Espaço de experiência e horizonte de expectativa

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Espaço de experiência e horizonte de expectativa são categorias que o historiador alemão Reinhart Koselleck propôs para contribuir com a análise da experiência humana do tempo histórico.[1] Com fins analíticos, não são articuladas separadamente e não acontecem uma sem a outra.[2] A utilização dos termos "espaço" e "horizonte" decorrem da necessidade de expressar o tempo a partir de metáforas espaciais que conseguissem diferenciar aquilo que está no passado (espaço de experiência) daquilo que está no futuro (horizonte de expectativa).[3]

As categorias de experiência e expectativa dão sentido a uma condição compartilhada por todos os seres humanos, sem a qual seria impossível conceber a história. Em outras palavras, o par experiência e expectativa é uma condição prévia à existência humana.[4] Estas categorias têm uma dimensão meta-histórica que as define antropologicamente, fazendo com que sejam compreendidas como elementos que servem à compreensão histórica, mas não definem, nem se permitem definir como, os próprios acontecimentos.[5] Como categorias, não têm existência comprovada nas fontes históricas, mas servem à análise das próprias fontes, auxiliando na conceitualização e definição de fatos históricos.[6] Assim, se compreende que a vida humana se constitui a partir das experiências e expectativas que relacionam passado e futuro no presente.[7]

Por mais que estejam relacionadas, as duas categorias têm formas de ser diferentes entre si.[8] Da mesma forma que o passado e o futuro nunca se encontram, a expectativa não deve ser reduzida ao resultado óbvio daquilo que foi experienciado: o futuro não deve ser entendido como uma simples consequência do passado.[8][9] Sendo diferentes entre si, não devem ser levadas como opostas, pois é a partir de seus diferentes modos de ser e da tensão que desta diferença resulta, que pode se atribuir sentido ao tempo histórico.[10]

Experiência[editar | editar código-fonte]

Máquina de lavar roupas com um olho mágico. Metáfora utilizada por Reinhart Koselleck para explicar o que é o espaço de experiência.

A experiência é o passado sobre o qual há lembranças e cujos acontecimentos foram incorporados na atualidade, fazendo parte do presente.[11][12] Além de ter um caráter inconsciente, a experiência é passada adiante por gerações e instituições, estabelecendo-se coletivamente, também a partir da experiência de outras pessoas. Por conta disso, a história pode ser entendida como o conhecimento adquirido a partir da experiência construída pelos outros.[8]

Por definição, da experiência é possível tomar expectativas e experimentações.[3] Desta forma, a experiência toma corpo na elaboração sobre que aconteceu no passado e o consequente estabelecimento destes acontecimentos como base, por exemplo, para o conhecimento sobre aquilo que foi bom ou mau, constituindo um comportamento.[9] Uma experiência pode ser considerada completa quando as causas que a gestaram fazem parte do passado e o futuro que dela advém é decomposto em momentos temporais infinitos.[8]

Metáfora espacial[editar | editar código-fonte]

A metáfora espacial espaço de experiência relaciona-se à aglomeração da experiência adquirida no passado para formar diversas camadas temporais, chamadas de estratos de tempo, que acontecem simultaneamente no presente de maneira desordenada e não-linear. Por conta disso, é impossível medir a experiência cronologicamente.[3]

Expectativa[editar | editar código-fonte]

A expectativa é o presente do futuro.[13] Assim como a experiência, a expectativa acontece no presente, concomitantemente nos planos individual e coletivo. Diferencia-se da experiência ao ser, em vez de um passado que está no presente, um futuro presentificado. A expectativa é voltada àquilo que ainda não ocorreu, nem foi experimentado, e estabelece-se como uma previsão, no campo da possibilidade. Fazem parte da expectativa a esperança, o medo, o desejo, a vontade, a curiosidade, a inquietude e a análise racional.[8]

Outra forma como a expectativa diferencia-se da experiência é a possibilidade de ser constantemente modificada, enquanto a experiência passada acaba por recolher-se. No entanto, é necessário observar que, como parte da existência humana, da expectativa também é possível tomar experiência.[9]

Foto do horizonte, metáfora espacial utilizada por Reinhart Koselleck para atribuir a expectativa ao futuro, em Maspalomas, Grã-Canária.

Metáfora espacial[editar | editar código-fonte]

A metáfora espacial do horizonte de expectativa relaciona-se à intenção de atribuir as ideias de futuro e de possibilidade à expectativa. O limite daquilo que pode ser pensado em relação ao futuro é absoluto, já que a possibilidade não pode ser, de fato, vivida no momento em que foi concebida.[3]

Tempo histórico[editar | editar código-fonte]

O relógio do carro da história, de Carlo Franzoni. Escultura feita em mármore e exposta no Capitólio, EUA. A obra retrata Clio documentando os acontecimentos históricos na medida em que se desdobram.

Experiência e expectativa estruturam-se temporalmente de maneiras distintas. Enquanto as experiências definem-se pela mutabilidade e pela flexibilidade de suas interpretações ao longo do tempo, a expectativa não pode ser adquirida sem a experiência. Desta forma, a relação entre as duas categorias é caracterizada por infinitas possibilidades e impossibilidades limitadas entre si.[14]

Um elemento que desloca esta relação é a surpresa: o que surpreende, o faz por não ser esperado; isto significa que as expectativas geradas por determinada experiência não foram cumpridas. Assim, estaríamos diante de uma nova experiência, que supera o campo das possibilidades previstas pela expectativa. Esta expectativa, por sua vez, foi gerada por experiências anteriores. Com a superação temporal das expectativas, o espaço de experiência e o horizonte de expectativa reorganizam-se. É deste deslocamento e reorganização da tensão entre o passado e o futuro que nasce o tempo histórico.[15] Em outras palavras, é na distância entre experiência e expectativa que o tempo histórico é gestado.[16]

Desta forma, o entendimento daquilo que é ou não verossímil como possibilidade de futuro é resultado da organização das informações disponíveis sobre o passado (experiência). Com isso, as experiências estariam abertas ao futuro e em sua direção orientam os prognósticos. Contudo, o próprio prognóstico abre espaço para que novas expectativas sejam geradas. Portanto, mesmo que sejam fruto das formas como as informações sobre o pretérito foram assimiladas, nem todas as expectativas sobre o futuro decorrem da experiência. Isto significa que o espaço de experiência que anteriormente existia não toma um papel determinante sobre quais expectativas serão tomadas.[15]

Em outras palavras, a diferença temporal estabelecida entre o espaço de experiência e o horizonte de expectativa dizem respeito apenas ao presente no qual ela acontece. Os entrelaçamentos entre passado e futuro não ocorrem, nem ocorreram, igualmente no tempo histórico. Este, por definição, constantemente se modifica na medida em que futuro e passado passam a ser articulados de maneiras diferentes.[17]

Modernidade[editar | editar código-fonte]

A modernidade é marcada por uma experiência do tempo histórico que aponta para um progressivo distanciamento entre o espaço de experiência e o horizonte de expectativa. Este distanciamento progressivo entre passado e futuro é entendido como o elemento nuclear que permite o entendimento de que a modernidade existe.[17] Em relação às periodizações anteriores, a modernidade apresenta-se como uma novidade na forma de experienciar o tempo histórico. Com o avanço das técnicas, das ciências náuticas e da colonização, a experiência de uma vida camponesa e artesanal já não servia mais aos prognósticos sobre o futuro. Enquanto os medievais baseavam-se nas vidas e nas ações de seus antepassados para saber como deveriam agir e quais seriam as possibilidades de futuro, o avanço tecnológico fazia com que cada vez mais rápido a experiência acumulada se tornasse insuficiente para a construção de uma expectativa sobre o futuro.[18]

Queda da Bastilha, 1789. Evento que marca o começo da Revolução Francesa.

É a partir do sentimento de insuficiência do passado como um mestre que orienta a ação humana que foi desenvolvido, no final do século XVIII, o conceito de progresso. A demanda que ele veio a suprir foi a necessidade de organizar todas aquelas muitas experiências acumuladas desde o século XV. Era preciso reunir as diversas experiências singulares, ou subjetivas, que foram acumuladas com o advento da modernidade. O efeito gerado por esta profusão de experiências ficou conhecido como a contemporaneidade do não contemporâneo: muitas novas experiências, distintas e superadas entre si, foram tratadas como parte de um mesmo passado, estabelecido em relação a um mesmo ponto de referência, o presente. No entanto, o diferente estágio de desenvolvimento das técnicas entre diferentes lugares do mundo levou à ideia de que o progresso caminharia linearmente, fazendo com que o lugar onde as técnicas estavam mais bem desenvolvidas fosse tomado como estando em um estágio superior do progresso.[19]

Na modernidade, portanto, o olhar para o futuro desvinculou-se daquilo que o passado poderia oferecer como possibilidade. Desta forma, qualquer nova experiência era rapidamente superada, sem entregar ao presente qualquer ideia sobre o que poderia ser esperado do futuro. Assim, o espaço de experiência desvinculou-se do horizonte de expectativa, e o acontecimento que marca esta desvinculação é a Revolução Francesa.[20][21]

Após a Revolução Francesa, a história passa a ser entendida como um "singular coletivo". Se, anteriormente, as diversas histórias relativas a contextos locais e específicos, contadas a partir de crônicas, serviam como ferramenta pedagógica e orientadora da vida humana, agora a história passava a ser um processo único, uma realidade universal.[22]

Regime de historicidade[editar | editar código-fonte]

Ver artigo principal: Regime de historicidade

Regime de historicidade é uma categoria formulada pelo historiador francês François Hartog para estudar as diferentes tensões entre experiência e expectativa vigentes em cada período da história.[23] Destas tensões, acaba por sobrepor-se uma temporalidade às outras possíveis. À modernidade, por exemplo, por ser o presente sua historicidade dominante, é atribuído o regime de historicidade "presentista".[24] No livro Regimes de Historicidade: presentismo e experiências do tempo, Hartog afirma que

Ver também[editar | editar código-fonte]

Referências

  1. Hartog 2013a, p. 28.
  2. Koselleck 2015, p. 307.
  3. a b c d Koselleck 2015, p. 311.
  4. Koselleck 2015, p. 308.
  5. Koselleck 2015, p. 306.
  6. Koselleck 2015, p. 305.
  7. Mateus 2014, p. 60.
  8. a b c d e Koselleck 2015, p. 310.
  9. a b c Koselleck 2015, p. 312.
  10. Koselleck 2015, p. 212.
  11. Koselleck 2015, p. 309.
  12. Prado 2016, p. 330.
  13. Hartog 2013, p. 12.
  14. Mateus 2014, p. 61.
  15. a b Koselleck 2015, p. 313.
  16. Hartog 2013a, p. 39.
  17. a b Koselleck 2015, p. 314.
  18. Koselleck 2015, p. 315.
  19. Koselleck 2015, p. 17.
  20. Koselleck 2015, p. 318.
  21. Koselleck 2015, p. 319.
  22. Nicodemo et al. 2018, p. 13.
  23. Araujo & Pereira 2016, p. 278.
  24. Hartog 2013b, p. 28.

Bibliografia[editar | editar código-fonte]

Periódicos[editar | editar código-fonte]

Livros e capítulos de livro[editar | editar código-fonte]

  • Hartog, François (2013a). Regimes de historicidade: presentismo e experiências do tempo. Belo Horizonte: Autêntica. ISBN 9788565381468 
  • Nicodemo, Thiago Lima; Pereira, Mateus Henrique; Santos, Pedro Afonso (2018). Uma introdução à historiografia brasileira (1870-1970). Rio de Janeiro, RJ: FGV. pp. 7–229. ISBN 978-85-225-2071-8 
  • Koselleck, Reinhart (2015). «Espaço de experiência e horizonte de expectativa: duas categorias históricas». In: Koselleck, Reinhart. Futuro Passado: contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro, RJ: Contraponto. pp. 305–328. ISBN 85-85910-83-6 
  • Woltmann, K.L (1800). Geschichte und Politik. Berlim: Eine Zeitschrift