Comunidade cripto-judaica de Venha-Ver

Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.

Os cripto-judeus de Venha-Ver, também ditos marranos, formam uma pequena comunidade culturalmente coesa que habita a região do seridó potiguara, célebres por preservarem costumes de origem alegadamente judaica [1]. Fundada por famílias judias[2], que teriam fugido da intensa perseguição inquisitorial nas regiões costeiras do nordeste sob domínio lusitano[3], o nome da localidade seria originário da junção do termo português vem e do vocábulo hebraico chaver - companheiro - sendo, pois, um convite para que mais judeus acorressem à remota localidade[4]. Os descendentes do colonos originais preservaram uma identidade própria, perpetuando costumes judaicos sem consciência de sua origem. As representações sociais são, por vezes, profundamente sincretizadas com a fé católica, resquício da necessidade de esconder a prática da fé judaica, duramente reprimida durante o período colonial.

Os marranos de Venha-Ver denominam-se católicos, sendo comum assistirem a missa aos domingos. Fato curioso não verificado em comunidades vizinhas, porém, é o hábito de não se ajoelharem durante a consagração das espécies, o que se liga à falta de sinceridade na prática da fé demonstrada pelos colonos originais, que se manteve como tradição entre seus descendentes[5]. Em suas casas, é notável a presença de quadros de santos, embora estes se mantenham cobertos por panos a maioria do tempo, somente sendo exibidos durante a visita de estranhos[6]. Em público, do mesmo modo, costumam rezar o Pai Nosso e a Ave Maria - orações do catolicismo normativo -, embora tenham suas rezas próprias, que recitam em locais conhecidos como 'esnogas'[7].

Notáveis paralelos podem, igualmente, ser traçados entre os tabus alimentares praticados venha-verenses de origem judaicas e os membros normativos da comunidade israelita. A carne de porco é considerada inadequada, e raramente consumida. Os frangos são abatidos mediante a secção do pescoço da ave, o que destoa do hábito das comunidades vizinhas, nas quais é comum o abate por asfixia.[8] As carne nunca são cozinhadas junto a produtos lácteos e todo sangue dos produtos de origem animal é retirado mediante repetidas lavagens e salga. Numa clara evocação ao hábito corrente durante a celebração do pessach, os venha-verenses se abstém de pão durante as primeiras semanas de abril.[9]

O hábitos fúnebres são também profundamente relacionados à origem judaica da localidade. Suas lápides raramente são marcadas por cruzes, como usual entre os católicos, e, quando o símbolo é exibido no cemitério, apresenta formato singular, assemelhado a uma estrela de Davi[10]. O uso de caixões é, do mesmo, incomum, sendo os cadáveres usualmente enrolados em longas mortalhas brancas e dispostos em covas fundas [11]. À semelhança e outras comunidades judaicas, os venha-verenses demonstram o luto por um parente falecido prostando-se no chão, rasgando, também, parte da roupa. Ao passarem por um cova, por fim, depositam sobre ela uma pedra, hábito que, entre judeus, simboliza a esperança de que o legado do falecido não será esquecido[12].

A comunidade marrana de Venha-Ver foi retratada no célebre documentário A Estrela Oculta do Sertão, em que se narrou a persistência dos hábitos de origem judaica de seus integrantes[13].

Referências[editar | editar código-fonte]

  1. LIMA, A. Cidade no RN preserva tradição judaica. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff25079918.htm>. Acesso em: 05 fev. 2020
  2. Biblioteca IBGE. Venha-Ver. Disponível em: <https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/dtbs/riograndedonorte/venhaver.pdf>. Acesso em: 05 fev. 2020
  3. Pinto (2006, p. 72)
  4. Prefeitura Municipal de Venha-Ver. História do município. Disponível em: <https://www.venhaver.rn.gov.br/historia-cidade>. Acesso em: 05 fev. 2020.
  5. Cukiekorn (1998, p. ?)
  6. Brodsky (1997, p. 403)
  7. id. ibdem
  8. Ross (2000, p. 160)
  9. Cukiekorn (1998, p. 104)
  10. id. ibdem.
  11. Ross (2000, p. 161)
  12. Brodsky (1997, p. 402)
  13. EIGER, E. A estrela oculta do Sertão. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=gM53ECPiMkg>. Acesso em: 06 fev. 2020

Fontes[editar | editar código-fonte]

  • BRODSKY, H. Land and Community: Geography in Jewish Studies. University Press of Maryland: Anápolis, 1997
  • CUKIEKORN, J. Searching for Brazilian marranos: a remnant returns. In: PRIMAK, K. Jews in Places You Never Thought of. KTAV: Nova Jérsei, 1998.
  • PINTO, Z. F. A saga dos cristãos-novos na Paraíba. Ideia: João Pessoa, 2006.
  • ROSS, J. R. Fragile Branches: Travels Through the Jewish Diaspora. Riverhead: Nova Iorque, 2000.