Mihna

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A Mihna (em árabe: محنة - "julgamento" ou "teste") se refere à inquisição instituída primeiramente pelo califa abássida Almamune em 833, na qual acadêmicos religiosos foram presos, punidos e mortos se não concordassem com a doutrina de que o Corão era algo criado. Esta política durou quinze anos (833-848), avançando pelos governos de Almotácime e Aluatique, além de dois anos no governo de Mutavaquil, que foi quem a revogou em 848 (ou, possivelmente, em 851).

O incidente foi importante por que encerrou as pretensões do califa de decidir assuntos sobre a ortodoxia religiosa e também por ser um dos raros casos de perseguição especificamente religiosa no Islã medieval.[1]

Sob Almotácime[editar | editar código-fonte]

Almamune morreu em 833, mas a sua política religiosa foi mantida pelo seu sucessor, Almotácime. Neste mesmo ano, o famoso erudito religioso Amade ibne Hambal foi questionado sobre suas crenças, ao que ele respondeu que o Corão era “não criado”. O califa o depôs, prendeu-o e mandou açoitá-lo até que Ahmad desmaiasse. Porém, o povo de Bagdá ameaçou se revoltar ao saber da notícia do religioso e Almotácime mandou soltá-lo.[2] O califa se dedicou depois à construção de sua nova capital em Samarra e com suas campanhas militares, tratando a Mihna como nada mais do que uma formalidade jurídica (o testemunho de uma pessoa que respondesse de forma negativa à pergunta seria inadmissível num julgamento).[3]

As fontes orientais divergem sobre se ibne Hambal teria cedido sob tortura. De acordo com a tradição sunita, ele aguentou a pressão e, por isso, ele é considerado um herói da ortodoxia religiosa.[2]

Resultado[editar | editar código-fonte]

É importante notar que, no Islã clássico, eram as pessoas e não o califado que se dedicavam à missão de desenvolver as várias ciências, incluindo o direito. Ou seja, a lei, ao contrário do que acontece nos estados modernos, não era atribuição exclusiva do estado. Na realidade, os ulemás a desenvolveram conscientemente contra o estado.[4] Desde o princípio, a ordem religiosa no Islã clássico era distinta da ordem política. A semi-autonomia dos acadêmicos resultaram no interessante fenômeno da emergência de diferentes - e, em alguns casos, diametralmente opostas - escolas de jurisprudência - todas consideradas islamicamente válidas e autênticas. A Mihna, em seu contexto, reflete a frustração do califa com a poderosa e influente cultura jurídica. Ela durou quinze anos e terminou por definir mais claramente os domínios religiosos e políticos, o que não significa que o confronto era a marca principal da relação entre elas. De forma geral, a ordem religiosa funcionava como um colchão entre a ordem política e a população.

Referências

  1. Brill, E.J., ed. (1965–1986). The Encyclopedia of Islam, vol. 7. [S.l.: s.n.] pp. 2–4 
  2. a b Brill, E.J., ed. (1965–1986). The Encyclopedia of Islam, vol. 7. [S.l.: s.n.] 3 páginas 
  3. Brill, E.J., ed. (1965–1986). The Encyclopedia of Islam, vol. 7. [S.l.: s.n.] 4 páginas 
  4. Jackson, 2002

Bibliografia[editar | editar código-fonte]

  • Cooperson, Michael (2005). Al-Ma'mun (Makers of the Muslim World). Oxford, England: Oneworld Publications. ISBN 978-1-85168-386-4 
  • Ess, J. V. (2006). The Flowering of Muslim Theology. USA: Harvard University Press. ISBN 978-0-674-02208-9 
  • Hurvitz, N. (2001). «Mihna as Self-Defense». Studia Islamica. 92: 93–111 
  • Jackson, S. A. (2002). «Jihad and the Modern World». Journal of Islamic Law and Culture. 7 (1): 1–26 
  • Nawas, J. A. (1994). «A Rexamination of Three Current Explanations for al-Ma'mun's Introduction of the Mihna». International Journal of Middle East Studies. 26 (4): 615–629. doi:10.1017/S0020743800061134 
  • Nawas, J. A. (1996). «The Mihna of 218 A.H./833 A. D. Revisited: An Empirical Study». Journal of the American Oriental Society, Vol. 116, No. 4. Journal of the American Oriental Society. 116 (4): 698–708. JSTOR 605440. doi:10.2307/605440