Golpe de Estado no Paquistão em 1958

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O golpe de Estado paquistanês de 1958 refere-se aos eventos ocorridos entre 7 de outubro, quando o presidente do Paquistão Iskander Mirza revogou a Constituição do Paquistão e declarou a lei marcial, e 27 de outubro, quando o próprio Mirza foi deposto pelo General Ayub Khan, o comandante em chefe do Exército Paquistanês. Este foi o primeiro golpe de Estado bem-sucedido da história do Paquistão, levado ao poder o seu primeiro regime militar sob Ayub Khan.[1]

Presidente Iskander Mirza (1899–1969)

História[editar | editar código-fonte]

Em 1956, a Assembleia Constituinte do Paquistão aprovou uma constituição que pôs fim ao estatuto do Paquistão como domínio independente[2] do Império Britânico para criar a República Islâmica do Paquistão. O Major-general Iskander Mirza, último governador-geral do Paquistão, tornou-se, simultaneamente, o primeiro presidente da república. No entanto, a nova Constituição foi acompanhada de turbulência política no país, que assistiu a uma sucessão de quatro primeiros-ministros - Chaudhry Muhammad Ali, Huseyn Shaheed Suhrawardy, Ibrahim Ismail Chundrigar e Sir Feroz Khan Noon - em um período de dois anos.[3] Já existia um precedente no governador-geral Malik Ghulam Muhammad destituindo ministros e governando por decreto, e muitos acreditavam que Mirza manipulava a constituição e instigava a derrubada de governos.[1] O esquema denominado One Unit (Uma Unidade), amalgamando as províncias do Paquistão em duas alas - Paquistão Ocidental e Paquistão Oriental - era politicamente controverso e bastante difícil de administrar. A rápida sucessão de primeiros-ministros reforçou a percepção, dentro das forças armadas e por parte da população em geral, de que os políticos paquistaneses eram demasiado fracos e corruptos para governar de forma eficaz e que o sistema parlamentar era falho.

Primeiro-ministro Feroz Khan Noon (1893–1970)

Lei marcial[editar | editar código-fonte]

Em 7 de outubro, o presidente Mirza declarou a lei marcial no Paquistão. Ele também revogou a Constituição de 1956, descrevendo-a como "inviável" e repleta de "compromissos perigosos".[4] Dispensou o ministério de Sir Feroz Khan Noon, dissolveu a Assembleia Nacional do Paquistão e as legislaturas provinciais. Além disso, Mirza proibiu todos os partidos políticos.[4] Designou o general Ayub Khan, o comandante-em-chefe do exército paquistanês, para ser o Administrador-Chefe da Lei Marcial e o nomeou primeiro-ministro do Paquistão, responsável pela administração do país.[4]

Destituição de Mirza[editar | editar código-fonte]

Em 27 de outubro, Iskander Mirza renunciou à presidência, transferindo-a para Ayub Khan.[4] Ambos os homens viam um ao outro como um rival para suas respectivas posições. Mirza acreditava que sua própria posição tornara-se redundante, depois que Ayub Khan assumira a maior parte dos poderes executivos como administrador-chefe da lei marcial e primeiro-ministro, e agia para afirmar-se; Ayub Khan, por sua vez, acreditava que Mirza estava conspirando contra ele.[4][5] Já era esperado que Ayub Khan e os generais leais a ele forçassem a renúncia de Mirza.[4][5]

Após a renúncia, Mirza foi levado para Quetta, capital da província do Baluchistão. Finalmente, a 27 de novembro, partiu para o exílio em Londres, onde permaneceu até sua morte, em 1969.[5]

Consolidação[editar | editar código-fonte]

Ayub Khan acumulou os cargos de presidente e primeiro-ministro, tornando-se chefe de Estado e de governo. Criou um gabinete composto de tecnocratas, diplomatas e militares, dentre os quais o Marechal Asghar Khan e Zulfikar Ali Bhutto, futuro primeiro-ministro. Em contraste com os futuros governantes militares paquistaneses, como o general Zia-ul-Haq e o general Pervez Musharraf, Ayub Khan não buscou ocupar os cargos de presidente e chefe do Exército, ao mesmo tempo,[5] e designou o general Muhammad Musa como o novo comandante-em-chefe.[5] Ayub Khan obteve o beneplácito legal de seu movimento quando a Suprema Corte do Paquistão validou sua tomada do poder com base na "doutrina da necessidade".[6][5][7] Segundo tal doutrina, atos não constitucionais de uma autoridade administrativa, destinados a restaurar a ordem ou o bem-estar do povo, são considerados constitucionais. Tal doutrina já havia sido aplicada no Paquistão, num controverso julgamento, em 1954, quando o presidente do Supremo Tribunal de Justiça paquistanês, Muhammad Munir, validou o uso extraconstitucional de poderes emergenciais, pelo Governador-geral, Ghulam Mohammad. Em seu julgamento, Munir citou a máxima do clérigo e jurista medieval inglês Henry de Bracton (c. 1210 – c. 1268): "Aquilo que de outra forma não é legal é tornado legal por necessidade".[8][9]

Reações[editar | editar código-fonte]

O golpe foi então recebido no Paquistão com alívio, como uma solução para governos instáveis e lideranças políticas fracas.[5] Havia esperança de que uma forte liderança central pudesse estabilizar a economia e promover a modernização e a restauração de uma forma estável de democracia.[5] O regime de Ayub Khan também foi apoiado por governos estrangeiros, como os Estados Unidos.[5]

Referências

  1. a b Aqil Shah (2014). Army and Democracy: Military Politics in Pakistan. [S.l.]: Harvard University Press. ISBN 978-0-674-72893-6 
  2. O termo "domínio" aplicava-se a ex-colónias britânicas que tinham autonomia de governação interna, mas se encontravam submetidas à Coroa no que diz respeito à política exterior e ao comércio internacional.
  3. Nagendra Kr. Singh (2003). Encyclopaedia of Bangladesh. [S.l.]: Anmol Publications Pvt. Ltd. pp. 9–10. ISBN 978-81-261-1390-3 
  4. a b c d e f Salahuddin Ahmed (2004). Bangladesh: past and present. [S.l.]: APH Publishing. pp. 151–153. ISBN 978-81-7648-469-5 
  5. a b c d e f g h i Dr. Hasan-Askari Rizvi (27 de outubro de 2003). «Op-ed: Significance of October 27». Daily Times 
  6. «Coups and courts». Frontline - The Hindu, Vol. 24, Issue 23. 13 de novembro de 2007 
  7. Mazhar Aziz (2007). Military control in Pakistan: the parallel state. [S.l.]: Psychology Press. pp. 66–69. ISBN 978-0-415-43743-1 
  8. Doctrine of Necessity in Pakistan Law and Its Interpretation by Pakistan Supreme Court. Por Madan G Singh.
  9. Doctrine of necessity - Role in the Instability of our Democratic System. Por: Hassan Bin Tila.

Bibliografia[editar | editar código-fonte]

  • Aqil Shah, "Army and Democracy: Military Politics in Pakistan". Harvard University Press, 2014.
  • K.B. Sayeed, "The collapse of Parliamentary Democracy in Pakistan," Middle East Journal, 13.4 (1959), 389–406