eventuais danos que tiver suportado em decorrência da posse, cabendo-lhe, finalmente, os direitos de retenção e de compensação com a finalidade específica de recompor o crédito oriundo das despesas realizadas com a guarda do bem móvel ou imóvel. A principal obrigação atribuída ao depositário é o dever de guarda, cuidar como se o bem lhe pertencesse. Em seguida, advém o dever de restituir o bem com os frutos e acrescidos quando for exigido pelo depositante, nos termos do artigo 629, do Código Civil , sob pena de incidir em mora, acarreando-lhe a responsabilidade pelos danos que venham ocorrer, nos termos do artigo 399, do Código Civil.

4. A POLÊMICA SOBRE A CONSTITUCIONALIDADE DA PRISÃO CIVIL DO DEPOSITÁRIO INFIEL

A prisão civil do depositário infiel causa grande celeuma entre os juristas pátrios, havendo inúmeras divergências relacionadas ao assunto. Zulmar Fachin leciona sobre a matéria, enfatizando que: O Direito brasileiro não admite como regra, a prisão por dívida. Assim como outros sistemas que alcançaram certo estágio de desenvolvimento, reserva a pena privativa de liberdade para restritas hipóteses previstas na lei penal. Em outras palavras, a pena privativa da liberdade deve ser reservada para quem, comprovadamente, praticou crime. Há, porém, duas exceções: a prisão do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel.

O autor posiciona-se no sentido de que a prisão do depositário infiel seria justificada, assim como a do devedor da inescusável obrigação alimentícia, pois aquele teria sido constituído em virtude da confiança nele depositada e, por conta disso, estaria sujeito à prisão civil no caso de inadimplemento do dever de restituir o bem quando desejado pelo depositante . O debate envolvendo a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 reside na expressão contida em seu artigo 5º, inciso LXVII, que autoriza excepcionalmente a prisão civil “do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel”. Esta expressão, embora contida no Título I da Carta Política na parte em que trata dos “Direitos e Garantias Fundamentais”, Título esse inserto no Capítulo I que trata dos “Direitos e Deveres Individuais e Coletivos”, de forma clara e sem margem de dúvidas entra em conflito com os demais princípios basilares da própria República Federativa do Brasil, como o da proteção absoluta da dignidade da pessoa humana, assim como, com o Direito Internacional no que concerne à proteção aos direitos da pessoa humana. Entre os princípios que a Constituição Federal de 1988 elenca, está o posicionado no artigo 1º, incisos II e III, expondo como fundamentos da República Federativa do Brasil a cidadania e a dignidade da pessoa humana , reputando-lhes grande expressão jurídica dentre os valores e objetivos da República Federativa e, principalmente, merecedores de sua proteção como o Estado Democrático de Direito. Menciona-se também o artigo 4º, inciso II, da Constituição da República, que impõe a regra de que o Brasil, em suas relações internacionais, deverá ser regido pelo Princípio da Prevalência dos Direitos Humanos . Assim, o foco principal de sua atuação internacional é a busca da defesa dos direitos humanos, sendo que para atingir este objetivo deve firmar tratados internacionais, dando-lhes aplicabilidade interna. Ademais, não há como esquecer o fato de que, recentemente, a Carta Magna diferenciou os tratados de direitos humanos daqueles tratados tradicionais, atribuindo-lhes aplicabilidade imediata e introduzindo-os ao ordenamento jurídico pátrio como normas de posição hierárquica privilegiada, equivalente aos dispositivos constitucionais. Com a edição Emenda Constitucional nº 45 em 08 de dezembro de 2004, portanto, o §3º do artigo 5º da Constituição da República agora determina que sejam incorporados à Constituição como emendas caso aprovados por 3/5 do Congresso Nacional em dois turnos de votação. Assim, os tratados de direitos humanos passam a ser hierarquicamente superiores em relação aos demais tratados, pois formam um universo de princípios não convencionais imperativos, nominados de jus cogens, que não podem ser derrogados por tratados internacionais, por deterem superioridade hierárquica anterior a todo o direito positivo. Disto decorre que a transgressão de tais tratados constitui não só em responsabilidade internacional do Estado, mas também na transgressão da própria Constituição que os erigiu à categoria de normas constitucionais.

5. A PRISÃO CIVIL DO DEPOSITÁRIO INFIEL

A prisão civil é considerada pela doutrina como um meio para forçar o devedor a cumprir com o seu compromisso. Assim, representa um instrumento coercivo, gerando constrangimento ou constrição, de cunho exclusivamente econômico, uma vez que visa, tão somente, forçar o indivíduo à devolução do bem ou no pagamento do seu equivalente. A prisão civil do depositário infiel, quando decorrente do descumprimento de obrigação oriunda de contrato de depósito, será devida quando, reclamado o bem pelo depositante, houver resistência, empecilho do depositário em restituir o bem. A ação pertinente para a obtenção da restituição do bem será a denominado “ação de depósito”, procedimento especial regulado pelos artigos 901 a 906 do Código de Processo Civil , objetivando a restituição do bem confiado à guarda e injustificadamente apoderado pelo depositário. Para possibilitar a prisão civil do depositário infiel, deverá conter expressamente entre os pedidos, o de cominação da pena de prisão até 01 (um) ano, pois somente por requerimento da parte autora, o magistrado, como sujeito imparcial e inerte da relação processual, poderá decretá-la na forma prevista no artigo 904, parágrafo único. Uma vez autorizada a prisão, porém, se o bem for encontrado por meio de diligências de busca e apreensão, procedimento cautelar específico expresso nos artigos 839 e seguintes do Código de Processo Civil , ou se for devolvida pelo depositário, deverá ser imediatamente expedida ordem para fazer cessar a prisão.

5.1. TRATADOS INTERNACIONAIS

Os tratados internacionais são a principal e a mais concreta fonte do Direito Internacional Público. Trazem consigo a especial força normativa de regularem matérias das mais variadas e mais importantes, por tratarem dos direitos das gentes, tornando-os representativos e autênticos, tendo em vista que são frutos da vontade livre e conjugada dos Estados e das Organizações Internacionais. O termo tratado é genérico, abrangendo tanto os Tratados propriamente ditos, assim como os Pactos, as Cartas, as Convenções e os demais acordos internacionais.

5.2. O PACTO DE SAN JOSÉ DA COSTA RICA

Adotado no âmbito da Organização dos Estados Americanos, em San José da Costa Rica, em 22 de novembro de 1969, entrou em vigor internacionalmente em 18 de julho de 1978 quando atingiu o quorum de 11 (onze) países, na forma do segundo parágrafo de seu artigo 74. O governo brasileiro depositou a Carta de Adesão a essa Convenção em 25 de setembro de 1992. O Pacto mencionado é mais um documento que veio tutelar os direitos humanos, e que tomados pelas bases de sua existencialidade primária, são assim os aferidores da legitimação de muitos, senão, todos os poderes políticos, sociais e individuais. Onde quer que eles padeçam, a Sociedade se acha enferma. Uma alteração desses direitos acaba sendo também uma crise do poder em toda sociedade democraticamente organizada. Portanto, além do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, ocorreu em San José da Costa Rica, em 22 de novembro de 1969, a Convenção Americana de Direitos Humanos, onde o Pacto foi assinado, recebendo o nome da mencionada capital. Reunidos nesta conferência, os Estados signatários, fundados no respeito dos direitos humanos essenciais, reafirmaram o propósito de materializar na América um regime de justiça social reafirmando a liberdade pessoal, amparados no quadro das instituições democráticas. Lembre-se que esse tratado internacional de direitos humanos fundamentais foi ratificado pelo Brasil em 25 de setembro de 1992 e, sendo assim, conforme estabelecido pelo artigo 5º, §§ 1º e 2º, da Constituição da República, está incorporado ao ordenamento jurídico interno do Estado com hierarquia de norma constitucional, uma vez que os direitos e garantias fundamentais discriminados pela Constituição não excluem outros estabelecidos em tratados internacionais de que a República Federativa do Brasil seja parte. Eis o segundo e mais relevante argumento internacional contrário à cominação de prisão àquele que descumpre o dever de devolução do bem, ou seja, do depositário infiel.

6. A CONSTITUIÇÃO FEDERAL E AS DISPOSIÇÕES DE DIREITOS HUMANOS DOS TRATADOS INTERNACIONAIS

O relacionamento entre o direito pátrio e as normas de natureza supranacional é tema polêmico presente na doutrina e jurisprudência brasileira, diante do impacto ou consequências jurídicas causadas pela incorporação de normas internacionais de direitos humanos no sistema jurídico brasileiro. Existem correntes doutrinárias que atuam no sentido da integral proteção dos direitos humanos em decorrência da total supremacia que lhe é inerente (monista), enquanto há aquelas que defendem a sua autonomia em relação ao direito interno do Estado, respeitando sua respectiva soberania (dualista), ou, sua relativa aplicabilidade em face do direito doméstico do Estado (mista). Ocorre que a Constituição Federal de 1988, ao permitir que lei ordinária dispusesse a respeito da prisão civil do depositário infiel, fez surgir uma lacuna para sua introdução no ordenamento jurídico. A Constituição da República, ao ressaltar a respeito da observância dos direitos fundamentais e da prevalência dos direitos humanos, atribuiu aplicabilidade imediata a estes institutos, conforme dispõe o §1º do artigo 5º. Como mencionado neste trabalho, muitas dúvidas permaneceram, principalmente no que concerne à eficiência jurídica interna dos tratados internacionais de direitos humanos em que o Brasil já era signatário, pois ainda que aprovados de acordo com as formalidades estabelecidas pelos artigos 84, VIII e 49, I, da Constituição Federal, a discussão permanece sobre a indagação no sentido de que seriam eles equiparados às normas constitucionais ou se seriam considerados equivalentes às leis ordinárias por falta de dispositivos prevendo esta fase de transição. André Lipp Pindo Basto já se posicionou sobre o assunto, afirmando que o Brasil passou a adotar o sistema de hierarquia móvel ratione materiae, tendo em vista que os tratados de direitos humanos serão introduzidos com o status de norma constitucional, os tratados de direito tributário possuirão posição de lei complementar e os demais tratados tradicionais, com o status de lei ordinária.

6.1. TRATADOS INTERNACIONAIS SOBRE DIREITOS HUMANOS

Os tratados internacionais, que sobre direitos humanos são considerados normas de natureza supranacional, pois constituem princípios e regras jurídicas lastreadas no justo. Além disso, possuem conteúdo universal, na medida em que surtem grande influência na ordem de atuação mundial, porquanto os princípios e regras neles discriminados disciplinam e regem a atuação da comunidade internacional. Isso porque forma todo um universo de princípios não convencionais imperativos, chamados de jus cogens, que não podem ser derrogados por tratados internacionais, por deterem uma força obrigatória anterior a todo o direito objetivo, de forma que, somente nova norma de direito internacional geral em oposição com esta norma poderá torná-los nulos e acarretar a sua ineficácia. Esta observância ocorre devido ao sistema de controle de condutas recíprocas da sociedade internacional em execução fiel à fórmula pacta sunt servanda, que se assenta sobre o fundamento jurídico determinado no artigo 26 da Convenção de Viena em que “a obrigação de respeitá-los repousa na consciência e nos sentimentos de justiça internacionais”. Por isso, levando em conta a necessária relevância conferida aos direitos humanos, não restam dúvidas de que as estipulações constantes em tratados internacionais relativos a esses direitos devem ser observadas pelos Estados. E, como característica imprescindível a ser compensada em favor dos direitos humanos, há a concepção de sua progressividade, ou seja, esses direitos não podem ser abolidos por outras normas, salvo se de forma ampliativa e benéfica o for, evitando-se assim um estado de exceção e um retrocesso na proteção dos direitos e garantias fundamentais.

7. A POSIÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

O Supremo Tribunal Federal adota os critérios da lex posterior derrogat priori e o da lex posterior generalis non derrogat legi priori speciali, quando algumas leis internas infraconstitucionais possuem prevalência sobre os tratados internacionais, por serem estes considerados também regras infraconstitucionais gerais que por conta disso não revogam normas infraconstitucionais especiais anteriores. O posicionamento era o mesmo adotado, até pouco tempo, também nos julgamentos que envolviam tratados referentes aos direitos humanos fundamentais, valendo transcrever o voto do Ministro Celso Mello proferido no julgamento do Habeas Corpus 72.131/RJ, revelando o entendimento de que:

(...) inexiste, na perspectiva do modelo constitucional vigente no Brasil, qualquer precedência ou primazia hierárquico-normativa dos tratados ou convenções internacionais sobre o direito positivo interno, sobretudo em face das cláusulas inscritas no texto da Constituição da República, eis que a ordem normativa externa não se superpõe, em hipótese alguma, ao que prescreve a Lei Fundamental da República. (...) a ordem constitucional vigente no Brasil não pode sofrer interpretação que conduza ao reconhecimento de que o Estado brasileiro, mediante convenção internacional, ter-se-ia interditado a possibilidade de exercer, no plano interno, a competência institucional que lhe foi outorgada expressamente pela própria Constituição da República. A circunstância de o Brasil haver aderido ao Pacto de São José da Costa Rica – cuja posição, no plano de hierarquia das fontes jurídicas, situa-se no mesmo nível de eficácia e autoridade das leis ordinárias internas – não impede que o Congresso Nacional, em tema de prisão civil por dívida, aprove legislação comum instituidora desse meio excepcional de coerção processual (...). Os tratados internacionais não podem transgredir a normatividade emergente da Constituição, pois, além de não disporem de autoridade para transgredir a eficácia jurídicas das cláusulas internacionais, não possuem força para conter ou para delimitar a esfera de abrangência normativa dos preceitos inscritos no texto da Lei Fundamental. (...) não cabe atribuir, por efeito do que prescreve o artigo 5º, parágrafo 2º, da Carta Política, um inexistente grau hierárquico das convenções internacionais sobre o direito positivo interno vigente no Brasil, especialmente sobre as prescrições fundadas em texto constitucional, sob pena de essa interpretação inviabilizar, com manifesta ofensa à supremacia da Constituição – que expressamente autoriza a instituição da prisão civil por dívida em duas hipóteses extraordinárias (CF, artigo 5º, LXVII) – o próprio exercício, pelo Congresso Nacional, de sua típica atividade político-jurídica consistente no desempenho da função de legislar. (...).

No entanto, a partir do julgamento do Habeas Corpus 96640/SP, ocorrido na data recente de 31 de março deste ano, a Suprema Corte Brasileira caminha para o entendimento de que não se mostra mais cabível a prisão do depositário infiel, pois conquanto o Pacto de San José da Costa Rica esteja abaixo das disposições constitucionais, possui hierarquia superior às leis ordinárias. Nesse sentido segue a transcrição da ementa do referido julgamento:

DIREITO PROCESSUAL. HABEAS CORPUS. PRISÃO CIVIL DO DEPOSITÁRIO INFIEL. PACTO DE SÃO JOSÉ DA COSTA RICA. ALTERAÇÃO DE ORIENTAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO STF. CONCESSÃO DA ORDEM. 1. A matéria em julgamento neste habeas corpus envolve a temática da (in) admissibilidade da prisão civil do depositário infiel no ordenamento jurídico brasileiro no período posterior ao ingresso do Pacto de São José da Costa Rica no direito nacional. 2. Há o caráter especial do Pacto Internacional dos Direitos Civis Políticos (art. 11) e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos - Pacto de San José da Costa Rica (art. 7°, 7), ratificados, sem reserva, pelo Brasil, no ano de 1992. A esses diplomas internacionais sobre direitos humanos é reservado o lugar específico no ordenamento jurídico, estando abaixo da Constituição, porém acima da legislação interna. O status normativo supra legal dos tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil, torna inaplicável a legislação infraconstitucional com ele conflitante, seja ela anterior ou posterior ao ato de ratificação. 3. Na atualidade a única hipótese de prisão civil, no Direito brasileiro, é a do devedor de alimentos. O art. 5°, §2°, da Carta Magna, expressamente estabeleceu que os direitos e garantias expressos no caput do mesmo dispositivo não excluem outros decorrentes do regime dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. O Pacto de São José da Costa Rica, entendido como um tratado internacional em matéria de direitos humanos, expressamente, só admite, no seu bojo, a possibilidade de prisão civil do devedor de alimentos e, conseqüentemente, não admite mais a possibilidade de prisão civil do depositário infiel. 4. Habeas corpus concedido.

A decisão supra transcrita inaugura a postura tão esperada do Supremo Tribunal Federal no sentido de conferir posição de destaque aos direitos humanos. Embora não se trate de decisão proferida em sede de controle de constitucionalidade, destituída, portanto, de feito vinculante e erga omnes, pondere-se que a decisão foi proferida pelo último intérprete e guardião maior da Constituição Federal, merecendo, por conseqüência, ser acatada e obedecida pelos demais órgãos do Poder Judiciário, a fim de não gerar a tão indesejada insegurança jurídica.

8. CONCLUSÃO

O contemporâneo panorama jurídico brasileiro atribui aos tratados internacionais de direitos humanos já firmados pelo Brasil a eficácia plena adequada aos direitos transcendentais do cidadão universal. Surge a possibilidade de atribuir-se eficácia imediata e plena das normas de direito internacional, relativas a direitos humanos. Nas palavras proferidas pelo Ministro Gilmar Mendes, em voto-vista ao analisar o Recurso Extraordinário nº 466.343-SP, é evidente “o caráter especial dos tratados de direitos humanos em relação aos demais tratados de reciprocidade entre os Estados pactuantes, outorgando-lhes lugar privilegiado no sistema jurídico”. Além do mais, não tem mais lugar a prisão civil do depositário infiel no Brasil, mesmo no caso de depósito típico, pois a Suprema Corte, no julgamento do Habeas Corpus HC 95967 / MS, de Relatoria da Ministra Ellen Gracie, atribuiu o caráter de superioridade hierárquica das normas de tratados internacionais de direitos humanos, colocando-os, decididamente, embora sob o texto constitucional, posicionados acima das leis ordinárias, o que derroga as disposições do Código de Processo Civil que regulam o procedimento da ação de depósito. Assim, os direitos humanos, sob sua concepção geral, lastreado nos pactos internacionais e nos direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição da República Federativa do Brasil, tornam inconstitucional a prisão civil incidente sobre o depositário infiel. Não se pode admitir a restrição da liberdade de um cidadão em decorrência de dívidas, pois isto contraria a razão de existir do ser humano, que possui o direito de vislumbrar um futuro sob os ideais da igualdade, fraternidade e liberdade.

9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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