Menés

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Menés
Faraó do Egito
Antecessor(a) Narmer?
Sucessor(a) Atótis?
 
Dinastia 0
Religião Politeísmo egípcio
Titularia
Duas Senhoras
<1
Y5
N35
M17
2>
(Aquele que persevera)[1]
Título

Menés (em árabe: مينا; em grego clássico: Μήνης;[1] egípcio: Meni) é creditado pela tradição clássica como o primeiro faraó do Antigo Egito, de Época Tinita, fundador da primeira dinastia.[2]

A identidade de Menés é um tema de debate em curso entre os egiptólogos. Alguns o identificam a Narmer enquanto outros o identificam a seu sucessor, Hor-Aha. Um estudo de 2014 realizado por Thomas C. Heagy compilou uma lista de 69 egiptólogos que se manifestaram a respeito da identidade de Menés. Desse total, 41 concluíram pela identificação de Menés com Narmer, enquanto 31 estão a favor de identificar Menés com Hor-Aha.[3] Discussões recentes a favor de Narmer incluem Kinnaer,[4] Cervelló-Autuori[5] e Heagy[6].

Nome e identidade[editar | editar código-fonte]

O nome Menés (em grego: Μήνης) é encontrado em citações da obra História do Egito do historiador Mâneto, que viveu durante o período ptolomaico.[1] É mencionado por Heródoto, no século V a.C., sob a forma Min (Μῖν),[7][8] uma variante que pode ter resultado da contaminação com o nome do deus Mim.[9] Heródoto o identifica como o primeiro ser humano a reinar no Egito[7] e atribui a ele a construção de uma barragem em Mênfis, desviando o curso do rio Nilo.[8] Ainda segundo Heródoto, depois de desviar o curso do Nilo, Min teria fundado a cidade de Mênfis e mandado construir lá um lago artificial alimentado pelo rio e também um grandioso templo ao deus Hefesto (geralmente identificado com o deus egípcio Ptah).[8] Eusébio de Cesareia identifica o Min de Heródoto com o Menés de Mâneto.[2] A forma egípcia Meni é encontrada nas listas reais de Turim e Abidos (datadas da XIX dinastia).[10] De acordo com essas duas listas, o primeiro faraó do Egito teria sido Meni e, de acordo com Mâneto, Menés teria sido o fundador da primeira dinastia.

Reconstrução da impressão do selo de Narmer-Menés proveniente de Abidos.

É possível, contudo, que o nome Meni, cujo significado é "aquele que persevera", tenha sido cunhado como "um mero epíteto descritivo denotando um herói semi-lendário que, no passado remoto, tenha unificado as Duas Terras sob uma coroa e cujo nome havia sido perdido".[11] Enquanto o unificador do Alto e Baixo Egito, o nome Meni pode remontar a Ka, Escorpião II, Narmer ou Hórus-Aha. Uma impressão de selo proveniente de Abidos apresentando o sereque de Narmer alternado com o símbolo do tabuleiro, que apresenta o valor fonético mn, complementado pelo sinal de n, sempre usado na escrita do nome completo de Menés, é a mais antiga associação entre Narmer e o nome Menés. Embora pareça uma forte evidência de que Narmer e Menés tivessem sido a mesma pessoa, a impressão do selo pode ser interpretada como contendo o nome de um príncipe de Narmer chamado Menés. Baseando-se em análises de outras impressões de selos da Primeira Dinastia contendo o nome de um ou mais príncipes, é possível interpretar que Menés tenha sido o sucessor de Narmer, ou seja, seu filho Hor-Aha, identificado com Atótis na lista dos faraós fornecida por Mâneto.

Menés e Narmer[editar | editar código-fonte]

A escassez de menções a Menés no registro arqueológico contemporâneo às primeiras dinastias coloca em dúvida a existência de um faraó com tal nome.[11] O nome Narmer, contudo, aparece na Paleta de Narmer, cuja figuração em ambas as faces pode remeter à unificação do Alto e Baixo Egito, tendo dado origem à teoria que identifica Menés com Narmer.

Um rótulo de marfim proveniente de Nacada contém o nome de Hórus Aha (o faraó Atótis) ao lado de um edifício, dentro do qual está o nome nebty[12] e o hieróglifo para mn,[13] geralmente interpretado como o nome Menés.[14] Uma possibilidade de interpretação é que Menés poderia ser o nome nebty de Hórus Aha.

Ambas as listas reais de Turim e Abidos listam Meni como o primeiro faraó. Ambas apresentam os nomes nebty dos faraós, não seus nomes de Hórus, sendo vitais para a reconciliação de vários registros: os nomes nebty na listas reais, os nomes de Hórus nos registros arqueológicos, os faraós da primeira dinastia de acordo com Mâneto e outras fontes históricas.[15]

A primeira tentativa de cruzamento entre essas diferentes fontes foi realizado por Flinders Petrie, ao associar Iti com Quenquenés como o terceiro faraó da primeira dinastia, Teti (Turim) (ou outro Iti [Abidos]) com Atótis como segundo faraó, e Menés (um nome nebti) com Narmer (um nome de Hórus) como primeiro faraó da primeira dinastia.[16] Lloyd (1994) achou esta sucessão "extremamente provável",[15] e Cervelló-Autuori (2003), categoricamente afirma que "Menés é Narmer e a Primeira Dinastia começou com ele".[17]

História[editar | editar código-fonte]

Embora Heródoto (II.4) e Mâneto (Fr. 7) tenham colocado Min ou Menés como o primeiro faraó humano do Egito Antigo, nenhum deles afirma que ele tenha unificado o Egito.[3] Seu nome não aparece nos Anais Reais contidos na Pedra do Cairo ou na Pedra de Palermo, que são listas reais, em estado fragmentário, esculpidas em estelas datadas da V dinastia. O nome Meni aparece em fontes mais tardias como o primeiro humano a governar o Egito, diretamente herdando o trono do deus Hórus.[18] Ele também aparece em outra lista real, muito mais tardia, sempre como o primeiro faraó humano do Egito. Menés também aparece em romances demóticos do período greco-romano, demonstrando que, mesmo que tardiamente, ele foi considerado uma figura importante.[19]

Embora a obra História do Egito de Mâneto tenha se perdido, excertos dela são encontrados em autores posteriores. Os fragmentos 6 e 7, que mencionam Menés como o primeiro faraó, são na verdade trechos da obra Eklogué Cronografias de Jorge Sincelo, um eclesiástico bizantino que viveu entre o final do século VIII e início do ÌX, nos quais ele compara duas cronologias do Egito: o Fr. 6 corresponde à cronologia fornecida por Sexto Júlio Africano (século II-III d.C.) e o Fr. 7 corresponde à cronologia de Eusébio de Cesareia (século III-IV d.C.). Ambos teriam se baseado na obra de Mâneto.

O Fr. 6, de Africano, coloca Menés de Tinis como o primeiro faraó da primeira casa real, ou dinastia, que conta com 8 faraós. Ele teria reinado por 62 anos e foi levado por um hipopótamo, sendo sucedido por seu filho Atótis.[20]

O Fr. 7a, de Eusébio, coloca Menés de Tinis como o primeiro faraó e o identifica com o Min de Heródoto. Ele teria reinado por 60 anos e sua dinastia teria 7 descendentes. Eusébio também menciona que Menés teria realizado uma expedição ao estrangeiro e ganhado renome, mas foi levado por um hipopótamo e sucedido por Atótis.[21]

O Fr. 7b provém da versão em armênio da obra de Eusébio e, embora também identifique Menés de Tinis com o Min de Heródoto e atribua 7 descendentes à sua dinastia, atribui 30 anos ao reinado dele, em lugar dos 60 anos atribuídos no Fr. 7a. O Fr. 7b também informa que ele avançou com seu exército para além das fronteiras de seu reino, conquistando renome por suas explorações, e foi levado por um deus hipopótamo.[22]

Segundo os fragmentos 6, 7a e 7b, foi seu filho Atótis quem construiu um palácio em Mênfis, contradizendo Heródoto, que atribui sua construção a Min.[8]

Menés foi visto como uma figura fundadora por grande parte da história do Antigo Egito, similar a Rômulo na Roma Antiga.[23]

Mâneto associou a cidade de Tinis com as primeiras dinastias (Dinastia I e II) e, em particular, a Menés, um "tinita" ou nativo de Tinis.[2][24] Ele atribui a construção de Mênfis ao filho de Menés, Atótis,[24] e chama os faraós da III dinastia de "menfitas".[25] No entanto é pouco provável que apenas durante o reinado do sucessor de Menés, a capital tenha sido transferida para Mênfis, pois, sua localização possibilitaria um controle mais eficiente sobre o recém-incorporado Baixo Egito, assim como das rotas comerciais com o Oriente Próximo.[26]

Eusébio de Cesareia, ao comentar a cronologia de Manetão, observa que a duração total dos reinos egípcios é muito longa, e sugere que as várias dinastias de Manetão poderiam ter reinado ao mesmo tempo, em diversas partes do Egito, com reis em Tinis, Mênfis, Saís e na Etiópia.[27]

Locais como Hieracômpolis e Nacada, por sua importância durante o período pré-dinástico, receberam templos. Da mesma forma, Abidos foi mantida como necrópole da I dinastia.[26]

Influência cultural[editar | editar código-fonte]

Diodoro Sículo afirma que Menés introduziu a adoração dos deuses e a prática de sacrifícios tão bem quanto um mais elegante e luxuoso estilo de vida.[28]

Por esta última invenção, a memória de Menés foi desonrada pelo faraó da XXIV Dinastia Tefnacte, e Plutarco menciona um pilar de Tebas sob o qual foi inscrito uma maldição contra Menés como o introdutor da ostentação.[28]

Episódio do crocodilo[editar | editar código-fonte]

Diodoro Sículo recorda uma história de Menés,[29] relatada pelos sacerdotes do deus crocodilo Suco de Crocodilópolis, em que o faraó Menés, atacado por seus próprios enquanto caçava, fugiu atravessando o lago Moéris nas costas de um crocodilo e, em agradecimento, fundou a cidade de Crocodilópolis.[30][31][32]

Edwards (1974) afirma que "a lenda, que está, obviamente, cheia de anacronismos, é manifestamente desprovida de valor histórico",[32] mas Mastepo (1910), embora reconhecendo a possibilidade de que as tradições relativas a outros reis podem ter-se misturado com essa história, rejeita a sugestão de alguns comentadores[33] de que a história deve ser transferida para o faraó Amenemés III da XII dinastia e não vê nenhuma razão para duvidar de que Diodoro não registrou corretamente uma tradição de Menés.[30]

Joseph (2004) interpreta a história como uma alegoria para a vitória de Menés e seus aliados em sua guerra de unificação, e em que os inimigos de Menés são simbolizados insultuosamente como os cães.[31]

Faber (1816), tendo a palavra campsa o significado tanto de crocodilo como arca e preferindo este último, identifica Menés como Noé e toda a história como um mito do dilúvio.[34]

Morte[editar | editar código-fonte]

Segundo Manetão, Menés reinou por 30 (ou 60 anos) e foi morto por um hipopótamo.[2][24][35]

Outros usos[editar | editar código-fonte]

Alguns estudiosos afirmam que o nome do rei Minos quem governou a Antiga Creta é derivado de Menés assim como os nomes Tsar, Cáisere "Czar" são derivados de César.[36] Como não há nenhuma menção de Menés nos registros arqueológicos egípcios, é também possível que seu nome foi derivado de Minos.

Na cultura popular[editar | editar código-fonte]

Alexander Dow (1735/6-1779), um dramaturgo e orientalista escocês, escreveu a tragédia Sethona, situada no Antigo Egito, em que o personagem principal, Menés, é descrito na dramatis personæ como "próximo herdeiro masculino para a coroa" agora usada por Serápis, e foi interpretado por Samuel Reddish em uma produção de 1774 por David Garrick no Teatro Drury Lane.[37]

Referências

  1. a b c Manetho, fr. 6 e fr. 7.
  2. a b c d Manetão, citado por Eusébio de Cesareia, Crônica, A partir dos registros de Manetão, que compôs um trabalho em três volumes sobre os deuses, semi-deuses, espíritos e reis mortais que governaram o Egito, até o persa Dario, 45, 1a Dinastia, Menés de Tinis e seus sete descendentes [em linha]
  3. a b Heagy (2014).
  4. Kinnaer (2001).
  5. Cervelló-Autuori (2005)
  6. Heagy (2014).
  7. a b Heródoto, Histórias, Livro II, Euterpe, 4 [pt] [el] [el/en] [ael/fr] [en] [en] [en] [es]
  8. a b c d Heródoto, Histórias, Livro II, Euterpe, 99 [pt] [el] [el/en] [ael/fr] [en] [en] [en] [es]
  9. Lloyd 1994: 6
  10. Etheredge 2008
  11. a b Edwards 1971: 11
  12. Originalmente, o título real completo de um faraó era nome de Hórus "x" nome nebty "y". Para abreviar, apenas um elemento pode ser usado, mas a escolha varia entre as circunstâncias e o período. Na I dinastia, o nome de Hórus foi usado por um faraó vivo, o nome nebty por um morto. (Lloyd 1994: 7)
  13. Gardiner 1961: 405
  14. Edwards 1971: 11 e 14.
  15. a b Lloyd 1994: 7
  16. Edwards 1971: 13
  17. Cervelló-Autuori 2003: 174
  18. Shaw and Nicholson 1995: 218
  19. Ryholt 2009
  20. Manetho, Fr. 6.
  21. Manetho, Fr. 7a.
  22. Manetho, Fr. 7b.
  23. Manley 1997: 22
  24. a b c Verbrugghe and Wickersham 2001: 131
  25. Verbrugghe and Wickersham 2001: 133
  26. a b Narmer II
  27. Manetão, citado por Eusébio de Cesareia, Crônica, 44, A partir dos registros de Manetão, que compôs um trabalho em três volumes sobre os deuses, semi-deuses, espíritos e reis mortais que governaram o Egito, até o persa Dario
  28. a b Elder 1849: 1040
  29. Diodoro (n.d.): 45
  30. a b Maspero 1910: 235
  31. a b Joseph 2004: 99
  32. a b Edwards 1974: 22
  33. e.g. Elder 1849: 1040: in defiance of chronology
  34. Faber 1816: 195
  35. Sayce and Gibbon 1906: 15
  36. R.Wunderlich.The secret of Creta".Efstathiadis group. Athens 1987 p. 171
  37. Dow 1774

Bibliografia[editar | editar código-fonte]

Ligações externas[editar | editar código-fonte]

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