Depois do Dilúvio

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Depois do Dilúvio
After the Deluge
Depois do Dilúvio
Autor George Frederic Watts
Data 1886–1891
Género Pintura
Técnica Óleo sobre tela
Dimensões 142,2 cm × 111,8 cm 
Localização Watts Gallery

Depois do Dilúvio, também conhecida como O Quadragésimo Primeiro Dia,[1] é um pintura a óleo simbolista do artista inglês George Frederic Watts, inicialmente apresentada como O Sol de forma incompleta em 1886 e completa em 1891. A obra mostra mostra uma cena da história do Dilúvio, na qual depois de 40 dias de chuva Noé abre a janela de sua arca para ver que a chuva parou. Watts sentiu que a sociedade moderna estava em declínio devido à falta de valores morais e ele com frequência pintou obras com o tema do Dilúvio e sua purificação do que era desprezível no mundo. A pintura toma a forma de uma vista do mar estilizada, dominada por um brilhante clarão do sol partindo-se através das nuvens. Embora este tenha sido um tema que Watts havia retratado anteriormente em O Gênio da Poesia Grega em 1878, Depois do Dilúvio tomou uma abordagem radicalmente diferente. Com esta pintura ele pretendeu evocar um Deus monoteísta no ato da criação, mas evitando retratar o Criador diretamente.

A pintura inacabada foi apresentada em Whitechapel em 1886, sob o título intencionalmente simplificado de O Sol. Watts trabalhou na pintura pelos cinco anos seguintes e a versão completa foi apresentada pela primeira vez na New Gallery em 1891. Entre 1902 e 1906 a pintura foi exposta ao redor do Reino Unido e está agora na coleção da Watts Gallery em Compton. Como Watts não incluiu Depois do Dilúvio em seu presente à nação do que ele considerava suas obras mais significantes, não está entre suas pinturas mais conhecidas. No entanto, foi grandemente admirada por muitos artistas colegas de Watts e tem sido citada como uma influência em numerosos outros pintores que trabalharam nas duas décadas após a exposição inicial.

Contexto Histórico[editar | editar código-fonte]

elderly bearded man
George Frederic Watts, por volta de 1879

George Frederic Watts nasceu em 1817, filho de um fabricante de instrumentos musicais de Londres.[2] Seus dois irmãos morreram em 1823 e sua mãe em 1826, dando a Watts uma obsessão com a morte ao longo de sua vida.[2] Watts foi aprendiz de escultor aos 10 anos e durante sua adolescência era bastante competente como artista para conseguir sua subsistência como pintor de retratos.[3] Aos 18 anos ele ganhou admissão nas escolas da Academia Real Inglesa, embora ele não gostasse dos métodos dela e seu comparecimento fosse intermitente.[4] A partir de 1837, Watts possuía sucesso o suficiente para se dedicar em tempo integral à pintura.[5]

Em 1843 ele viajou para a Itália onde permaneceu por quatro anos.[6] No seu retorno para Londres ele sofreu de melancolia e pintou muitas obras tenebrosas de destaque. [7] Suas habilidades foram amplamente celebradas e em 1856 ele decidiu dedicar-se à pintura de retratos.[8] Seus retratos foram extremamente apreciados[8] e em 1867 ele foi eleito para a Academia Real Inglesa, na época a maior honra disponível para um artista,[6][A] ainda que ele rapidamente tenha se tornado desiludido com a cultura dela.[11] De 1870 em diante ele se tornou amplamente renomado como pintor de temas alegóricos e míticos;[6] nesta época, ele foi um dos artistas mais apreciados do mundo.[12] Em 1881 ele adicionou uma galeria com teto de vidro à sua casa em Little Holland House, que era aberta ao público nos fins de semana, aumentando ainda mais a fama de Watts.[13]

Tema[editar | editar código-fonte]

Sun rising over a stormy sea, with multiple human figures in the foreground
Watts retratara anteriormente a luz nas águas da enchente em Caos (exposta em 1882).[B]

Depois do Dilúvio retrata uma cena da história do Dilúvio, na qual Noé abre a janela da Arca para ver que depois de quarenta dias a chuva havia parado, mas que as águas da enchente ainda não haviam baixado.[17] Embora o evangelicalismo estrito de seu pai tenha incutido em Watts um forte desgosto pela religião organizada, ele tinha um conhecimento profundo da Bíblia [2] e Noé e o Dilúvio eram ambos temas que ele regularmente retratava ao longo de sua carreira.[17]

Watts tinha uma forte crença na ideia de que a sociedade moderna estava priorizando a riqueza sobre os valores sociais e que esta atitude, que ele descrevia como "a dissimulação hipócrita do sacrifício diário feito a esta divindade",[18] foi levando ao declínio da sociedade.[19] Hilary Underwood da Universidade de Surrey escreve que Watts provavelmente pintou tantos trabalhos sobre o tema de Noé ao ver a noção de purificação de uma sociedade degenerada e a preservação daqueles que ainda aderiam os princípios morais.[17] Watts escolheu retratar o momento em que o sol se torna visível pela primeira vez depois de quarenta dias obscurecido pelas nuvens.[20]

Composição[editar | editar código-fonte]

hazy circle containing multiple human figures
Luz e Cor, William Turner, 1843

Watts ilustrou a cena com uma vista do mar altamente estilizada. Acima do mar está um brilhante clarão do sol, com a luz iluminando as nuvens ao redor e raios brilhantes se projetando para além das bordas do quadro.[20] A composição de Watts ecoa o tratamento do mesmo tema de William Turner, Luz e Cor (Teoria de Goethe) — A Manhã Depois do Dilúvio — Moisés Escrevendo o Livro do Gênesis, de 1843, em retratar primariamente um círculo de luz brilhante. Entretanto, a pintura de Turner retrata figuras humanas reconhecíveis e nenhuma obra de Turner chegou tão perto da arte abstrata pura quanto a composição de Watts.[17]

Neste estágio de sua carreira Watts regularmente pintava imagens ligando eventos naturais espantosos com a vontade de Deus.[20] Seu foco no sol reflete seu interesse de longa data nele como um símbolo divino; O Sacríficio de Noé, pintado em aproximadamente 1865, mostrava Noé sacrificando ao sol em ação de graças pela salvação de sua família.[17] Este interesse no sol possivelmente veio do conhecido de Watts Max Müller, que escreveu extensivamente sobre teorias solares da mitologia (a crença que as religiões da Europa, do Oriente Médio e do sul da Ásia eram todas em última análise derivadas do culto protoindo-europeu ao sol). [17] Escrevendo depois da morte de Watts, sua viúva Mary Seton Watts escreveu que:

Um visitante olhando para "Depois do Dilúvio" notou que nesse esquema de cores ele sentiu que não seria impossível introduzir a figura do Criador. 'Ah não', respondeu o Sr. Watts, 'Mas isso é exatamente o que é possível eu desejar fazer àqueles que olham para a figura conceberem por si mesmos. A mão do Criador movida pela luz e pelo calor de recriar. Eu não tentei pintar um retrato do sol — tal coisa é impraticável — mas eu queria impressionar você com a ideia de seu poder enorme.'

 Mary Seton Watts, escrevendo em aproximadamente 1910.[20]

naked man sitting on a rock, in front of some more naked people and lots of water
O Gênio da Poesia Grega (1878)

Watts retratara anteriormente um sol laranja sobre um mar plano em sua obra de 1878 O Gênio da Poesia Grega,[21][C] mas o tema e a composição de Depois do Dilúvio foi radicalmente diferente.[20] O Gênio da Poesia Grega pretendia evocar o panteísmo, com figuras representando forças da natureza na forma humana trabalhando e se divertindo enquanto observadas pela grande figura central do Gênio.[21] Depois do Dilúvio explicitamente pretendia uma imagem monoteísta, evocando tanto a magnificência quanto a misericórdia redentora de um único Deus todo-poderoso empenhado no ato da criação.[20]

Depois do Dilúvio foi apresentada ainda inacabada em 1886 como O Sol na Igreja de São Judas em Whitechapel;[17][D] Samuel Barnett, vigário da igreja, organizava exposições de arte anuais no leste de Londres em um esforço para trazer beleza à vida dos pobres;[24] ele tinha uma relação próxima com Watts e regularmente pedia emprestado suas obras para mostrá-las ao moradores locais. [24][E] Após essa exposição Watts continuou a trabalhar na pintura pelos cinco anos seguintes.[20]

Depois da conclusão[editar | editar código-fonte]

A versão completa de Depois do Dilúvio foi apresentada na New Gallery em 1891.[17] Na ocasião de sua exposição em 1891 e uma exposição posterior em 1897, também na New Gallery, a obra era acompanhada por uma nota explanatória (que se pensa ter sido escrita por Watts) explicando a imagem:[20]

Um poder transcendente de luz e calor irrompe para frente em busca de recriar; a escuridão é afugentada; as águas, obedientes à lei superior, já se dispersam em névoas vaporosas e atravessam a face da Terra.

 Nota acompanhando "Depois do Dilúvio" em suas exposições nas New Galleries. [20] [F]

Bright sun rising over a landscape
O Sol Nascente, Giuseppe Pellizza da Volpedo, (1904)

Entre 1902 e 1906 a obra foi exposta ao redor do país, sendo mostrada em Cork, Edinburgh, Manchester e Dublin, assim como na própria galeria de Watts em Little Holland House.[1] Em 1904, ela foi transferida para a recentemente aberta Watts Gallery em Compton, em Surrey, pouco depois da morte de Watts naquele ano.[1] Dois anos antes disto, Watts retornara ao tema da criação com O Semeador de Sistemas, que pela primeira vez em suas obras retratou diretamente Deus e que ele descreveu como representante de "um grande gesto em que tudo que existe está relacionado",[26]

sunrise over sea
O Sol, Edvard Munch (1911)

Embora Watts tenha pintado paisagens ao longo de sua vida, ele não considerava estas pinturas como obras maiores, e quando entre 1886 e 1902 ele doou o que ele sentiu ser suas 23 obras sem serem retratos mais significantes para a nação para exposição pública, nenhuma pintura de paisagem foi incluída.[27][28][G] Como consequência de sua omissão destes presentes à nação, Depois do Dilúvio não está entre suas obras mais conhecidas embora tenha sido grandemente admirada por muitos dos artistas colegas de Watts.[30] Walter Bayes escreveu em 1907 que Depois do Dilúvio era "uma espécie de paisagem que nós conectamos ao nome do Sr. Watts, uma paisagem da qual tudo que é rude e material foi eliminado, e que oferece um resíduo que é um tipo de sublimação de todos os elementos mais poéticos da natureza".[31] A obra foi citada como uma influência em muitas outras obras pintadas nas duas décadas após sua conclusão, incluindo pinturas do sol de Maurice Chabas, Giuseppe Pellizza de Volpedo e Edvard Munch.[30] Depois do Dilúvio permanece na coleção da Watts Gallery.[32]

Notas[editar | editar código-fonte]

  1. Na época de Watts, honras como cavalarias eram apenas conferidas a presidentes de instituições maiores, não de outra forma, nem mesmo aos artistas mais respeitados.[9] Em 1885, séria consideração foi dada à ascensão de Watts à nobreza; acontecido isto, ele seria então o primeiro artista homenageado. [10] No mesmo ano, ele recusou a oferta para ser um baronete.[6]
  2. Caos foi baseado em uma aquarela de Watts feita em 1845 da vista dos Alpes Apuanos em Carrara do topo da Torre de Pisa.[14][15] A seção à direita de Caos, retratando gigantes em repouso e mulheres dançando, foi originalmente uma pintura separada chamada Os Titãs (exposta em 1875).[16]
  3. Watts começou a trabalhar em O Gênio da Poesia Grega em 1856 após uma visita ao Halicarnasso, mas só a completou em 1878.[22]
  4. Samuel e Henrietta Barnett se consideravam 'missionários da civilização' [23] e as exposições que eles organizavam em Whitechapel eram especificamente destinadas aos não-instruídos.[24] Watts com frequência dava a suas obras títulos simplificados quando as apresentava nessas exposições.[20]
  5. Barnett decorou a fachada da Igreja de São Judas com o grande mosaico de Watts Tempo, Morte e Julgamento.[25]
  6. O autor do texto explanatório não está registrado, mas acredita-se ter sido escrito por Watts.[20]
  7. De 1883 em diante, Watts doou suas pinturas mais significantes à National Portrait Gallery.[13] Em 1886, ele doou o que ele sentiu na época ser suas nove obras mais significantes ao South Kensington Museum (hoje Victoria and Albert Museum).[29] As nove obras depois destas junto com as outras nove obras foram dadas à recém-formada National Gallery of British Art (depois Tate Gallery, hoje Tate Britain) em 1897, com mais cinco obras doadas posteriormente por Watts durante sua vida.[27] As 23 obras que Watts doou à Tate Gallery são A Corte da Morte, A Morte Coroando a Inocência, Amor e Morte, Amor e Vida, Caos, Cavalos de Charrete, Clytie, Ela Será Chamada Mulher, Esperança, Espírito da Cristandade, Eva Arrependida, Eva Tentada, , Jonas, Mamon, Morador do Porão, O Amor Triunfante, O Mensageiro, O Minotauro, Para Ele que Teve Grandes Possessões, Tempo, Morte e Julgamento, Todos os Impregnados e Trânsito de Sic.[27]

Referências[editar | editar código-fonte]

  1. a b c Bills & Bryant 2008, p. 233.
  2. a b c Bills & Bryant 2008, p. 20.
  3. Bills & Bryant 2008, p. 21.
  4. Bills & Bryant 2008, p. 22.
  5. Bills & Bryant 2008, p. 23.
  6. a b c d Warner 1996, p. 238.
  7. Bills & Bryant 2008, p. 29.
  8. a b Bills & Bryant 2008, p. 33.
  9. Robinson 2007, p. 135.
  10. Tromans 2011, p. 69.
  11. Bills & Bryant 2008, p. 40.
  12. Bills & Bryant 2008, p. xi.
  13. a b Bills & Bryant 2008, p. 42.
  14. Staley & Underwood 2006, p. 19.
  15. Staley & Underwood 2006, p. 31.
  16. Bills & Bryant 2008, p. 190.
  17. a b c d e f g h Staley & Underwood 2006, p. 44.
  18. Bills & Bryant 2008, p. 232.
  19. Bills & Bryant 2008, p. 230.
  20. a b c d e f g h i j k Bills & Bryant 2008, p. 234.
  21. a b Bills & Bryant 2008, p. 198.
  22. Bills & Bryant 2008, p. 196.
  23. Tromans 2011, p. 24.
  24. a b c Tromans 2011, p. 23.
  25. Tromans 2011, pp. 23–24.
  26. Warner 1996, p. 136.
  27. a b c Bills 2011, p. 44.
  28. Staley & Underwood 2006, pp. 12–13.
  29. Tromans 2011, p. 22.
  30. a b Staley & Underwood 2006, p. 13.
  31. Bayes 1907, p. xi.
  32. «After the Deluge». Art UK. Consultado em 2 de Outubro de 2016 

Bibliografia[editar | editar código-fonte]

  • Bayes, Walter (1907). The Landscapes of George Frederic Watts. London: George Newnes Ltd. OCLC 1862135 
  • Bills, Mark (2011). Painting for the Nation: G. F. Watts at the Tate. Compton, Surrey: Watts Gallery. ISBN 978-0-9561022-5-6 
  • Bills, Mark; Bryant, Barbara (2008). G. F. Watts: Victorian Visionary. New Haven, CT: Yale University Press. ISBN 978-0-300-15294-4 
  • Robinson, Leonard (2007). William Etty: The Life and Art. Jefferson, NC: McFarland & Company. ISBN 978-0-7864-2531-0. OCLC 751047871 
  • Staley, Allen; Underwood, Hilary (2006). Painting the Cosmos: Landscapes by G. F. Watts. Compton, Surrey: Watts Gallery. ISBN 0-9548230-5-2 
  • Tromans, Nicholas (2011). Hope: The Life and Times of a Victorian Icon. Compton, Surrey: Watts Gallery. ISBN 978-0-9561022-7-0 
  • Warner, Malcolm (1996). The Victorians: British Painting 1837–1901. Washington, D.C.: National Gallery of Art. ISBN 978-0-8109-6342-9. OCLC 59600277