História natural da doença

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A história natural da doença refere-se a uma descrição da progressão ininterrupta de uma doença em um indivíduo desde o momento da exposição aos agentes causais até a recuperação ou a morte. O conhecimento da história natural da doença ocupa juntamente com o controle das doenças. “História natural da doença” é um dos principais elementos da epidemiologia descritiva.[1]

Estrutura epidemiológica é uma representação sistêmica dos elementos envolvidos no processo saúde - doença, os fatores relacionados ao agente etiológico, ao (humano) susceptível e ao ambiente que atua como o fulcro de uma balança favorecendo a manifestação patológica do agente ou resistência à doença.

Os estudos epidemiológicos descritivos ou não-experimentais (observacionais), nesse caso, concentram-se na coleta e arranjo sistemático das três classes de fatores gerais (descritivos como indica a classificação) do processo saúde-doença: o agente, o hospedeiro e o ambiente, em seus aspectos quantitativos. Um dos aspectos práticos da utilização da estrutura epidemiológica de descrição das doenças é a possibilidade da prevenção, mesmo quando a patogênese da doença ainda não é compreendida. A vertente patológica da análise da história natural da doença limitam-se ao que se passa no organismo vivo.[2]

O vocábulo natural tem a conotação de progresso sem a intervenção do homem, que pode modificar o curso da doença por medidas preventivas e curativas.[3] Segundo Leavel & Clark [4] "a profunda compreensão da história natural e da prevenção de doenças, defeitos ou invalidez no homem, exige um conhecimento das condições naturais e específicas em que tais distúrbios aparecem e persistem, assim como das circunstâncias e condições em que elas não ocorrem".

Esses autores desde a década de 60 (1965) já distinguiam os níveis de aplicação da medicina preventiva, no então denominado período de pré patogênese, como “promoção da saúde” e “proteção específica”, o que caracteriza a prevenção primária. Distinguindo também ações passíveis de serem realizadas pela “administração de saúde pública” dos profissionais privados (clínico geral ou especialista em algum ramo da medicina) e ressaltando como é tênue a linha divisória entre tais áreas de atuação, objeto de franca discussão em certas épocas e mesmo naqueles dias.

Subdivisões e intervenções possíveis[editar | editar código-fonte]

Para muitos autores incluindo Leavell & Clark é possível identificar distintos momentos da “história natural das doenças” orientando-se pela vertente epidemiológica desse conceito, ou seja, não se limitando às considerações fisiopatológicas ou anatamo-clínicas da descrição das patologias. Do ponto de vista epidemiológico pode-se distinguir 4 fases de evolução, associados por sua vez à distintos níveis de prevenção por ações de saúde:

  • Fase inicial ou de susceptibilidade. – é o período que antecede às manifestações clínicas das doenças. Somente conhecido por associação de possíveis fatores causais às posteriores manifestações clínicas ou epidemiológicas das distintas patologias, considerados a partir de sua confirmação como “fatores de risco”. Os sanitaristas ou administradores de saúde preconizam diversas medidas preventivas conhecidas como atenção primária a exemplo da: quarentena, higiene pessoal, vacinação, recomendação para utilização de equipamentos de proteção individual nos ambientes de trabalho, etc.

Observe-se que nesse período de pré – patogênese deve-se distinguir as medidas de proteção específica a exemplo das acima citadas das que podem ser consideradas como de “promoção da saúde”. Lefevre & Lefevre [5] assinalam que desde a clássica formulação de Leavell & Clark (1965) 1976, a “Promoção de Saúde” vem sendo entendida como um subconjunto da Prevenção, ou, mais precisamente, como o nível (o mais básico, abrangente e inespecífico) de Prevenção, envolvendo condutas individuais como alimentar-se bem, fazer exercícios, não fumar, ou ações de governo ou de Estado como implantação de redes de saneamento básico, construção de escolas, melhora de transportes coletivos etc. (Lefevre & Lefevre o.c.)

  • Fase patológica pré-clínica – Nessa fase, do ponto de vista clínico, a doença ainda está no estágio de ausência de sintomatologia, embora o organismo já apresente alterações patológicas (Pereira, 2005 o.c.). Almeida Filho (o.c.) observa que o período pré-patogênico da história natural epidemiológica, segundo Leavell & Clark (1976) é a própria evolução das inter-relações dinâmicas envolvendo os condicionantes sócio – econômicos, ecológicos e as condições intrínsecas do sujeito até o estabelecimento de uma configuração de fatores que sejam propícios à instalação da doença. As tecnologias de rastreio (screening) tipo teste do pezinho, os exames periódicos de saúde e a procura de casos, por agentes da vigilância epidemiológica, entre indivíduos que mantiveram contacto com portadores de doenças transmissíveis são exemplos adequados de intervenções de diagnóstico precoce ou prevenção secundária.
  • Fase clínica – Ainda no período da patogênese da história natural das doenças a fase de manifestação clínica corresponde à expressão patognomônica em diferentes estágios de dano. As medidas profiláticas nessa fase são também denominadas prevenção secundária e correspondem ao tratamento adequado para interromper o processo mórbido e evitar futuras complicações e sequelas. A garantia do acesso de toda a população aos serviços de saúde em tempo hábil ainda é um dos grandes desafios de saúde pública proposto aos dirigentes governamentais.
  • Fase de incapacidade residual – Na vertente patológica da concepção da evolução clínica essa fase corresponde à adaptação ao meio ambiente como as sequelas produzidas pela doença e/ou ao controle (estabilização) das manifestações clínicas das doenças crônicas. A prestação de serviços de reabilitação em nível hospitalar ou ambulatorial para re-educação e treinamento a fim de possibilitar a utilização máxima das capacidades restantes, a fabricação e distribuição de órteses e próteses, utilização de asilos, a terapia ocupacional e a reabilitação psicossocial são exemplos de prevenção terciária.


História natural da doença em quatro fases de “evolução” três níveis de prevenção

Evolução do conceito[editar | editar código-fonte]

A concepção apresentada por Leavel & Clark, segundo eles mesmos, se fundamentou na proposição apresentada por C.E.A. Winslow (1877 –1957), professor de Saúde Pública da Universidade de Yale em 1920, para quem saúde pública é:

…a ciência e a arte de evitar doenças, prolongar a vida e desenvolver a saúde física mental e a eficiência, através de esforços organizados da comunidade para o saneamento do meio ambiente, o controle de infecções na comunidade, a organização de serviços médicos e paramédicos para o diagnóstico precoce e o tratamento preventivo de doenças, e o aperfeiçoamento da máquina social que irá assegurar a cada indivíduo dentro da comunidade, um padrão de vida adequado à manutenção da saúde.[6]

Ora como observou Paim [7] no comentário sobre a Tese de Sergio Arouca a delimitação conceitual da medicina preventiva que se sustenta na concepção do que antecede ou precede a doença permite ver esta como uma “filha” da higiene, com distintos momentos históricos de concepções sobre a educação e prática médica, relativamente precisos, porém incapazes de realizar as mudanças identificadas. Incapazes, segundo os referidos autores face à contraposição desta à saúde pública e à medicina social que se assenta na luta política ideológica contra a intervenção do Estado na saúde (via Serviço Nacional de Saúde de natureza pública) e contra as transformações sociais necessárias para superar o "ciclo da pobreza e da doença" na condução das populações à uma real melhoria das condições de vida e níveis de saúde.

O desenvolvimento da noção de história natural da doença portanto relaciona-se com a concepção dos distintos níveis de atenção primária destacando-se ações de promoção da saúde e proteção específica bem como com as modernas concepções de responsabilidade do Estado ou seja de que cada governo tem o dever de proteger a saúde do povo que ele governa que orientara a criação da Organização Mundial da saúde em 1946 [8]

Tanto as noções de promoção como de proteção específica vem se desenvolvendo cada vez mais em nossos dias, como alternativa aos elevados custos da assistência médica curativa e sobretudo hospitalar. Sobre os fatores de promoção pode-se assinalar as sucessivas contribuições à noção de sistema de saúde desenvolvidos a partir da Primeira Conferência Internacional Sobre Promoção da Saúde realizada em novembro de 1986 em Ottawa, Canadá [9] especialmente no âmbito do que se denomina vigilância em saúde. Quanto a proteção específica podem ser destacadas as tecnologias de screening (rastreio) do tipo “teste do pezinho às consequentes tecnologias advindas do projeto genoma, a medicina preditiva, cuja ética de aplicação de forma ao benefício individual e coletivo ainda não se definiu.

Referências[editar | editar código-fonte]

  1. BHOPAL, R. S. (2008). Concepts of Epidemiology. Oxford: Oxford University Press. Book
  2. ALMEIDA FILHO, Naomar; ROUQUAYROL, Maria Zélia. Introdução à epidemiologia moderna. BR, BA, COOPMED/ APCE/ ABRASCO. 1992
  3. PEREIRA, Maurício G. Epidemiologia, teoria e prática. RJ, Guanabara Koogan AS, 2005
  4. LEAVELL Hugh R.; CLARK, Edwin G. Medicina Preventiva. SP, McGraw-Hill do Brasil, RJ FENAME, 1978
  5. LEFEVRE, Fernando; LEFEVRE, Ana Maria C. Promoção de saúde, a negação da negação. RJ, Vieira & Lent, 2004
  6. LEAVELL Hugh R.; CLARK, Edwin G. o.c. p. 7
  7. PAIM, Jairnilson S. Do "Dilema Preventivista" à saúde coletiva. in: AROUCA, Sergio. O dilema preventivista, contribuição para compreensão e crítica da medicina preventiva. (edição comentada). SP, UNESP, RJ, FIOCRUZ, 2003
  8. EPSTEIN, Sam & Beryl. A organização Mundial de Saúde. RJ, Record, 1965
  9. Carta de Ottawa - OPAS - Organização Panamericana de Saúde