Messias no judaísmo

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Visão de Ezequiel: A Ressurreição dos Mortos (antes de 257 dC), interior da sinagoga de Dura Europo, Síria.

O Messias no judaísmo (em hebraico: מָשִׁיחַ, romanizado māšīaḥ) é uma figura salvadora e libertadora na escatologia judaica, que se acredita ser o futuro redentor dos judeus. O conceito de messianismo originou-se no judaísmo e,[1][2] na Bíblia Hebraica, um messias é um rei ou Sumo sacerdote de Israel, tradicionalmente ungido com óleo sagrado da unção.[3] No entanto, os messias não eram exclusivamente judeus, já que a Bíblia Hebraica se refere a Ciro, o Grande, imperador aquemênida, como um messias por seu decreto de reconstrução do Templo de Jerusalém.[4][5][6][7]

Na escatologia judaica, o Messias é um futuro rei judeu da linhagem davídica, de quem se espera que seja ungido com o óleo sagrado da unção e governe o povo judeu durante a Era Messiânica e o mundo vindouro.[1][2][8][9] O Messias é frequentemente referido como "Rei Messias" (em hebraico: מלך משיח, romanizado melekh mashiach, ou malka meshiḥa em aramaico).[10]

O messianismo judaico deu origem ao cristianismo, que começou como uma seita ou movimento religioso judaico messiânico do período do Segundo Templo.[11][12]

Etimologia[editar | editar código-fonte]

Na escatologia judaica, o termo mashiach, ou "Messias", refere-se especificamente a um futuro rei judeu da linhagem davídica, de quem se espera que salve a nação judaica, e será ungido com óleo sagrado da unção e governará o povo judeu durante a Era Messiânica.[1][2][8][13] O Messias é frequentemente referido como "Rei Messias", ou, em hebraico, מלך משיח (melekh mashiach), e, em aramaico, malka meshiḥa.[10] Num sentido generalizado, messias tem "a conotação de um salvador ou redentor que apareceria no fim dos dias e inauguraria o reino de Deus, a restauração de Israel, ou qualquer dispensação que fosse considerada o estado ideal do mundo".[13]

O messianismo "denota um movimento, ou um sistema de crenças e ideias, centrado na expectativa do advento de um messias".[13] As visões ortodoxas sustentam que o Messias será descendente, através do seu pai, da linhagem do Rei Davi,[14] e reunirá os judeus de volta à Terra de Israel, inaugurando uma era de paz, construirá o Terceiro Templo, reinstituirá o Sinédrio, e assim por diante. A palavra mashiach, entretanto, raramente é usada na literatura judaica no período que vai do século I aC ao século I dC.[15]

A tradição judaica do período tardio, ou inicial pós-Segundo Templo, alude a dois redentores, um que sofre e o outro que cumpre o papel messiânico tradicional, a saber, Mashiach ben Yosef e Mashiach ben David.[16][17][18][19][1][2] Em geral, o termo "Messias" sem qualificação, refere-se ao "Mashiach ben David" (Messias, filho de Davi).[1][2]

A crença no futuro advento do Messias foi registrada pela primeira vez no Talmude,[20] e mais tarde codificada na halachá por Maimônides na Mishné Torá, como um dos requisitos fundamentais da fé judaica, sobre a qual está escrito: "Qualquer um que não acredite nele, ou que não espere pela sua chegada, não apenas negou os outros profetas, mas também negou a Torá e Moisés, nosso rabino".[21]

Origens e história[editar | editar código-fonte]

Escatologia judaica pré-exílio (séculos VIII-VI aC)[editar | editar código-fonte]

Ver artigos principais: Escatologia judaica e Cativeiro Babilónico

As raízes da escatologia judaica podem ser encontradas nos profetas pré-exílio, incluindo Isaías e Jeremias, e nos profetas exilados Ezequiel e Dêutero-Isaías.[9][22][23] Os principais fundamentos da escatologia judaica são os seguintes, em nenhuma ordem particular, elaborados nos livros de Isaías, Jeremias e Ezequiel:[22]

Período do Segundo Templo (516 aC-70 dC)[editar | editar código-fonte]

No início do período do Segundo Templo, as esperanças de um futuro melhor são descritas nas escrituras judaicas. Após o retorno do exílio babilônico, o rei persa Ciro, o Grande, foi chamado de "messias" em Isaías, devido ao seu papel no retorno dos exilados judeus.[13][9]

Uma série de ideias messiânicas se desenvolveram durante o período posterior do Segundo Templo, variando desde expectativas políticas deste mundo até expectativas apocalípticas de um fim dos tempos em que os mortos seriam ressuscitados e o Reino dos Céus seria estabelecido na terra.[24] O Messias pode ser um "Filho de Davi" real ou um "Filho do Homem" mais celestial, mas "o messianismo tornou-se cada vez mais escatológico, e a escatologia foi decisivamente influenciada pelo apocaliticismo", enquanto "as expectativas messiânicas tornaram-se cada vez mais focadas na figura de um salvador individual".[24] De acordo com Zwi Werblowsky, "o Messias não simbolizava mais a chegada de uma nova era, mas de alguma forma deveria realizá-la". O "ungido do Senhor" tornou-se assim o "salvador e redentor" e o foco de "expectativas e doutrinas mais intensas". Ideias messiânicas desenvolvidas tanto por novas interpretações (pesher, midrash) das escrituras judaicas, mas também por revelações visionárias.[24]

Apocaliticismo[editar | editar código-fonte]

Ver artigos principais: Apocaliticismo e Escatologia judaica

Messias no apocaliticismo[editar | editar código-fonte]

Pontos de vista religiosos sobre se as passagens da Bíblia hebraica se referem a um Messias, podem variar entre os estudiosos do antigo Israel, observando seu significado nos contextos originais, e entre os estudiosos rabínicos.[25] A leitura dos atestados messiânicos em passagens de Isaías, Jeremias e Ezequiel é anacrônica, porque o messianismo se desenvolveu posteriormente a esses textos.[25][13] De acordo com James C. VanderKam, não existem textos judaicos anteriores ao século II aC que mencionem um líder messiânico, embora alguns termos apontem nesta direção, e algumas expressões, como o servo sofredor de Isaías, tenham sido posteriormente interpretados como tal.[26]

De acordo com Zwi Werblowsky, o regime brutal do rei helenístico grego selêucida Antíoco IV (r. 175–163 aC) levou a expectativas messiânicas renovadas, conforme refletido no Livro de Daniel.[13] Seu governo terminou com a Revolta dos macabeus (167-160 aC) e a instalação da dinastia asmoneia (167-37 aC). Os macabeus governaram a Judeia de forma semi-independente do Império Selêucida de 167 a 110 aC, de forma totalmente independente de 110 a 63 aC e como estado cliente romano de 63 a 37 aC, quando Herodes, o Grande, chegou ao poder. Com o fim da dinastia asmoneia, a crença num líder messiânico desenvolveu-se ainda mais.[25] Segundo James C. VanderKam, o gênero apocalíptico mostra uma atitude negativa em relação às potências estrangeiras que governavam a Judeia, mas a rejeição dessas potências não foi a única causa do desenvolvimento do gênero apocalíptico.[27]

De acordo com VanderKam, "a grande maioria dos textos do Segundo Templo não faz referência a um líder messiânico do fim dos tempos".[28] O Apocalipse Animal (c. 160 aC) é o primeiro a fazê-lo,[29] mas depois desse tempo, apenas alguns apocalipses, e alguns textos que não são apocalipses, mas contêm ensinamentos apocalípticos ou escatológicos, referem-se a um líder messiânico.[30] Segundo VanderKam, a falta de alusões messiânicas pode ser explicada pelo fato da Judeia ter sido governada durante séculos por potências estrangeiras, muitas vezes sem grandes problemas, ou por uma postura negativa dos judeus em relação a essas potências gentias.[27]

No primeiro milênio aC, nos textos de Qumran, nos Salmos de Salomão e nas Similitudes de Enoque, "tanto os governantes estrangeiros quanto os nativos são castigados e as esperanças são colocadas em um (ou vários) Messias que acabará com a atual era maligna de injustiça.[27] Após a Primeira Guerra Judaico-Romana (66-70 dC), textos como II Baruque e IV Esdras refletem o desespero da época.[27] As imagens e o status do messias nos vários textos são bastante diferentes, mas os messias apocalípticos são apenas um pouco mais exaltados do que os líderes retratados nos textos não apocalípticos.[31]

Charleswoth observa que conceitos messiânicos são encontrados nas pseudepígrafes do Antigo Testamento, que incluem um grande número de Apocalipses.[nota 1]

Notas e referências[editar | editar código-fonte]

Notas[editar | editar código-fonte]

  1. The Old Testament pseudepigrapha and the New Testament, James H. Charlesworth (1985), p.111: "O seminário centrou-se na avaliação da importância dos vários títulos e ideias messiânicas nas pseudepígrafes do Antigo Testamento e no seu significado para uma melhor compreensão das origens da Cristologia".

Referências

  1. a b c d e Schochet, Rabbi Prof. Dr. Jacob Immanuel. «Moshiach ben Yossef». Tutorial. moshiach.com. Consultado em 6 de maio de 2024. Cópia arquivada em 20 de dezembro de 2002 
  2. a b c d e Blidstein, Prof. Dr. Gerald J. «Messiah in Rabbinic Thought». MESSIAH. Jewish Virtual Library and Encyclopaedia Judaica 2008 The Gale Group. Consultado em 6 de maio de 2024 
  3. Êxodo 30:22-25
  4. Zvi, Ehud Ben; Levin, Christoph (2010). The Concept of Exile in Ancient Israel and its Historical Contexts. Col: Beihefte zur Zeitschrift für die alttestamentliche Wissenschaft. [S.l.]: De Gruyter. p. 284. ISBN 978-3-11-022178-7. Consultado em 6 de maio de 2024 
  5. Lazarus, William P.; Sullivan, Mark (2008). Comparative Religion For Dummies. Col: For dummies (em inglês). [S.l.]: Wiley. p. 223. ISBN 978-0-470-23065-7. Consultado em 6 de maio de 2024 
  6. Meyer, Eduard (1901–1906). Cyrus. Jewish Encyclopedia. 4. [S.l.: s.n.] p. 404. Este profeta, Ciro, por meio de quem seria redimido Seu povo escolhido, a quem ele glorificaria diante de todo o mundo, era o Messias prometido, 'o pastor de Yhwh' (xliv. 28, xlv. 1). 
  7. Fried, Lisbeth S. «Cyrus the Messiah – The BAS Library». bib-arch.org. Consultado em 6 de maio de 2024. Cópia arquivada em 26 de janeiro de 2015 
  8. a b Telushkin, Joseph (1991). «The Messiah». The Jewish Virtual Library Jewish Literacy. NY: William Morrow and Co., reimpresso com permissão do autor. Consultado em 6 de maio de 2024 
  9. a b c Ribeiro, Ari Luís do Vale (2009). Jesus e os movimentos messiânicos. Revista de Cultura Teológica. 17. [S.l.]: PUC-SP. Consultado em 13 de maio de 2024. No período do exílio na Babilônia (597-539 aC), aparece noção de restauração da dinastia davídica, através de um rei com características ideais, que se pensava que Davi tivesse (cf. Jr 23, 5s; Ez 34, 23; 37, 24), pois a humilhação do exílio, longe de significar que as promessas de Javé teriam sido revogadas, foi tomada como sinal de 'desagrado divino' para com o rei de então. Por este motivo, os profetas emitiam oráculos messiânicos a fim de convocar a povo para uma conversão total, uma conversão que resultasse num novo Israel, mais fiel a Javé. 
  10. a b Flusser, David. «Second Temple Period». Messiah. Encyclopaedia Judaica 2008 The Gale Group. Consultado em 6 de maio de 2024 
  11. Shiffman, Lawrence H. (2018). «How Jewish Christians Became Christians». My Jewish Learning 
  12. «Christianity: Severance from Judaism». Jewish Virtual Library. American–Israeli Cooperative Enterprise. 2008. Consultado em 6 de maio de 2024. Uma grande dificuldade em traçar o crescimento do cristianismo desde os seus primórdios como uma seita messiânica judaica, a despeito das suas relações com vários outros grupos judaicos normativos, judeus sectários e judeus cristãos, seja representada pelo fato de que, o que em última análise se tornou o cristianismo normativo, foi originalmente, mais uma entre várias tendências cristãs concorrentes. Depois que a tendência "cristão gentio" venceu e o ensino de Paulo foi aceito como expressão da doutrina da Igreja, os grupos cristãos judaicos foram empurrados para a margem e, por fim, excluídos como heréticos. Sendo rejeitados tanto pelo judaísmo normativo quanto pela Igreja, eles finalmente desapareceram. No entanto, várias seitas judaico-cristãs (como os nazarenos, os ebionitas, os elcasaitas e outros) existiram durante algum tempo, e algumas delas parecem ter perdurado por vários séculos. Algumas seitas viam em Jesus principalmente um profeta e não o "Cristo", outras parecem ter acreditado nele como o Messias, mas não tiraram as conclusões cristológicas e outras que posteriormente se tornaram fundamentais no ensino da Igreja (a divindade do Cristo, concepção trinitária da Divindade, revogação da Lei). Após o desaparecimento das primeiras seitas cristãs judaicas e o triunfo do cristianismo gentio, tornar-se cristão significava, para um judeu, apostatar e abandonar a comunidade judaica. 
  13. a b c d e f Werblowsky, R. J. Zwi (1987). «Messianism: Jewish Messianism». encyclopedia.com. Consultado em 7 de maio de 2024Da The Encyclopedia of Religion editada por Mircea Eliade, Nova Iorque, Macmillan Publishing Company, 1987. Vol. 5, pp. 472-477; bibliografia revisada 
  14. Ver Aryeh Kaplan: «The Real Messiah A Jewish Response to Missionaries» (PDF). Consultado em 7 de maio de 2024. Cópia arquivada (PDF) em 29 de maio de 2008 
  15. Sanders, E. P. (1992). Judaism: Practice and Belief, 63 BCE-66 CE (PDF). London, Philadelphia: SCM Press, Trinity Press International. p. 296 – via WordPress 
  16. Boyarin 2012.
  17. Knohl 2000.
  18. Avery-Peck 2005, p. 91–112.
  19. Schäfer 2012, p. 235–238.
  20. Talmud Sanhedrin 98a. [S.l.: s.n.] 
  21. Maimônides, Mishné Torá (Hil. Melakhim, capítulo 11)
  22. a b «Jewish Eschatology». Jewish Encyclopedia. Consultado em 8 de maio de 2024 
  23. Souza, José Neivaldo (2020). «DÊUTERO-ISAÍAS: ENTRE DESOLAÇÃO E CONSOLAÇÃO». Perspectiva Teológica. Consultado em 8 de maio de 2024 
  24. a b c Werblowsky, R. J. Zwi (1987). «Messianism: Jewish Messianism». Encyclopedia.com. Consultado em 9 de maio de 2024Da The Encyclopedia of Religion editada por Mircea Eliade, Nova Iorque, Macmillan Publishing Company, 1987. Vol. 5, pp. 472-477; bibliografia revisada 
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  28. VanderKam 2003, p. 135.
  29. Dugan, Elena (2021). «The Nature of the Beast: The Animal Apocalypse(s) of Enoch» (em inglês). Princeton University 
  30. VanderKam 2003, p. 134–135.
  31. VanderKam 2003, p. 137.

Ligações externas[editar | editar código-fonte]

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