Incidente de Jasic

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O incidente de Jasic foi uma disputa trabalhista no distrito de Pingshan, Shenzhen, na província de Guangdong, na República Popular da China, entre militantes sindicais e autoridades chinesas, que durou de julho a agosto de 2018.[1]

A disputa começou em 27 de julho de 2018, quando um grupo de trabalhadores da Jasic Technology Co., Ltd., insatisfeitos com os baixos salários, as más condições e os longos turnos de trabalho, procurou formar um sindicato.[2] Jasic respondeu à petição dos trabalhadores despedindo-os. Isso gerou duas semanas de protestos por trabalhadores da fábrica em Shenzhen, bem como por estudantes membros do Grupo de Solidariedade aos Trabalhadores de Jasic e outros simpatizantes. Os protestos consistiram em manifestações públicas, greves trabalhistas e ação direta, e foram descritos como sendo amplamente marxistas[3] e maoístas[4] em sua natureza.

Contexto[editar | editar código-fonte]

Jasic Technology Co., Ltd. foi fundada em 2005 e posteriormente listada na Bolsa de Valores de Shenzhen, a empresa está envolvida principalmente na fabricação de vários soldadores e produtos de soldagem.[5][6] A empresa possui fábricas em Shenzhen, Chongqing, Chengdu e outros locais, incluindo a fábrica de Shenzhen, que emprega cerca de 1.000 pessoas. Pan Lei atua como diretor executivo (CEO) da Jasic, juntamente com o CFO Xia Ruyi e o secretário do conselho, Rui Li.[7]

A província de Guangdong, na China, foi notável por sua implementação do modelo de Guangdong pelo membro do Politburo Wang Yang,[8] que enfatiza a privatização e a redução nos gastos do Estado com programas de bem-estar social. O modelo de Guangdong se opôs ao modelo de Chongqing empregado pelo agora encarcerado político chinês Bo Xilai, cuja governança ampliou gastos públicos, gastos com bem-estar social e promoção da cultura socialista.

Com a introdução das reformas capitalistas por Deng Xiaoping, muitos membros linha-dura do partido e maoístas criticaram a reforma, citando-os como sendo "revisionistas" e anti-socialistas. Após a supressão dos protestos da Praça Tiananmen de 1989, os estudantes universitários passaram a apoiar as reformas em geral. À medida que o crescimento econômico estagna e a desigualdade de renda cresce na China, mais estudantes começaram a expressar interesse em políticas de extrema esquerda, particularmente no marxismo e no maoísmo. Os manifestantes declararam que foram influenciados principalmente pelo Movimento de Quatro de Maio de 1919 na China.[9]

Os trabalhadores da fábrica denunciam atividades ilegais, como horas extras, multas severas e dívidas de previdência. Eles esperam estabelecer seus próprios sindicatos para proteger seus direitos e interesses. Em maio de 2018, vários trabalhadores da fábrica de Shenzhen Jasic Technology, citando más condições de trabalho, trabalho extra ilegal e multas excessivas, tentaram formar um sindicato para a fábrica. Quando os trabalhadores enviaram sua petição à Federação de Sindicatos de Toda a China, seu pedido foi rapidamente rejeitado, entao os trabalhadores começaram a formar um sindicato de qualquer maneira.[10] As tensões começaram a aumentar em 27 de julho, quando 14 trabalhadores envolvidos na disputa trabalhista foram presos enquanto tentavam retornar ao trabalho, incluindo membros importantes da organização sindical.[10]

Detalhes[editar | editar código-fonte]

Em 29 de julho, o aluno do Instituto de Línguas Estrangeiras da Universidade de Pequim, Yue Xin, e outros ativistas, publicaram The Peking University Students on the "7-27 Worker Prision in Shenzhen": the Letter of Solidarity (Os Estudantes da Universidade de Pequim sobre a "prisão de trabalhadores em shenzen em 27-7": A carta de solidariedade), cerca de trinta alunos e ex-alunos da Universidade de Tsinghua assinaram A carta de solidariedade : Para Libertar Imediatamente os Trabalhadores Detidos e as Massas, e outras cartas de solidariedade apareceram na Internet. Eles pediram à polícia de Shenzhen que libertasse os trabalhadores presos imediatamente e explicasse e se desculpasse pelas prisões em questão. A carta de solidariedade foi apagada em menos de três horas, quando já contava com dezenas de milhares de leituras. Além disso, a carta aberta emitida por alguns ativistas recebeu dois mil curtidas em apoio, principalmente de universidades do continente.[10] No final de julho, ex-trabalhadores da empresa supostamente intervieram com ação direta contra a fábrica de Shenzhen, invadindo a fábrica e tentando interromper a produção por sabotagem.[10]

Em 1 de agosto, a Amnistia Internacional emitiu um comunicado em que um investigador chinês, Pan Jiawei, disse que as autoridades deviam resolver o problema da exploração dos direitos laborais e respeitar o direito dos trabalhadores de formarem sindicatos e, além disso, que a não ser que existam provas de que crimes internacionalmente reconhecidos foram cometidos, os trabalhadores deveriam ser libertados. Na mesma manhã, em Hong Kong, um total de cerca de 30 membros da CTU, do HKCSS e do Grupo de Trabalho de Rua marcharam da delegacia de Western District ao Escritório de Ligação de Hong Kong, entoando slogans em solidariedade aos trabalhadores de Jasic. A CTU disse que apelará por reclamações da comunidade internacional em apoio ao protesto e ao estabelecimento de sindicatos independentes. Como o Escritório de Ligação Central recusou as cartas de protesto, os manifestantes as fixaram na porta da frente e junto com outros slogans.[11]

Na segunda-feira, 6 de agosto de 2018, cerca de 80 apoiadores participaram de uma manifestação em frente à delegacia de polícia de Yanziling. Entre eles estavam quarenta membros registrados do Partido Comunista da China e aposentados. A manifestação foi na maior parte organizada através do popular fórum online de esquerda e maoísta Utopia .[12] Os manifestantes carregavam faixas que diziam "Os velhos trabalhadores e quadros da velha Jiangxi apóiam os trabalhadores e seus apoiadores".

Em 19 de agosto, Yue Xin publicou uma carta aberta ao líder supremo e secretário-geral do Partido Comunista da China, Xi Jinping lendo,

Em nome de todos os membros do Regimento de Solidariedade, eu disse ao Comitê Central do Partido e ao Secretário Geral Xi Jinping que todos os membros do Solidariedade e eu fortaleceremos a consciência política, fortaleceremos as crenças do Marxismo-Leninismo e do Pensamento Mao Zedong, e nos posicionaremos firmemente junta à grande classe trabalhadora. Protegeremos resolutamente a ditadura socialista e democrática do povo na China. Continuaremos lutando até que todos os trabalhadores presos sejam absolvidos, ate que as forças do mal locais sejam investigadas e ate que os direitos básicos e a situação legal dos trabalhadores sejam garantidos! [10][13]

Nem Xi Jinping ou qualquer representante respondeu ou reconheceu a carta.

Prisão de ativistas[editar | editar código-fonte]

O Guardian informou em 24 de agosto de 2018 que cinquenta estudantes envolvidos nas manifestações desapareceram depois que a polícia chinesa invadiu um apartamento que servia de local para trabalhadores e estudantes se organizarem.[14] ONew York Times relatou que doze ativistas estudantis estavam desaparecidos, de acordo com familiares e parentes. Segundo parentes, os ativistas foram sequestrados em Pequim, Guangzhou, Xangai, Shenzhen e Wuhan. Segundo algumas testemunhas, os ativistas foram espancados.[9][15]

Vários organizadores e ativistas estudantis continuam desaparecidos, incluindo Yue Xin e Zhang Shengye.[15]

Reações[editar | editar código-fonte]

Organizações internacionais de direitos humanos, incluindo a Amnistia Internacional e a Human Rights Watch,[16] condenaram a resposta do governo chinês aos manifestantes de Jasic e pediram a libertação de todos os detidos envolvidos nas manifestações.[17]

As organizações Trabalhadores de Jasic e Solidariedade Jasic receberam apoio interno de figuras chinesas como o ativista trabalhista chinês Li Qiang e o Professor Pan Yi do Departamento de Sociologia da Universidade de Hong Kong, ambos assinaram uma petição pedindo a libertação dos trabalhadores e estudantes detidos e uma melhoria nos direitos trabalhistas chineses.[18][19] Além disso, de acordo com o The Guardian, o movimento ganhou seguidores dentro da elite política chinesa, especialmente entre funcionários aposentados do partido que se opunham à política econômica do secretário-geral do Partido, Xi Jinping.[14]

A causa Jasic ressoou particularmente entre os esquerdistas na América e na Europa, que simpatizam com as demandas dos trabalhadores por melhores direitos. O filósofo marxista popular Slavoj Zizek condenou o governo chinês, em um artigo publicado no The Independent, afirmando que a repressão chinesa a esses trabalhadores e estudantes era a prova da hipocrisia ideológica da República Popular da China e do governo do Partido Comunista da China.[20] Pelo menos trinta acadêmicos, incluindo o lingüista e ativista político Noam Chomsky e o professor de Filosofia Política da Universidade de Yale, John Roemer, estão boicotando conferências acadêmicas marxistas chinesas, citando que a participação na comunidade acadêmica chinesa após essa supressão seria um ato de cumplicidade. Chomsky em declarações divulgadas pelo The Financial Times afirmou que todos os esquerdistas deveriam aderir ao boicote.[21]

Os colunista da Jacobin Magazine Elaine Hui, da Universidade Estadual da Pensilvânia, e Eli Friedman condenaram a repressão do sindicato dos trabalhadores Jasic e dos manifestantes estudantis.[22]

Ver também[editar | editar código-fonte]

Referências

  1. Blanchette, Jude D. (2019). China's New Red Guard. Oxford: Oxford University Press. 391 páginas. On July 27, twenty-nine workers from the Jasic factory were detained for “picking quarrels and stirring up trouble,” a vague charge frequently used by the authorities to quash speech or action that isn’t covered by more specific legal statutes. One month later, heavily armed police arrested fifty students and workers who had begun a campaign to push for the release of the detained workers. Back in Beijing, the government raided the offices of the sympathetic Red Reference magazine, detaining one employee. “They searched every corner of our offices, and even smashed a cupboard, and took our computers, our books away in a bunch of boxes,” said magazine editor-in-chief Cheng Hongtao. 
  2. «Jasic case shows Chinese workers' rights in a dangerous new phase». South China Morning Post (em inglês). 19 de setembro de 2018. Consultado em 12 de janeiro de 2019 
  3. Haas, Benjamin (12 de novembro de 2018). «Student activists detained in China for supporting workers' rights». The Guardian. Consultado em 31 de dezembro de 2018 
  4. «Chinese Maoists join students in fight for workers' rights». South China Morning Post (em inglês). 10 de agosto de 2018. Consultado em 31 de dezembro de 2018. Cópia arquivada em 15 de agosto de 2018 
  5. «Shenzhen Jasic Technology Co.,Ltd.: Private Company Information - Bloomberg». bloomberg.com. Consultado em 1 de janeiro de 2019. Cópia arquivada em 1 de janeiro de 2019 
  6. «Jasic Company Profile». U.S. (em inglês). Consultado em 1 de janeiro de 2019 
  7. «300193.SZ - Shenzhen Jasic Technology Co Ltd Profile | Reuters» 
  8. Rajiv Jayaram, Triumph of Guangdong model over Chongqing model in China, Economic Times, 14 April 2012.
  9. a b Hernández, Javier C. (11 de novembro de 2018). «Young Activists Go Missing in China, Raising Fears of Crackdown». The New York Times (em inglês). ISSN 0362-4331. Consultado em 2 de janeiro de 2019 
  10. a b c d e «深圳佳士维权: 中国社媒审查与致习公开信». BBC News 中文 (em inglês). 23 de agosto de 2018. Consultado em 1 de janeiro de 2019 
  11. «China: Thirty people detained at factory worker protest must be released». amnesty.org (em inglês). Consultado em 20 de novembro de 2018 
  12. Lau, Mimi (10 de agosto de 2018). «Chinese Maoists join students in fight for workers' rights». South China Morning Post (em inglês). South China Morning Post. Consultado em 31 de dezembro de 2018. Cópia arquivada em 15 de agosto de 2018 
  13. @yuexinmutian (19 de agosto de 2018). «#jasic 佳士声援团代表岳昕致党中央的公开信: 我们向党中央和习近平总书记表示,声援团全体成员将坚定马克思列宁主义和毛泽东思想的信仰,在全体被捕工人被无罪释放之前、在地方黑恶势力没有得到调查之前、在工人的基本权益和合法地位没有得到保障之前,我们将继续斗争下去!» (Tweet) (em chinês) – via Twitter 
  14. a b Haas, Benjamin (12 de novembro de 2018). «Student activists detained in China for supporting workers' rights». The Guardian (em inglês). ISSN 0261-3077. Consultado em 31 de dezembro de 2018 
  15. a b «Fears for young Marxist activist missing after police raid in China». South China Morning Post (em inglês). 11 de outubro de 2018. Consultado em 12 de janeiro de 2019 
  16. «Rights group calls on China to free detained labour activists». South China Morning Post (em inglês). 4 de dezembro de 2018. Consultado em 12 de janeiro de 2019 
  17. «Rights group calls on China to free detained labour activists». South China Morning Post (em inglês). 4 de dezembro de 2018. Consultado em 1 de janeiro de 2019 
  18. 潘毅 (17 de agosto de 2018). «观点:深圳佳士工人维权的两大意义». BBC News 中文 (em inglês). Consultado em 1 de janeiro de 2019 
  19. 苒苒 (28 de dezembro de 2018). «高压下崛起的中国左翼青年». BBC News 中文. Consultado em 1 de janeiro de 2019 
  20. Zizek, Slavoj (29 de novembro de 2018). «The mysterious case of disappearing Chinese Marxists shows what happens when state ideology goes badly wrong». The Independent. Consultado em 19 de dezembro de 2018 
  21. Yang, Yuan (27 de novembro de 2018). «Noam Chomsky joins academics boycotting China Marxism conferences». Financial Times. Consultado em 26 de dezembro de 2018 
  22. Hui, Elaine; Friedman, Eli (2005). «The Communist Party vs. China's Labor Laws». jacobinmag.com. Jacobin. Consultado em 31 de dezembro de 2018 

Leitura adicional[editar | editar código-fonte]

  • Blanchette, Jude D. China's New Red Guard: The Return of Radicalism and the Rebirth of Mao Zedong. Oxford University Press, 2019.
  • Au Loong Yu. “The Jasic Mobilisation: A High Tide for the Chinese Labour Movement?” Dog Days: Made in China Yearbook 2018. ANU Press, 2019,. pp. 72–75. JSTOR, www.jstor.org/stable/j.ctvfrxqcz.16. Accessed 28 Apr. 2021.
  • Chan, Jenny. "A Precarious Worker-Student Alliance in Xi’s China." China Review, 2019.