Fábrica da Baleia do Castelo

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Fábrica da Baleia: vista panorâmica do "porto velho", do "escachadoiro" e das instalações.
Fábrica da Baleia.
Farol de Gonçalo Velho (panorâmica): à direita a Vigia da Baleia.

A Fábrica da Baleia do Castelo localiza-se na zona do porto, à direita da ponta do Castelo, na freguesia do Santo Espírito, concelho da Vila do Porto, na ilha de Santa Maria, nos Açores.

Trata-se das ruínas de um típico complexo baleeiro açoriano - a antiga Estação de Traióis de Santa Maria, acedida por um íngreme caminho pedonal, cheio de curvas fechadas, conhecido como "as voltas do Castelo".[1]

História[editar | editar código-fonte]

Antecedentes[editar | editar código-fonte]

Ver artigo principal: Baleação

A baleação em Santa Maria[editar | editar código-fonte]

Na ilha de Santa Maria, há registos da baleação na década de 1890, que podem ser agrupados em três grandes fases:

  • de 1896 a 1906 - por iniciativa do industrial micaelense Amâncio Júlio Cabral[2] e de alguns baleeiros de outras ilhas, operando com apenas dois botes, com considerável presença de baleeiros oriundos de Cabo Verde e caracterizada por métodos rudimentares;
  • de 1937 a 1949 - por iniciativa de Roberto Lopes de Mendonça, constituindo-se a "Companhia Balieira Mariense"; e
  • de 1957 a 1966 - período de modernização e declínio.

De maneira global, nesses períodos, a produção de Santa Maria saldou-se pela captura de cerca de 900 cachalotes, com a produção de mais de 2 milhões de litros de óleo, o que equivale a cerca de 9% dos animais capturados e de 8% do óleo produzido no arquipélago.[3]

A baleação em Santa Maria iniciou-se como uma derivação da atividade em São Miguel, ligada à operação da Companhia Baleeira das Capelas/São Vicente, cujo gerente, Amâncio Júlio Cabral, no princípio do Verão de 1896, mandou, para operação em Santa Maria, duas canoas.[4]

A "Companhia Balieira Mariense", constituída por escritura de 17 de Dezembro de 1936, foi uma sociedade anónima de responsabilidade limitada, com um capital social de 32 mil escudos, dividido em 64 ações nominativas, de 500 escudos cada. Tinha por objectivo "a caça da baleia e a exploração de seus produtos" (PUIM, 2001:37), tendo começado a operar com apenas dois botes a remos, chegando a oito (cinco canoas e três barcos a motor) no final da década de 1950 (op. cit., p. 48) e quatorze homens. A primeira baleia foi abatida a 27 de Junho de 1937 (op. cit., p. 44). A operação, que inicialmente contava com apenas a vigia do Castelo, no início da década de 1950, quando os antigos sinais de fumo foram substituídos pela radiotelefonia, contava com mais três postos: a vigia do Monte Gordo, nos Anjos, a vigia do Pico do Facho, em Vila do Porto, e a vigia do Pico dos Manais, em Malbusca (op. cit., p. 51). Ainda durante a década de 1950 foram instalados dois autoclaves e uma caldeira para modernizar a extração do óleo (1956), a canalização de água e a iluminação eléctrica, a pavimentação de uma nova rampa de varagem e, já no início da década seguinte, a instalação de um guincho a vapor para puxar e suspender as carcaças, este último retirado do "Velma", um barco sueco que encalhou na ponta do Marvão em 1961 (op. cit., p. 53). Neste período, a indústria chegou a ocupar mais de cinquenta homens (op. cit., p. 57).

Com a mudança na conjuntura do mercado internacional, onde despontavam novos produtos alternativos, com a superprodução decorrente da modernização da indústria baleeira, e com os primeiros conceitos de protecção da espécie, registou-se uma crise à qual a empresa mariense não ficou imune, agravada pela escassez de mão-de-obra devido à emigração maciça para os Estados Unidos da América a partir de 1957 e pelo despontar da pesca do atum. Desse modo, o Verão de 1966 foi a última temporada de "baleação" no porto do Castelo (op. cit., p. 55-56).

Embora dificultada pelas vertentes abruptas da orla marítima e pelos baixios que cercam a ilha, Santa Maria foi a ilha onde, estatísticamente, se registrou a maior média de capturas, por bote, nos Açores.

Os nossos dias[editar | editar código-fonte]

Em 2001 foi restaurada a antiga Vigia do Castelo, atualmente reclassificada como "Miradouro da Vigia da Baleia", bem como retornaram a Santa Maria dois antigos botes baleeiros, estes por iniciativa de Everett John Delaura (botes "Santa Maria (Novo)" e "Nossa Senhora do Bom Despacho"), sem que no entanto tivessem tido prosseguimento os devidos trabalhos de recuperação e preservação dos mesmos. Do mesmo modo, jamais tiveram curso a recuperação e conservação das instalações da antiga "Casa dos Botes" e "Casa dos Caldeiros", e nem a constituição de de um pequeno núcleo museológico baleeiro afeto ao Museu de Santa Maria.[3]

Em abril de 2012 um dos botes, o "Santa Maria (Novo)" (registo VP-25B), está a ser transportado para a ilha do Pico, onde António dos Santos Fonseca o construiu em 1952 por encomenda da Companhia Baleeira Mariense, para intervenção de restauro.[5]

Características[editar | editar código-fonte]

O actual complexo articula várias edificações - barracão, casa de botes e tanques de água -, e espaços, incluindo um cais com plataforma de trabalho e uma rampa de varagem (varadouro). Por aqui as carcaças dos cetáceos, amarradas a um cabo de aço, eram puxados para terra, primitivamente com um engenho de ferro à força de braços, e, posteriormente, com o auxílio de um guincho a vapor, para serem retalhados e processados.

O cais e a plataforma são revestidos a cimento. As demais edificações apresentam planta rectangular, erguidas em alvenaria de pedra.

Referências

  1. A toponímia "Castelo" já se encontra referida em Gaspar Frutuoso (c. 1580), por ser um grande rochedo ou "ilhéu" que entra pelo mar dentro e que, como o Castelete, a Norte da baía da Maia, se parece com uma torre ou um castelo. Na carta da ilha de Santa Maria, por Luís Teixeira (1587), o local é designado como "Castelo de Bodes". A tradição refere que ali existiu uma pequena fortificação, na chamada "vigia de baixo". António Tavares Chaves refere que se lembra de ter visto uma peça de artilharia no local, mas que, a ter havido alguma construção, a mesma já tinha desaparecido (O Baluarte de Santa Maria, 1889) (PUIM, 2001:25).
  2. in: Diário dos Açores, Ponta Delgada, n° 1609, 20 de Julho de 1896, p. 2; idem, n° 1611, 22 de Julho de 1896, p. 2 (PUIM, 2001:27).
  3. a b PUIM, Arsénio. A baleação nas ilhas do Grupo Oriental. O Baluarte de Santa Maria, ano XXXVII (2ª Série), nº 401, 12 Nov 2010, p. 28.
  4. Op. cit., p. 28.
  5. "O Santa Maria VP-25B" in Clube Naval de Santa Maria, Consultado em 6 abr 2012.

Bibliografia[editar | editar código-fonte]

  • CLARKE, Robert. (1954). Baleação em Botes de Boca Aberta nos mares dos Açores - História e métodos actuais de uma Indústria - Relíquia ("Open Boat Whaling in the Azores"). Tradução de Fernando Jorge da Silva. Edição conjunta do autor e do tradutor, dedicado ao Museu da ilha de Santa Maria. (2001).
  • FIGUEIREDO, José Mousinho, Introdução ao Estudo da Indústria Baleeira Insular, in Boletim Pecuário, n.º 2, ano XIV (1946). Reeditado pelo Museu dos Baleeiros, Lajes do Pico, Açores, 1996, 283 pp., com notas e actualização da taxonomia e nomenclatura portuguesa dos cetáceos pelo Doutor João M. A. Gonçalves, da Universidade dos Açores.
  • FRUTUOSO, Gaspar. Saudades da Terra (Livro III). Ponta Delgada (Açores): Instituto Cultural de Ponta Delgada, (2005). ISBN 972-9216-70-3
  • LEE, Lance R.; HALABISKY, Bruce. Duas Voltas ao Logaiéte ("Two Round the Loggerhead"). Tradução de Fernando Jorge Silva (2004).
  • MENDONÇA, Nun'Álvares de. Memórias de um baleeiro. Ponta Delgada: Ed. do Autor, 2003.
  • PUIM, Arsênio Chaves. A Pesca à Baleia na Ilha de Santa Maria. Vila do Porto: Museu de Santa Maria; Junta de Freguesia do Santo Espírito, 2001. 112p. fotos.

Ver também[editar | editar código-fonte]

Ligações externas[editar | editar código-fonte]