Badjecos

Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
Cais no Provetá

A identidade badjeca, badieca ou bajeca é referente à população tradicional da Ilha Grande, no Rio de Janeiro, classificada como caiçara.

Embora a denominação "badjeco" seja originalmente exonímica e derrogatória, foi mais recentemente apropriada pela comunidade endonimicamente. Há ao menos três etimologias para o termo: uma popular referente a um suposto morador que teria este nome, uma remontando à gíria ítalo-brasileira, e outra ao termo "bajesto". Outras denominações específicas utilizadas pela comunidade original são "caiçara", "ilhéu" e "nativo", além de termos mais genéricos como "morador", "nascido e criado" e "fluminense".

Denominação[editar | editar código-fonte]

Sendo o termo muito ligado à oralidade, há discordância sobre sua grafia como badjeco, badieco ou bajeco. O termo é originalmente exonímico e derrogatório, referindo-se à população nativa e tradicional de Ilha Grande e associado a estereótipos negativos (como preguiça e simploriedade) cultivados por populações que interagiam com as comunidades tradicionais da Ilha, especialmente os "angrenses" (habitantes continentais de Angra dos Reis). No século XX, contudo, o termo foi ressignificada como endônimo, a princípio de forma irônica, mas posteriormente adquirindo conotações mais orgulhosas e generalizadas, podendo inclusive se estender para descendentes dos nascidos na Ilha Grande.[1] A terminologia, contudo, é recebida com resistência por alguns moradores, especialmente os mais idosos.[2][3]

A etimologia do termo é obscura, sendo correlacionada por Janaina de Souza ao termo "bajesto", isto é, "coisa insignificante".[4] A variante badieco, contudo, junto a uma variação local baieco, é utilizada entre ítalo-brasileiros no sul de Santa Catarina como exônimo genérico, especialmente em relação a luso-brasileiros e negros. Desta forma, Luciana Balthazar especula que teria origem no italiano bieco, significando "desonesto" ou "hostil no olhar", vindo do latim obliquus.[5][nota 1] Uma etimologia popular local, contudo, remete o termo a um suposto morador alcoólatra que teria se chamado "Badjeco".[2]

No século XXI, especialmente pela interação com cientistas sociais, alguns setores dos remanescentes tradicionais da Ilha Grande passaram a identificar-se subsidiariamente como caiçaras,[1] terminologia inclusive preferida pelos locais que ainda rejeitam o termo "badjeco" enquanto endônimo,[7] embora ainda secundária em relação a outras identidades,[8] e "importada" de acadêmicos que usam a terminologia genericamente.[9] Além da significação de seus hábitos por padrões científicos extrínsecos, a identificação com população tradicional conhecida assume contornos políticos pela Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, que lhes garante a manutenção de seu território ancestral apesar de este localizar-se em parque estadual.[10] Ainda, revela-se relevante à medida em que o influxo de pessoas sem raízes na comunidade faz com que esta perceba sua individualidade, identificando-se com populações tradicionais de outras regiões.[9]

Outro termo comum de referência aos nascidos em Ilha Grande é simplesmente "ilhéu", termo genérico para pessoas nascidas em ilhas, aceitado pacificamente entre os locais. Outras autodenominações ainda mais genéricas seriam "morador", "nascido e criado", "fluminense" e "nativo",[8][11] sempre se fazendo polaridade e oposição conceitual entre esta comunidade e os outros indivíduos que se mudam para a Ilha, como empresários do turismo, embora haja convivência. De forma geral, a identidade social e os atributos étnicos são associados a gradações, segundo as quais indivíduos podem ser mais nativos ou menos, o que implica em mais ou menos prestígio em determinadas situações sociais,[12] polaridade intensificada com o aumento do número de habitantes "não nativos", atraídos pelo turismo.[13]

Ver também[editar | editar código-fonte]

Notas e referências

Notas

  1. Vale ressaltar que a Ilha Grande era uma parada obrigatória para pessoas vindas de regiões com epidemias para o Rio de Janeiro entre o fim do século XIX e o início do século XX, tratando e retendo os doentes, de forma que recebeu milhares de embarcações, inclusive de colonos italianos.[6]

Referências

  1. a b de Souza 2013, pp. 142-146.
  2. a b de Oliveira 2008, p. 20.
  3. de Souza 2013, p. 146.
  4. de Souza 2013, p. 143.
  5. Balthazar, pp. 231-234.
  6. Rebelo, Maio & Hochman 2011, pp. 70-73.
  7. de Oliveira 2008, p. 89.
  8. a b de Souza 2013, p. 141.
  9. a b Prado 2006, pp. 8-9.
  10. de Souza 2013, pp. 129-150.
  11. de Oliveira 2008, pp. 19-20.
  12. de Oliveira 2008, p. 19.
  13. Prado 2006, p. 9.

Bibliografia[editar | editar código-fonte]

  • Balthazar, Luciana Lanhi (2016). Atitudes linguísticas de ítalo-brasileiros em Criciúma (SC) e região (Tese de Doutorado). Curitiba: Universidade Federal do Paraná 
  • de Oliveira, Larissa (2008). Ecoturismo no Parque Estadual da Ilha Grande - RJ: refletindo o contexto atual a partir do olhar dos "badjecos". Universidade Federal do Rio de Janeiro (Tese de Mestrado) 
  • de Souza, Janaina Nascimento Simões (2013). Identidade e representação: os moradores da Praia do Aventureiro - Ilha Grande - RJ (Tese de Doutorado). Niterói: Universidade Federal Fluminense 
  • Prado, Rosane Manhães (2006). Ilha Grande: do sambaqui ao turismo. Rio de Janeiro: Garamound/EDUERJ 
  • Rebelo, Fernanda; Maio, Marcos Chor; Hochman, Gilberto (2011). «O princípio do fim: o "torna-viagem", a imigração e a saúde pública no Porto do Rio de Janeiro em tempos de cólera». Estudos históricos. 24 (47). Rio de Janeiro. pp. 69–87 
Ícone de esboço Este artigo sobre antropologia ou um antropólogo é um esboço. Você pode ajudar a Wikipédia expandindo-o.