Movimento de Libertação das Mulheres

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 Nota: Este artigo é sobre o grupo feminista de Portugal. Para o alinhamento político feminino, veja Movimento de libertação das mulheres.

O Movimento de Libertação das Mulheres foi um grupo feminista em Portugal de luta pelo direito à igualdade de oportunidades e contra a discriminação de género, fundado a 7 de maio de 1974 por Maria Teresa Horta e Maria Isabel Barreno.

História[editar | editar código-fonte]

Antecedentes[editar | editar código-fonte]

Durante o Estado Novo, o Código Civil determinava que a mulher não podia votar e que as profissões de juíza, diplomata, militar ou polícia lhe estavam vedadas. Se fosse telefonista ou enfermeira, não lhe era permitido casar. Era obrigatória a autorização do marido para poder trabalhar no comércio, sair do país, abrir conta bancária ou tomar contraceptivos, e ganhava quase metade do salário pago aos homens.[1][2]

A criação do MLM em Portugal está ligada ao processo judicial em torno da obra Novas Cartas Portuguesas (1972) e à solidariedade em torno das três escritoras Maria Teresa Horta, Maria Isabel Barreno e Maria Velho da Costa. O "Processo das Três Marias", resultado da censura ao livro, acusava as escritoras do crime de ofensas à moral. A 7 de maio de 1974, dia da leitura da sentença de absolvição, Maria Teresa Horta e Maria Isabel Barreno anunciaram a fundação do Movimento pela Libertação das Mulheres (MLM), à porta do Tribunal da Boa-Hora, em Lisboa.[2][3][4][5][6] [7]

Ação[editar | editar código-fonte]

O objectivo do grupo era lutar contra todas as formas de opressão da mulher e de discriminação sexista.[8]

Os primeiros encontros informais abriram espaço para a discussão de problemas que afectavam cada participante e as mulheres em geral. Discutiram as discriminações laborais, o desprezo pelo papel da doméstica, a sexualidade e a procriação impostas pelo discurso patriarcal, a maternidade, o aborto e os anticoncepcionais. [5]

O espaço de debate permitiu às participantes viverem um processo de auto-consciencialização: o MLM adoptou este tipo de prática com o objectivo de permitir que as activistas partilhassem os seus problemas pessoais de forma a compreenderem que estes eram, muitas vezes, semelhantes aos da maioria das mulheres. Em meados de Abril de 1975, o grupo arranjou um lugar fixo para desenvolver as suas reuniões e actividades. Fundam então a sede na Avenida Pedro Álvares Cabral, em Lisboa. [5]

Formaram cinco grupos para desenvolverem as acções de uma forma concertada: Grupo para a Imprensa, Grupo Pró-Aborto, Grupo S.O.S., Grupo de Estudos e Grupo Divulgação.[5]

A sua primeira brochura, de 1975, exigia a revisão do Código Civil e o direito a salário igual para trabalho igual, o reconhecimento pelo Estado do trabalho doméstico e creches gratuitas a todas as mulheres.[2]

A 13 de janeiro de 1975, 15 activistas do MLM organizaram uma manifestação no Parque Eduardo VII reivindicando o direito das mulheres a ocuparem o espaço público, contra os símbolos da opressão feminina e denunciando a vida doméstica, o papel da noiva e da mulher enquanto símbolo-sexual. A primeira manifestação feminista em Portugal acabou por ser boicotada por um grupo de homens.[2][3][5][9][10]

O Diário de Notícias reservou o canto inferior direito da primeira página da edição do dia seguinte, informando que «Foram salvos da fogueira os símbolos da opressão feminina».[9]

Legado[editar | editar código-fonte]

O MLM lidou com um contexto de resistência às propostas das feministas portuguesas. A sociedade portuguesa não estava ainda aberta para as questões do feminismo e o movimento não foi bem recebido. No entanto, a sua perseverança persistiu e o MLM constituiu-se contra a vontade de muitos/as apesar de o nível de adesão nunca ter passado das 50 membros.[4][5]

Porém, de acordo com Isabel Télinhos, que representou a mulher símbolo-sexual, a manifestação conseguiu chamar a atenção das mulheres para um papel maior na sociedade, para além da vida doméstica.[2]

Dois meses depois, as ruas de Lisboa encheram-se de milhares de pessoas numa manifestação convocada pelo Movimento Democrático de Mulheres (MDM) e no dia seguinte, o Diário de Notícias escrevia que «As mulheres portuguesas podem e devem ser uma força política». Para esta data, o MLM previra uma conferência de imprensa e uma manifestação, mas foram ambas canceladas.[9]

Contradições internas e divisões enfraqueceram o movimento, e em 1978 já não tinha expressão. Madalena Barbosa considerou no entanto, que este teve grandes repercussões no tecido social, cultural e político português.[2]

A maior e mais radical reivindicação do MLM, a despenalização do aborto, foi continuada por antigas integrantes do MLM. Em 1975, Maria Teresa Horta, Célia Metrass e Helena de Sá Medeiros publicaram o primeiro livro sobre o aborto em Portugal — Aborto, direito ao nosso corpo (Editorial Futura, 360 páginas).[2]

Em 2018, Maria Teresa Horta referiu ainda continuar a ser necessária uma maior consciência feminista e que a luta ainda não tinha terminado.[3]

Referências

  1. Pinto, Filipe; et al. (2014). «Desigualdades entre os homens e as mulheres antes do 25 de Abril. O ideal feminino do Estado Novo». RTP Ensina. Consultado em 27 de abril de 2020 
  2. a b c d e f g Cortez, Rafaela (26 de abril de 2020). «A manifestação feminista que não chegou a acontecer, 45 anos depois» 
  3. a b c Portugal, Rádio e Televisão de. «Fundadora do "Movimento Libertação das Mulheres" diz que é preciso continuar a lutar pela igualdade» 
  4. a b pt, Delas (13 de janeiro de 2017). «Manifestação feminista fez história em 1975». Delas.pt. Consultado em 27 de abril de 2020 
  5. a b c d e f Pena, Cristiana (2008). «A revolução das feministas portuguesas : 1972-1975». Dissertação de Mestrado em Estudos Sobre as Mulheres apresentada à Universidade Aberta. Consultado em 27 de abril de 2020 
  6. Coutinho, Isabel. «Morreu Maria Isabel Barreno, que "foi mais do que uma das 'Três Marias'"» 
  7. Tavares, Maria Manuela Paiva Fernandes (2008). Feminismos em Portugal (1947-2007). Lisboa: Universidade Aberta, Doutoramento em Estudos sobre as Mulheres, Especialidade em História das Mulheres e do Género. p. 203 
  8. «Centro de Documentação 25 de Abril | Universidade de Coimbra» 
  9. a b c Magazine, Notícias (8 de março de 2016). «1975: O dia em que a opressão feminina não ardeu». Notícias Magazine. Consultado em 27 de abril de 2020 
  10. «Manifestação do Movimento de Libertação das Mulheres (Noticiário Nacional)». RTP Arquivos. 14 de janeiro de 1975. Consultado em 27 de abril de 2020 

Ligações externas[editar | editar código-fonte]