Alegações de abuso sexual infantil na Ilha de Marajó

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Visão aérea da Ilha de Marajó (maior massa de terra no canto inferior direito da imagem), situada entre o Rio Amazonas no seu noroeste e a Baía do Marajó em seu sudeste

Alegações de abuso sexual infantil na Ilha de Marajó têm sido feitas desde 2006, quando o bispo dom José Luís Azcona denunciou casos de exploração sexual na região.[1][2][3] Na mesma década, duas comissões parlamentas de inquérito da Assembleia Legislativa do Pará (que durou de 2005 até 2009) e do Senado Federal (de 2008 até 2010) investigaram denúncias de abuso sexual na área.[4][5][6][7]

Segundo o bispo, adolescentes brasileiras eram prostituídas em balsas do rio Tajapuru em troca de carne e óleo diesel. Ele também alegou que mulheres homossexuais aliciavam adolescentes e mulheres adultas à prostituição na área,[8][9] e que mães levavam suas filhas à prostituição nas balsas do local.[10] Duas reportagens da Folha e do Fantástico concorreram com as acusações de prostituição infantil na região.[11][12]

Apesar de existir consenso entre as autoridades sobre a presença de abusos sexuais na região, denúncias genuínas de abuso sexual na Ilha de Marajó têm se misturado com notícias falsas distribuídas por políticos e influenciadores bolsonaristas, como a ex-ministra Damares Alves, e vídeos distorcidos sobre a ilha foram rotulados como falsos ou descontextualizados por agências de checagem de notícias.[13]

História[editar | editar código-fonte]

Denúncias do bispo José Luís Azcona (2006-2015)[editar | editar código-fonte]

Área ribeirinha da Ilha de Marajó

O bispo paraense José Luís Azcona começou a denunciar casos de abuso infantil na Ilha de Marajó em 2006.[1][2] Em 2009, ele denunciou, em suas palavras, "um imobilismo criminoso" por parte das autoridades brasileiras em frente aos casos de exploração sexual infantil na Ilha de Marajó. Uma reportagem da Folha no mesmo ano mostrou meninas se prostituíndo, segundo o jornal, "pelo preço de um cachorro-quente".[11] O Fantástico também realizou uma reportagem na ilha no mesmo ano, denunciando casos de exploração sexual nos rios da região.[12]

De acordo com o bispo, meninas de 12 a 16 anos, chamadas de "balseiras", faziam sexo em balsas no Rio Tajapuru em troca de carne e diesel. O bispo também disse que mulheres homossexuais aliciavam adolescentes e mulheres adultas na área,[14][15] e que mães levavam suas filhas à prostituição nas balsas do local.[12]

Senador Magno Malta durante a CPI do Senado, em 2010, na qual o termo "pedofilia" foi usada como sinônimo de abuso sexual infantil, contra o consenso da psiquiatria[16]

Após a CPI da Pedofilia da Assembléia Legislativa do Pará, que terminou em 2009, o bispo disse que os casos de exploração sexual ainda não haviam cessado.[14][4] Outra CPI, instaurada em 2008 no Senado Federal, fora aberta para investigar o caso.[3][7] Após realizar suas denúncias, o bispo disse, em 2015, que foi ameaçado de morte.[17]

Alegações de Damares Alves (2020-2022)[editar | editar código-fonte]

Em 2020, a ministra Damares Alves alegou em um culto em Goiânia a presença de tráfico sexual de crianças na Ilha de Marajó. Após o Ministério Público Federal pedir provas à senadora, ela disse que suas denúncias se baseavam em relatos e não em provas. O Ministério acusou, então, a senadora de propagar fake news e exigiu uma retratação pública e uma indenização de cinco milhões de reais à Ilha.[3] Damares também iniciou, naquele ano, o programa Abrace Marajó, que visava combater a prostituição infantil no local.[1][18]

Em 2022, a então ex-ministra e senadora alegou em um culto religioso ter imagens de crianças brasileiras da Ilha de Marajó com "seus dentinhos são arrancados para elas não morderem no sexo oral", que "comem comida pastosa para o intestino ficar livre para a hora do sexo anal". Em seguida, três senadores petistas protocolaram uma ação no Ministério Público Federal para investigar a omissão da senadora frente os crimes supostamente documentados.[19] O Ministério Público Federal apurou o caso e não encontrou nenhuma prova das alegações da senadora.[20]

Em um pronunciamento, o ex-deputado federal Arnaldo Jordy, que havia participado da CPI do Pará e presidido outra CPI sobre o tráfico de pessoas na Câmara dos Deputados, disse que nenhum crime relacionado a crianças tendo seus dentes removidos ou tendo sua dieta alterada para fins sexuais foi registrado. "O que ela alegou nós nunca ouvimos falar. Não precisamos da Damares espetacularizando uma situação que já é monstruosa," o político disse.[4][21]

Após a música Evangelho de Fariseus (2024)[editar | editar código-fonte]

Em fevereiro de 2024, a cantora Aymeê estreou a música Evangelho de Fariseus durante o reality show brasileiro Dom Reality. A música, que denunciava abusos sexuais na ilha, foi promovida nas redes sociais por diversos famosos, incluindo a Rafa Kalimann, Juliette e o ex-BBB Eliezer. Durante a apresentação, a cantora disse que a ilha tinha "pedofilia em nível hard" e que "criancinhas de 6 e 7 anos saem numa canoa e se prostituem no barco por cinco reais".[22][23]

A cantora também disse que havia tráfico de órgãos na região, crime que o Ministério Público Federal e as promotorias do estado do Pará disseram que nunca foi registrado no arquipélago.[24] Após a música ser publicada, o advogado-geral da união Jorge Messias acionou a Procuradoria Nacional da União de Defesa da Democracia para atuar contra redes de desinformação sobre a Ilha de Marajó.[22]

Em março, o ex-deputado estadual Arthur do Val publicou o vídeo entitulado "Fui a Marajó e fiquei chocado com o que vi".[25] O vídeo mostrava o youtuber marcando um encontro com duas adolescentes e um suspeito para produzir um flagrante. A legalidade da investigação do ex-deputado foi questionada pelo Ministério dos Direitos Humanos, que denunciou o vídeo ao Ministério Público de Pará. Ao ser questionada, a Polícia Civil do Pará negou ter coordenado qualquer operação conjunta com o youtuber.[26]

Desinformação[editar | editar código-fonte]

Vídeos gravados fora da Ilha de Marajó[editar | editar código-fonte]

Em 2024, um vídeo veiculado na internet alegava mostrar crianças sendo salvas do tráfico sexual da Ilha de Marajó. O vídeo, na verdade, foi filmado no Uzbequistão.[20] Outro vídeo, gravado originalmente no Mato Grosso do Sul, alegava falsamente mostrar um homem beijando uma criança na Ilha.[13]

Assassinato de Maricélia Leal[editar | editar código-fonte]

Um vídeo propagando em redes sociais alegava que Maricélia Pereira Leal, que foi assassinada em 2023, havia denunciado casos de abusos sexuais em Marajó antes de ser morta. Na verdade, ela tinha denunciado que foi ameaçada de morte por um homem que a havia assaltado. O assassino e o mandante do crime foram, então, presos pela polícia.[27] Em nenhum momento a vítima, que estava no estado de Amazonas, havia mencionado a Ilha de Marajó, Pará, durante o vídeo no qual denunciava os crimes dos traficantes amazonenses.[28]

Cancelamento do programa Abrace o Marajó[editar | editar código-fonte]

Adicionalmente, foi considerada descontextualizada a notícia de que o Governo Lula teria cancelado o programa Abrace o Marajó, de autoria de Damares Alves, posto que o mesmo fundou outro projeto chamado Cidadania Marajó quatro meses antes da revogação. Assim como o projeto de Damares, o Cidadania Marajó também visa combater a exploração sexual infantil na região.[29]

Referências

  1. a b c «Bolsonaristas usam vídeo falso para denunciar exploração sexual infantil na Ilha do Marajó». O Globo. 23 de fevereiro de 2024. Consultado em 26 de março de 2024 
  2. a b «'Crimes sexuais existem, mas não estamos nos piores rankings', diz promotora no Marajó». Folha de S.Paulo. 28 de fevereiro de 2024. Consultado em 26 de março de 2024 
  3. a b c Guedes, Marcos. «Rede de exploração infantil em Ilha de Marajó já foi tema de CPI no Senado». CNN Brasil. Consultado em 25 de março de 2024 
  4. a b c Folhapress (13 de outubro de 2022). «CPI investigou 100 mil casos de crimes sexuais contra crianças e não achou nenhum como o descrito por Damares». O Popular. Consultado em 26 de março de 2024 
  5. Notícias, Terra Brasil (27 de fevereiro de 2024). «Deputados do Pará entram com pedido de CPI sobre crimes contra crianças no Marajó». Terra Brasil Notícias. Consultado em 26 de março de 2024 
  6. Guedes, Marcos. «Rede de exploração infantil em Ilha de Marajó já foi tema de CPI no Senado». CNN Brasil. Consultado em 25 de março de 2024 
  7. a b «Deputados articulam abertura de CPI para investigar exploração sexual infantil na ilha do Marajó». R7.com. 24 de fevereiro de 2024. Consultado em 26 de março de 2024 
  8. «Bispo denuncia tráfico de humanos e pedofilia na Ilha do Marajó, no Pará». Extra Online. 15 de março de 2010. Consultado em 25 de março de 2024 
  9. «Bispo denuncia tráfico de humanos e pedofilia na Ilha do Marajó, no Pará». O Globo. 15 de março de 2010. Consultado em 25 de março de 2024 
  10. «Bispo denuncia exploração sexual de menores na Ilha do Marajó (PA)». Jornal Nacional. 18 de agosto de 2015. Consultado em 26 de março de 2024 
  11. a b «Folha de S.Paulo - Pará: Bispo critica ação de governos contra exploração infantil - 23/06/2009». www1.folha.uol.com.br. Consultado em 25 de março de 2024 
  12. a b c «Bispo denuncia exploração sexual de menores na Ilha do Marajó (PA)». Jornal Nacional. 18 de agosto de 2015. Consultado em 26 de março de 2024 
  13. a b «Fake news e exploração infantil: o que dizem autoridades sobre caso Marajó». UOL. 27 de fevereiro de 2024. Consultado em 26 de março de 2024 
  14. a b «Bispo denuncia tráfico de humanos e pedofilia na Ilha do Marajó, no Pará». Extra Online. 15 de março de 2010. Consultado em 25 de março de 2024 
  15. «Bispo denuncia tráfico de humanos e pedofilia na Ilha do Marajó, no Pará». O Globo. 15 de março de 2010. Consultado em 25 de março de 2024 
  16. Lowenkron, Laura (dezembro de 2013). «O monstro contemporâneo: notas sobre a construção da pedofilia como "causa política" e "caso de polícia"». Cadernos Pagu (41): 303–337. ISSN 0104-8333. doi:10.1590/S0104-83332013000200016. Consultado em 26 de março de 2024 
  17. PA, Do G1 (18 de agosto de 2015). «Crianças são vítimas de exploração sexual na Ilha do Marajó, no Pará». Pará. Consultado em 25 de março de 2024 
  18. «Marajó: gestão Damares gastou R$ 1,6 milhão em exposição em Dubai | Metrópoles». www.metropoles.com. 10 de março de 2024. Consultado em 26 de março de 2024 
  19. «PT pede à PGR que denuncie Damares por vídeo sobre abuso sexual de crianças». noticias.uol.com.br. Consultado em 25 de março de 2024 
  20. a b «Vídeo de carro cheio de crianças foi gravado no Uzbequistão, e não na Ilha do Marajó». Estadão. Consultado em 26 de março de 2024 
  21. «CPI investigou 100 mil casos de crimes sexuais contra crianças e não achou nenhum como o descrito por Damares». Folha de S.Paulo. 13 de outubro de 2022. Consultado em 26 de março de 2024 
  22. a b Dias, Ana Beatriz. «Cantora alerta para exploração sexual infantil em reality e famosos repercutem». CNN Brasil. Consultado em 25 de março de 2024 
  23. «Canção denuncia exploração sexual de crianças em Marajó, e famosos iniciam campanha». O Globo. 22 de fevereiro de 2024. Consultado em 25 de março de 2024 
  24. «O que é fato sobre as denúncias de abuso infantil na Ilha de Marajó | Aos Fatos». aosfatos.org. Consultado em 26 de março de 2024 
  25. Marajó, Arthur do Val é denunciado por expor meninas em fake news na Ilha de. «Arthur do Val é denunciado por expor meninas em fake news na Ilha de Marajó». Jornal Extra de Alagoas. Consultado em 26 de março de 2024 
  26. «Governo pede ao MP que investigue se polícia fez operação ilegal contra exploração sexual infantil com Arthur do Val na Ilha do Marajó». G1. 12 de março de 2024. Consultado em 26 de março de 2024 
  27. «Mulher morta no Amazonas não havia denunciado abuso infantil no Marajó | Aos Fatos». aosfatos.org. Consultado em 26 de março de 2024 
  28. «É falso que mulher foi morta por denunciar abusos sexuais no Marajó». Lupa, Uol. 2024. Consultado em 27 de março de 2024 
  29. «ATUALIZA 1 Fact Check Governo Lula criou programa contra exploração infantil antes de revogar o Abrace o Marajó». Reuters. 2024