O Santeiro do Mangue

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O Santeiro do Mangue é um poema escrito em forma dramática por Oswald de Andrade, um dos grandes nomes do Modernismo brasileiro. O "mangue" no título é uma referência a um "bairro de prostitutas e proxenetas no Rio de Janeiro"[1]. Teve várias redações, mas a final é datada de 15 de setembro de 1950[2].

Histórico[editar | editar código-fonte]

O poema só foi publicado postumamente, muito após sua redação, devido ao teor de crítica cáustico e ao uso de linguagem vulgar[3]. Procurando representar a própria linguagem das prostitutas[4], e tecer uma crítica virulenta contra a prostituição mantida, segundo o autor, pela burguesia e pela religião para assegurar a pureza das famílias legítimas[5], o texto tem um teor tão forte que o fez esperar mais de meio século para ser publicado[6].

Mário da Silva Brito, em sua introdução ao texto publicado pela editora Globo, afirma que uma das primeiras versões manuscritas pelo autor seria datada de 1936, com o título definitivo e um subtítulo "poema para fonola e desenho animado"[7]. Esta versão conteria uma dedicatória sarcástica "às Senhoras Católicas, ao Exército da Salvação e a Murilo Mendes e a Jorge de Lima, na eternidade". De fato, os dois poetas haviam publicado um livro de poemas místicos em conjunto, intitulado Tempo e Eternidade, o que prova que a referência a eles é irônica, conclusão corroborada pela crítica incisiva que o autor faz à religião em O Santeiro do Mangue[7].

Há uma outra versão, datada de 1944, com o título Rosário do Mangue e com o subtítulo "pantomima religiosa em trinta mistérios, um intermezzo e um epitáfio". A dedicatória agora vinha apenas aos dois poetas. Uma versão de 6 de agosto de 1950 foi dada ao autor da introdução neste mesmo ano pelo próprio Oswald, por ocasião de uma entrevista[8]. Já vinha com o subtítulo definitivo de "mistério gozoso em forma de Ópera". Em 1967, Mário Chamie publicou uma versão mimeografada, com a data da redação de 11 de junho de 1950, e uma dedicatória a vários amigos do poeta, a Goethe e a Paul Claudel, além de Murilo Mendes, Jorge de Lima e "as Senhora Católicas, em particular".

Crítica[editar | editar código-fonte]

Ainda em sua introdução, Mário da Silva Brito traça uma relação do poema com uma outra obra de Oswald: Os Condenados, com a diferença de que "em Os Condenados é a carne negociada nas pensões chiques, nos rendez-vous caros"[9], enquanto O Santeiro do Mangue representa a prostituição mais baixa e miserável. O crítico define o texto como "poema libelo, com breves trechos em prosa, ateu e irreligioso, acusa a organização social pela degradação da mulher comprada e pela degradação do homem consumidor de carinhos - ambos termos da mesma sofrida equação do desamor"[10]. Contudo, em sua opinião, "esse poema irregular, cheio de altos e baixos, há de ser examinado e valorizado nas suas passagens esteticamente mais eficazes, nos seus muitos detalhes inventivos e no seu propósito desmistificador, crítico e acusatório de uma dada realidade social"[11]. Jorge Schwartz, em sua referida resenha[1], emite um julgamento semelhante: "Sem chegar a representar um texto síntese da poética oswaldiana, O Santeiro do Mangue sustenta um tom corrosivo da crítica social através da atitude paródica que sempre caracterizou o autor [...]".

Haroldo de Campos propõe uma aproximação do poema com o trecho do Ulisses de James Joyce referente à Circe[12]. Francisco Alvim propõe uma aproximação de O Santeiro do Mangue com uma série de gravuras do mesmo bairro feitas por Lasar Segall. Segundo ele, a composição de Lasar Segall seria mais equilibrada que a de Oswald, embora na obra do poeta prevalecesse a "dinâmica do drama". Menciona igualmente a semelhança com as primeiras obras do autor, em especial o já referido Os Condenados[13]

Personagens[editar | editar código-fonte]

Por ser escrito na forma de drama, o poema se inicia com uma apresentação das personagens:

  • EDULÉIA, prostituta;
  • O HOMEM DA FERRAMENTA;
  • O MARINHEIRO;
  • SEU OLAVO DOS SANTOS;
  • JESUS DAS COMIDAS, com residência no Corcovado;
  • SATÃ; com residência no mundo;
  • O ESTUDANTE MARXISTA;
  • O COMISSÁRIO DE POLÍCIA;
  • Anjos, Anjas, Leoas, Turistas, Cafetões, Gigolôs, Michês, Mulheres de Jerusalém[14].

Referências

  1. a b Jorge Schwartz, na resenha de capa da publicação pela editora Globo: Oswald de Andrade. O santeiro do mangue e outros poemas. São Paulo: Editora Globo, 1991
  2. Oswald de Andrade, op. cit., p. 44
  3. Por exemplo: "Vam fudê vam". Oswald de Andrade, op. cit., p. 23
  4. "A venda me expróra/ O tira me expróra/ A patroa da casa me xinga/ Meu home/ Midánimí". Oswald de Andrade, op. cit., p. 26-27
  5. "Mas o que importa a uma sociedade organizada é possuir e manter o seu esgoto sexual. A fim de que permaneça pura a instituição do casamento. Para que não seja necessário o divórcio. E vigorar a monogamia e a herança. A burguesia precisa do Mangue". Oswald de Andrade, op. cit.. p. 38
  6. "Texto marcado pela censura e pelo impedimento, O Santeiro do mangue (1930-1950) chega, sessenta anos após o início de sua composição, ao conhecimento do grande público", Jorge Schwartz, op. cit.
  7. a b Mário da Silva Brito, "O santeiro do mangue". In Oswald de Andrade, op. cit., p. 9
  8. Mário da Silva Brito, op. cit., p. 11
  9. Idem, p. 12
  10. Idem, p. 13-14
  11. Idem, p. 15
  12. Haroldo de Campos, apud Mário da Silva Brito, op. cit., p. 15
  13. Francisco Alvim, "O 'Mangue' de Segall e Oswald". In Oswald de Andrade, op. cit.
  14. Oswald de Andrade, op. cit., p. 19