Difusão Superficial

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Difusão superficial é o movimento de partículas adsorvidas, como átomos ou moléculas, sobre a superfície de um substrato sólido. As partículas que se difundem podem ser as mesmas espécies químicas do substrato ou podem ser diferentes. No primeiro caso, temos autodifusão e no segundo caso temos interdifusão[1]. A difusão superficial está envolvida em diversos processos, como o crescimento de cristais e a deposição de filmes finos[2].

Tipos de difusão superficial[editar | editar código-fonte]

A difusão superficial pode ser distinguida de acordo com o nível de cobertura das espécies adsorvidas, chamadas de adsorbatos, ou em relação às peculiaridades do local onde a difusão ocorre[3].

Em relação ao nível de cobertura de adsorbatos, podemos ter dois tipos de difusão. O primeiro deles descreve o movimento de partículas adsorvidas individuais em uma superfície a níveis de cobertura de adsorbatos relativamente baixos, nos quais não há interação entre as partículas, e consideramos que as mesmas se movem de maneira independente umas das outras. O outro tipo de difusão é a difusão química, que ocorre para níveis de cobertura mais altos, nos quais há uma interação considerável entre as partículas adsorvidas. Os efeitos de repulsão e atração entre as espécies adsorvidas se tornam importantes, de modo que essas interações alteram a mobilidade das mesmas[4].

Em  relação às características de onde ocorre, podemos ter a difusão intrínseca e a difusão de transferência de massa. A difusão intrínseca ocorre em uma superfície de potencial uniforme, ou seja, que possui sítios de adsorção equivalentes, na qual não existem armadilhas ou fontes das espécies em difusão, ou seja, o número de partículas não muda durante o processo de difusão. A difusão de transferência de massa, por sua vez, ocorre quando há geração e/ou aprisionamento das espécies em difusão. Superfícies possuem defeitos, como degraus, cantos e vacâncias, que constituem sítios com energias de ligação diferentes daquelas dos sítios de um terraço plano. Assim, a difusão é afetada pelo aprisionamento ou geração de espécies nestes sítios[5].

Difusão superficial de átomos individuais[editar | editar código-fonte]

A difusão superficial de átomos individuais pode ocorrer por diferentes mecanismos[6]. Alguns deles são:

Mecanismo de salto[editar | editar código-fonte]

Este é o mecanismo no qual os átomos estão situados em sítios de adsorção na superfície e o movimento se dá através de um salto termicamente ativado de um sítio de adsorção em equilíbrio para um sítio adjacente[6].

Figura 1. Representação esquemática do mecanismo de troca atômica.

Mecanismo de troca atômica[editar | editar código-fonte]

Este mecanismo envolve uma troca entre um átomo adsorvido e um átomo da superfície. O átomo que foi substituído se move para um sítio de adsorção, ou seja, se torna um átomo adsorvido[6]. A Figura 1 mostra este mecanismo.

Mecanismo de tunelamento[editar | editar código-fonte]

Se as partículas em difusão possuírem uma massa pequena e sua interação com o substrato for fraca, estas podem se difundir por tunelamento quântico[7]. A temperaturas suficientemente baixas, o mecanismo de tunelamento pode dominar em relação ao mecanismo de salto[6].

Figura 2. Mecanismo de vacância.

Mecanismo de vacância[editar | editar código-fonte]

Este mecanismo ocorre quando a migração de átomos em uma superfície com altos níveis de cobertura, ou seja, quando a maioria dos sítios estão ocupados, é controlada pela formação e migração de vacâncias[6]. Este mecanismo é mostrado na Figura 2.

Difusão de aglomerados[editar | editar código-fonte]

Durante a migração, átomos adsorvidos podem se aproximar uns dos outros e formar aglomerados na presença de atração lateral. Um aglomerado pode conter de dois átomos até centenas de átomos. Este tipo de difusão é caracterizada pelo deslocamento do centro de massa do aglomerado e pode ocorrer por mecanismos individuais ou por mecanismos combinados. Os mecanismos individuais se referem aos casos em que o deslocamento do aglomerado é resultado do movimento independente de átomos individuais. Já os mecanismos combinados se referem a quando o deslocamento do aglomerado ocorre devido ao movimento simultâneo de um grupo de átomos[8].

Difusão superficial na deposição de filmes finos[editar | editar código-fonte]

A difusão superficial é de grande importância na determinação da estrutura de um filme fino, uma vez que permite que espécies adsorvidas encontrem os sítios mais ativos, encontrem sítios epitaxiais ou encontrem umas às outras[9]. A primeira etapa na deposição de um filme fino é a adsorção, que pode ser de dois tipos: fisissorção e quimissorção[10]. A fisissorção envolve interações fracas, como as de Van der Waals, entre as espécies adsorvidas e a superfície, enquanto que a quimissorção é caracterizada pela formação de ligações químicas entre essas espécies e átomos da superfície[10][11]. As espécies adsorvidas, que podem ser átomos ou moléculas, são móveis em seus estados fisissorvidos e, dependendo da temperatura da superfície, também podem se mover em seus estados quimissorvidos. A mobilidade é geralmente mais alta, quanto mais baixa for a energia de adsorção[12]. A taxa de difusão superficial no estado fisissorvido é mais alta, o que permite que a espécie adsorvida encontre um sítio vazio no qual possa ser quimissorvida[13].

Figura 3. Sítios de adsorção típicos em uma rede da superfície.

Movimento das espécies adsorvidas[editar | editar código-fonte]

O movimento das espécies adsorvidas ocorre através de saltos entre sítios de adsorção adjacentes. A Figura 3 mostra uma rede superficial hexagonal compacta na qual os sítios de adsorção são os centros dos triângulos formados entre os átomos da superfície, e o estado de transição está situado entre estes sítios. Em algumas situações, outros pontos, como os centros dos átomos da superfície, podem ser os sítios de adsorção. O processo de difusão superficial requer que a ligação entre o adsorbato e o sítio da superfície seja quebrada parcialmente, de modo que o adsorbato possa se mover para o sítio vizinho, formando novas ligações[14].

Figura 4. Energia potencial em função da posição ao longo da superfície.

A Figura 4, por sua vez, mostra a energia potencial em função da posição ao longo da superfície. Nela é possível observar o potencial para os sítios da superfície e para o estado de transição apresentados na Figura 3. O potencial possui uma ondulação e uma barreira de energia potencial de altura entre os sítios da superfície. O topo da barreira é o estado de transição. Isso significa que é necessária uma energia maior ou igual a para que os átomos passem de um sítio para o outro[14].

A energia de ativação da difusão superficial, , é sempre mais baixa do que a energia de ativação de reevaporação, ou de dessorção, , pois na difusão ocorre apenas a quebra parcial das ligações, enquanto que na dessorção, as ligações são completamente quebradas[14].

Comprimento de difusão[editar | editar código-fonte]

O comprimento de difusão pode ser determinado através do modelo de saltos. A taxa de saltos das espécies adsorvidas entre os sítios de adsorção é dada por



onde é a constante de Boltzmann, é a temperatura do substrato, é a constante de Planck, é a barreira de energia entre os sítios, é a constante universal dos gases ideais e é igual a .  Para relacionar essa taxa com a distância que uma molécula adsorvida percorre durante a deposição de um filme fino, pode ser usado o problema clássico de passeio aleatório.

Como cada salto é igualmente provável de ser para frente ou para trás em qualquer direção na superfície, não há movimento resultante em nenhuma direção. Contudo, conforme o tempo passa, é mais provável encontrar a molécula longe do ponto inicial[14].

O número de saltos é dado por


onde é o tempo. Para um tempo correspondente a um grande número de saltos, ou seja, , as moléculas estarão dispersas em uma distribuição normal cuja mediana está no ponto inicial[14]. A largura de uma distribuição normal é caracterizada por seu desvio padrão, que neste caso é dado por



onde  é a distância do salto e é um fator geométrico que depende dos ângulos entre as possíveis direções de salto na superfície. Para os presentes propósitos, assume-se que [14].  Se o desvio padrão for considerado como uma medida do comprimento de difusão, , da molécula no tempo t, podemos escrever



O tempo será diferente para cada condição de deposição. Assim, duas situações devem ser consideradas separadamente: uma na qual é o tempo entre a adsorção e o soterramento pela monocamada seguinte, e outra na qual há maior probabilidade do adsorbato dessorver do que ser soterrado[14]. Para o caso de soterramento, o tempo é dado por



onde é o número de sítios de adsorção por unidade de área e é o fluxo de deposição. Substituindo as equações e , na equação , temos que o comprimento de difusão é dado por


Figura 5. Comportamento do comprimento de difusão superficial em função da temperatura do substrato.


Ou seja,  aumenta exponencialmente com a temperatura. Este comportamento aparece como uma reta com coeficiente angular negativo no gráfico de  versus , mostrado na Figura 5. Este regime é chamado de regime de soterramento[14].

Quando a temperatura é alta o suficiente para que a reevaporação se torne significativa, a probabilidade de ocorrer dessorção das espécies adsorvidas é maior do que a de ocorrer o soterramento das mesmas. Neste ponto, inicia-se o regime de dessorção, no qual é o tempo de vida da adsorção. Para simplificar a estimativa do tempo para essa situação, o estado fisissorvido é desprezado, uma vez que a quantidade de espécies fisissorvidas a altas temperaturas é pequena[14]. Deste modo, consideramos apenas a dessorção do estado quimissorvido. Neste caso, temos



onde o subscrito se refere ao estado quimissorvido. Logo, para este regime, o comprimento de difusão é dado por



Como é menor do que , temos que é sempre positivo. Assim, no gráfico de  versus , mostrado na Figura 5, este regime aparece como uma reta com coeficiente angular positivo. Isso leva a um máximo em a uma temperatura logo abaixo do início da reevaporação significativa das espécies adsorvidas[14].

Quanto maior o valor do comprimento de difusão, , mais suave e homogêneo é o filme, além de possuir menos defeitos cristalinos. Empiricamente, verifica-se que a melhor qualidade do filme é obtida logo abaixo do ponto onde a reevaporação se torna significativa[14].

Coeficiente de difusão[editar | editar código-fonte]

Os cálculos realizados até aqui foram baseados no movimento de moléculas adsorvidas individuais. É possível relacionar as quantidades obtidas com quantidades macroscópicas encontradas na teoria de transporte[15].

A difusão superficial pode ser expressa pela lei de Fick:



onde  é o fluxo de difusão superficial, é o gradiente de concentração e é o coeficiente de difusão[16]. Para o caso volumétrico, temos que este coeficiente é dado por



onde é a velocidade molecular média e é o caminho livre médio. Adaptando para o caso de uma superfície onde as espécies adsorvidas se movem através de saltos de acordo com o modelo de passeio aleatório, temos que a velocidade molecular média é igual a e o caminho livre médio é igual à distância do salto, [16]. Logo,



Escrevendo o comprimento de difusão em termos do coeficiente de difusão, obtemos



Além disso, substituindo a equação na equação , podemos expressar o coeficiente de difusão, , na forma de Arrhenius



O coeficiente de difusão é a quantidade que aparece em experimentos de difusão de adsorbatos, enquanto que o comprimento de difusão é a quantidade de interesse para a deposição de filmes finos[16].

Métodos experimentais[editar | editar código-fonte]

A difusão superficial pode ser estudada através de diversos métodos experimentais. Um destes métodos é o de observação direta dos átomos em difusão, no qual o passeio aleatório dos átomos individuais é rastreado diretamente. É possível utilizar este método tanto para autodifusão quanto para interdifusão. Duas técnicas experimentais que permitem a obtenção de imagens dos átomos são a microscopia iônica de campo, do inglês field ion microscopy (FIM) e a microscopia de varredura por tunelamento, do inglês scanning tunneling microscopy (STM). Outros métodos que podem ser utilizados para medir parâmetros da difusão superficial são o método de evolução de perfil, também chamado de método do gradiente de concentração, as técnicas de capilaridade e as técnicas de crescimento de ilhas[17].

Algumas das técnicas experimentais para a medição dos coeficientes de difusão superficial se baseiam na difusão microscópica, ou seja, em distâncias da ordem de micrômetros e outras determinam a mobilidade local, na escala de nanômetros. Logo, os parâmetros quantitativos característicos que descrevem a taxa de difusão superficial podem ser diferentes, dependendo da técnica utilizada. O principal motivo das diferenças observadas nos valores dos coeficientes de difusão superficial e nas energias de ativação medidas é o potencial não homogêneo que as espécies adsorvidas encontram ao se difundirem pela superfície[12].

O processo de difusão é afetado por muitos fatores, tais como interação entre espécies adsorvidas, formação de fases de superfície e a presença de defeitos[1]. Mesmo na superfície de um monocristal bem orientada existem defeitos, como degraus, cantos, átomos adsorvidos, vacâncias e discordâncias, que possuem uma alta energia de ligação comparada com a energia de um terraço plano. Portanto, uma técnica que mede a difusão em uma distância grande comparada com a separação média entre estes defeitos, irá fornecer resultados de energia de ativação da difusão superficial que incluem contribuições de ligações transientes aos locais de defeitos. Se a cobertura das espécies difundidas for muito baixa, o coeficiente de difusão será definido por um passeio aleatório. Para coberturas mais altas, onde interações entre espécies que se difundem se torna importante, é definido um coeficiente de difusão superficial químico[12].

Além disso, é possível que diversos mecanismos de difusão superficial estejam operando, e isso pode ser indicado através de grandes diferenças nas energias de ativação e nos valores dos coeficientes de difusão superficial medidos a uma mesma temperatura. Logo, dados experimentais, principalmente aqueles originados de diferentes técnicas, precisam ser comparados de modo a decidir se as taxas de difusão efetivas podem ser um indicativo de diferentes mecanismos de difusão[12].

Referências

  1. a b Oura, K.; Lifshits, V. G.; Saranin, A. A.; Zotov, A. V.; Katayama, M. (2003). Surface Science: An Introduction. [S.l.]: Springer-Verlag Berlin Heidelberg. p. 325 
  2. Antczak, G.; Ehrlich, G. (2010). Surface Diffusion: Metals, Metal Atoms and Clusters. [S.l.]: Cambridge University Press. p. 1 
  3. Oura, K.; Lifshits, V. G.; Saranin, A. A.; Zotov, A. V.; Katayama, M. (2003). Surface Science: An Introduction. [S.l.]: Springer-Verlag Berlin Heidelberg. pp. 330–333 
  4. Oura, K.; Lifshits, V. G.; Saranin, A. A.; Zotov, A. V.; Katayama, M. (2003). Surface Science: An Introduction. [S.l.]: Springer-Verlag Berlin Heidelberg. pp. 330–331 
  5. Oura, K.; Lifshits, V. G.; Saranin, A. A.; Zotov, A. V.; Katayama, M. (2003). Surface Science: An Introduction. [S.l.]: Springer-Verlag Berlin Heidelberg. pp. 331–333 
  6. a b c d e Oura, K.; Lifshits, V. G.; Saranin, A. A.; Zotov, A. V.; Katayama, M. (2003). Surface Science: An Introduction. [S.l.]: Springer-Verlag Berlin Heidelberg. pp. 335–341 
  7. Tsong, T. T. (2001). «Mechanisms of surface Diffusion». Progress in surface science. 67: 235-248 
  8. Oura, K.; Lifshits, V. G.; Saranin, A. A.; Zotov, A. V.; Katayama, M. (2003). Surface Science: An Introduction. [S.l.]: Springer-Verlag Berlin Heidelberg. pp. 341–343 
  9. Smith, D. L. (1995). Thin Film Deposition: Principles and Practice. Boston: McGraw-Hill, Inc. p. 129 
  10. a b Smith, D. L. (1995). Thin Film Deposition: Principles and Practice. Boston: McGraw-Hill, Inc. pp. 119–121 
  11. Altman, E. I.; et al. (2001). Physics of Covered Solid Surfaces. [S.l.]: Springer-Verlag Berlin Heidelberg. p. 46 
  12. a b c d Altman, E. I.; et al. (2001). Physics of Covered Solid Surfaces. [S.l.]: Springer-Verlag Berlin Heidelberg. pp. 22–23 
  13. Altman, E. I.; et al. (2001). Physics of Covered Solid Surfaces. [S.l.]: Springer-Verlag Berlin Heidelberg. pp. 1–2 
  14. a b c d e f g h i j k Smith, D. L. (1995). Thin Film Deposition: Principles and Practice. Boston: McGraw-Hill, Inc. pp. 129–136 
  15. Smith, D. L. (1995). Thin Film Deposition: Principles and Practice. Boston: McGraw-Hill, Inc. p. 136 
  16. a b c Smith, D. L. (1995). Thin Film Deposition: Principles and Practice. Boston: McGraw-Hill, Inc. pp. 136–137 
  17. Oura, K.; Lifshits, V. G.; Saranin, A. A.; Zotov, A. V.; Katayama, M. (2003). Surface Science: An Introduction. [S.l.]: Springer-Verlag Berlin Heidelberg. pp. 349–355