Educação bancária

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 Nota: Este artigo é sobre o conceito de Paulo Freire. Para o estudo das relações com os bancos, veja Educação financeira.
Na educação bancária, há forte verticalidade na relação professor-aluno

A educação bancária, ou a concepção bancária de educação, é um modelo que tem por base o "depósito" de ideias e conteúdos nos alunos. Conceituado por Paulo Freire, este modelo é caracterizado por uma relação fortemente vertical e unilateral entre professor e aluno, educador e educando. Por esse motivo, tal educação é também chamada de antidialógica (isto é, sem diálogo, contrária ao diálogo), em oposição à dialogicidade da educação defendida por Freire.[1][2]

A metáfora do banco é usada para enfatizar que, segundo esse modelo, o aluno é um recepiente vazio, que necessita dos "depósitos" do professor. Tal educação é também, necessariamente, não-problematizadora. Ela visa à acomodação, à adaptação do aluno ao mundo, bem como ao cerceamento de sua criatividade e de seu poder transformador da realidade. Nesse sentido, esta educação "satisfaz aos interesses dos opressores". Citando Simone de Beauvoir, Freire afirma que os opressores pretendem "transformar a mentalidade dos oprimidos e não a situação que os oprime".[3]

Características[editar | editar código-fonte]

Nesta seção, serão apresentadas algumas características desta concepção de educação. Antes, é preciso ressaltar que Freire não as apresenta de forma compartimentada como aqui, mas todas as características se entrelaçam entre si.

Dicotomia homens-mundo e a natureza da consciência[editar | editar código-fonte]

Entre as diversas dicotomias criadas por essa educação (educador e educando, sábio e ignorante), uma delas é a dicotomia homens-mundo. Para o modelo bancário, há uma brecha, um hiato entre os seres humanos (ou sua consciência) e o mundo. As pessoas são tidas como meros espectadores; sua consciência, como meros receptáculos. Tal modelo não se leva em consideração que os seres humanos não estão apenas no mundo, mas com ele e com os outros. Freire lembra a ideia de Husserl da intencionalidade da consciência. Temos consciência de algo. Nossa consciência é intencionada ao mundo, e não um recipiente dele.[3]

Necrofilia[editar | editar código-fonte]

Pegando os conceitos de necrofilia e biofilia do psicólogo Erich Fromm, Freire afirma ser a educação bancária necrófila. Em tradução livre, escreve Fromm:

Enquanto a vida se caracteriza pelo crescimento de uma maneira estruturada, funcional, o indivíduo necrófilo ama tudo o que não cresce, tudo o que é mecânico. A pessoa necrófila é movida por um desejo de converter o orgânico em inorgânico, de ver a vida mecanicamente, como se todas as pessoas fossem coisas. Todos os processos, sentimentos e pensamentos de vida se transformam em coisas: a memória, e não a experiência; ter, e não ser é o que conta. O indivíduo necrófilo pode realizar-se com um objeto - uma flor ou uma pessoa - unicamente se a possui. Como consequência, uma ameaça a sua posse é uma ameaça a si mesmo. Se perde a posse, perde o contato com o mundo. [...] Ama o controle, e no ato de controlar, mata a vida
— Erich Fromm, apud Freire

Nesse sentido "necrófilo", a educação bancária "não se deixa mover pelo ânimo de libertar o pensamento pela ação dos homens uns com os outros na terfa comum de reazerem o mundo e de torná-lo mais e mais humano".[3]

Aspectos positivos[editar | editar código-fonte]

Apesar das fortes criticas de Freire, nem tudo o que está relacionado ao modelo bancário é inválido. Afirma o educador que "nem todos os tipos de aulas expositivas podem ser considerados educação 'bancária'", e que é possível "ser muito crítico fazendo preleções". [nota 1][4] Afirma o autor, em Pedagogia da Esperança, que

O mal, na verdade, não está na aula expositiva, na explicação que o professor ou professora faz. Não é isso que caracteriza o que critiquei como prática bancária. Critiquei e continuo criticando aquele tipo de relação educador-educando em que o educador rompe ou não aceita a condição fundamental do ato de conhecer que é a sua relação dialógica. Por isso mesmo, a relação em que o educador transfere o conhecimento em torno de a ou b ou de c objetos ou conteúdos ao educando, considerado como puro recipiente. [...] será que toda chamada aula expositiva é isso? Acho que não. Digo que não.
Freire, Paulo (1997). Pedagogia da esperança. [S.l.]: Paz e Terra, 

O historiador e professor de escola Ariel Feldman ecoa essa ideia, afirmando que "o professor pode e deve ministrar aulas expositivas dialogadas, pois se trata de um bom recurso tradicional. É válido ressaltar, no entanto, que as aulas não podem se resumir a isso".[5]

Ver também[editar | editar código-fonte]

Notas

  1. Citações do livro Medo e ousadia, escrito em parceria com Ira Shor e reproduzidas no Dicionário Paulo Freire

Referências

  1. Maria Judith Sucupira da Costa Lins. «Educação bancária: uma questão filosófica de aprendizagem» (PDF) 
  2. Oliveira, Inês Barbosa (2021). «Educação bancária é emissão de conteúdos: transmissão exige comunicação dialógica». Rio de Janeiro. Revista de Comunicação Dialógica (5): 9-30. ISSN 2674-9246 
  3. a b c Freire, Paulo (1970). Pedagogia do oprimido. [S.l.]: Paz e Terra 
  4. Streck, Danilo R.; Redin, Euclides; Zitkoski, Jaime José (22 de dezembro de 2015). Dicionário Paulo Freire. [S.l.]: Autêntica 
  5. Feldman, Ariel (2019). Brasil Império: história, historiografia e ensino de História. [S.l.]: Editora InterSaberes 
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