Marcelina da Silva

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Marcelina da Silva
Nascimento século XIX
Costa da Mina
Morte 27 de junho de 1885
Salvador, BA, Brasil
Parentesco Maria Bibiana do Espírito Santo (bisneta)
Filho(a)(s) Maria Madalena da Silva
Cargo Ialorixá do Casa Branca do Engenho Velho
Religião Candomblé Queto

Marcelina da Silva (Costa da Mina, século XIXSalvador, 27 de junho de 1885), também designada Obá Tossi, foi uma celebrada candomblecista soteropolitana do século XIX, a segunda ialorixá do Candomblé Queto da Casa Branca do Engenho Velho (Ilê Axé Iá Nassô Ocá), em sucessão da fundadora Iá Nassô, da década de 1840 até sua morte em 1885. No tempo que conviveu com Iá Nassô, ambas realizaram uma viagem à África, rumo à cidade ancestral de Queto, no atual Benim. Através de sua filha Maria Madalena da Silva, é aparentada com outras figuras do candomblé soteropolitano, como Maria Bibiana do Espírito Santo. Com a sua morte, eclodiu uma disputa pela sucessão entre suas filhas de santo, o que provocaria a fundação do Terreiro do Gantois.

Vida[editar | editar código-fonte]

Marcelina da Silva, a dita Obá Tossi,[1][2] nasceu em data incerta ao longo do século XIX na Costa da Mina, na África. Chegou no Brasil ao menos no fim da década de 1820 e aqui gerou, ainda solteira, Maria Madalena da Silva, que nasceu escrava, mas foi alforriada em 14 de fevereiro de 1837, aos sete anos. Teve outra filha, de nome Isabel, que foi batizada em 2 de junho de 1832 na Igreja de Santa Ana. O documento do batismo é a única menção a esta Isabel, o que pode indicar que tenha falecido ainda infante. O mesmo documento revela que Marcelina era propriedade do forro liberto José Pedro Autrão.[3] Em 28 de setembro de 1834, esteve no batismo da recém-nascida Sofia Clementina da Conceição, que era sua afilhada. O documento que confirma o fato indica que Marcelina também era propriedade de Francisca da Silva,[4] que possivelmente pode ser identificada com Iá Nassô.[5] Em 8 de novembro de 1836, comprou a sua alforria pela quantia de 500 mil réis.[6] No fim de 1837, Marcelina e Madalena acompanharam os seus antigos senhores em sua viagem à Costa da Mina.[5]

É provável, segundo Lisa Earl Castillo, que seja essa a origem da tradição oral que alega que Marcelina, Madalena e Iá Nassô viajaram para Queto, capital do reino homônimo no atual Benim, e lá ficaram por sete anos antes de voltarem a Salvador junto das duas filhas que Madalena gerou na África e Rodolfo Martins de Andrade, o Bamboxê Obiticô.[7] Pela tradição oral, o motivo para a viagem era a intenção destas mulheres de irem até as raízes de sua fé para buscar sacerdotes para levarem de volta ao Brasil. Ainda que também fosse essa a intenção, é possível que o objetivo principal da partida era tentar fugir da perseguição contra os negros deflagrada pelo governo no rescaldo da Revolta dos Malês de 24/25 de janeiro de 1835.[8] Antes da partida, habitavam Ladeira do Carmo, na freguesia do Passo, onde, conforme aludem as fontes do período, havia um frequentado candomblé consagrado a Xangô no qual Iá Nassô, que era um título dado pelo alafim de Oió à sacerdotisa principal do culto a esse orixá, era sua ministrante.[9] No entanto, com a prisão de Domingos da Silva e Tomé José Alves, filhos de Francisca, por suposta associação ao movimento dos malês, ela apelou à assembleia pela soltura deles e, ao consegui-la, obteve passaportes para todos voltarem à África em outubro de 1837.[10]

Antiga foto da Casa Branca do Engenho Velho

A tradição oral parece se confirmar neste ponto, pois Queto era um dos poucos reinos iorubás que à época não estava convulsionado pela guerra. Oió, a antiga capital do Império de Oió, e de onde possivelmente se originou Francisca e seus filhos, desde 1835 estava ocupada pelos fulas do Califado de Socoto. Castillo sugere que também podem ter ido a Onim (atual Lagos), que era destino comum dos africanos regressos, mas admite não possuir provas disso.[11] Em meados da década de 1840, Marcelina retornou a Salvador, visto que aparece em registros de batismo de escravos da Freguesia da Sé, onde deve ter residido. Não trouxe consigo sua filha Madalena, que regressou ao Brasil anos depois, sozinha e já adulta. Também não se confirma se Marcelina esteve junto de Rodolfo Martins, como tradicionalmente foi alegado.[12] Com base em relatos que ouviu, Pierre Verger supôs que foi no seu retorno que ocorreu a fundação do terreiro da Casa Branca do Engenho Velho, tido como o mais velho do país.[13]

Ocupou a posição de ialorixá, alegadamente sucedendo Iá Nassô,[14] que além de sua senhora era sua mãe-de-santo,[15] e também foi devotada a Xangô.[2] A tradição oral coloca que o terreiro de início operou na Barroquinha, e após mudar de lugar vezes, foi transferido ao Engenho Velho, quiçá antes de 1849, motivo pelo qual recebeu seu nome.[1] Porém, a documentação disponível não permite aferir a explicação. Marcelina possuía duas propriedades, uma na rua das Laranjeiras, hoje localizada no centro histórico de Salvador, e outra mais afastada, em Cruz do Cosme. Próximo a ambas, ao longo das décadas de 1860 e 1870, operaram vários candomblés, sendo possível que a futura Casa Branca tenha sido instalada aqui antes de ser levada ao Engenho Velho. Independente disso, a primeira menção segura ao terreiro no seu endereço final só ocorreria no fim dos anos 1880.[16]

Não se sabe se, ao voltar para Salvador, ela trouxe bens da África. Fato é que, independente da forma que enriqueceu, possuía fundos que a permitiram obter, num período de 30 anos, entre 1844 e 1878, 18 escravos, que incluíam mulheres e seus filhos; fora estes, sua filha Madalena teve mais três escravos. E tal como sua mãe-de-santo, parece que iniciou seus escravos no candomblé.[17] Em seu testamento, se apresentou como "ganhadeira", que é uma designação que deve aludir a seu tino para o comércio. Seguindo o padrão dos demais libertos de seu tempo, ao longo dos anos 1840 e 1850 investiu os seus recursos na aquisição de escravos, e por meados dos anos 1850, aproveitando o lucro deles, passou a acumular imóveis que então arrendava.[18] Em 8 de fevereiro de 1866, após prováveis 15 anos de relacionamento, visto que já há documentos indicando a relação dos dois desde ao menos o ano de 1850, casou formalmente pela Igreja com o liberto Miguel Vieira.[19] A sua filha Madalena retornou a Salvador em algum momento entre o fim dos anos 1850 e o transcurso dos anos 1860, sendo 1859 uma provável data, e foi viver consigo. Segundo a supracitada tradição oral, e por complementos dados por Maria Bibiana do Espírito Santo, bisneta de Marcelina, Madalena chegou com duas filhas e grávida de uma terceira, a mãe de Maria Bibiana. No inventário dela diz-se que suas filhas se chamavam Maria Teodória dos Reis Bispo, Ângela Maria de Souza Pinheiro e Claudiana Maria do Espírito Santo.[20] Marcelina faleceu em sua casa, na rua das Laranjeiras, na noite de 27 de junho de 1885. [21] Seu Axexê (ritos fúnebres) foram realizados por seu marido Miguel, que vendeu o equivalente a 600 mil réis em bens móveis da falecida.[22]

Avaliação[editar | editar código-fonte]

De acordo com Lisa Earl Castillo, os lucros advindos dos arrendamentos de seus imóveis e da compra e venda de escravos asseguraram a Marcelina e sua família uma confortável posição financeira que a colocou numa privilegiada camada social: pertenciam "[...] a uma espécie de elite entre a população africana da cidade de Salvador, com uma segurança econômica e um padrão de vida material fora do comum."[23]

Ver também[editar | editar código-fonte]

Precedido por
Francisca da Silva (Iá Nassô)
Ialorixá do Casa Branca do Engenho Velho
Anos 1840 — 1885
Sucedido por
Maria Júlia de Figueiredo (Omoniquê)

Referências

  1. a b Lopes 2014.
  2. a b Santana 1998, p. 26.
  3. Castillo 2007, p. 114.
  4. Castillo 2007, p. 114-115.
  5. a b Castillo 2007, p. 119.
  6. Castillo 2007, p. 117.
  7. Castillo 2007, p. 111-113.
  8. Castillo 2007, p. 119-122.
  9. Castillo 2007, p. 122.
  10. Castillo 2007, p. 120-123.
  11. Castillo 2007, p. 124.
  12. Castillo 2007, p. 124-125.
  13. Castillo 2007, p. 112.
  14. Lobô 2020.
  15. Castillo 2007, p. 126.
  16. Castillo 2007, p. 142-143.
  17. Castillo 2007, p. 126, sobretudo nota 51.
  18. Castillo 2007, p. 130-135.
  19. Castillo 2007, p. 130-131.
  20. Castillo 2007, p. 136-137, nota 89.
  21. Castillo 2007, p. 143.
  22. Castillo 2007, p. 144.
  23. Castillo 2007, p. 135.

Bibliografia[editar | editar código-fonte]