Orógeno Araçuaí

Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.

O Orógeno Araçuaí é um orógeno confinado localizado no Brasil, formado entre o Neoproterozoico e o início do Paleozoico durante a amalgamação do supercontinente Gondwana.

O Orógeno Araçuaí ou Faixa de dobramentos Araçuaí foi definido primeiramente pelo professor Fernando Flávio Marques de Almeida em 1977. Este orógeno representa o segmento setentrional da Província Mantiqueira[1] e localiza-se a leste do Cráton do São Francisco, entre os paralelos 15° e 21°S[2] sendo limitado a Norte por este cráton e ao Sul pela Faixa Ribeira.

Durante a década de 1990 obteve-se o resultado de grandes projetos de mapeamento geológico, além de diversos dados como seções estruturais regionais, dados litoquímicos e estudos isotópicos pelos métodos U-Pb, Sm-Nd e Pb-Pb. Este conhecimento foi essencial para a interpretação geotectônica da área e possibilitou a definição do Orógeno Araçuaí.

Com base nesse conhecimento adquirido, na correlação entre as faixas Araçuaí e Congo Ocidental[3][4] e na relação crono-espacial dos conceitos de orógeno e cráton definiu-se o Orógeno Araçuaí-Congo Ocidental (Araçuaí-West-Congo Orogen) para referir o conjunto orogênico neoproterozóico-cambriano contido na grande reentrância delineada pelos crátons do São Francisco e Congo. Nesta conceituação, este orógeno é identificado por um conjunto de componentes geotectônicos que caracterizam um orógeno colisional sucessor de um orógeno acrescionário de margem continental ativa.

Estágios[editar | editar código-fonte]

Os componentes geotectônicos são representados por rochas originadas durante diversos estágios evolutivos, passando desde a bacia precursora até o edifício resultante da orogenia.

Os principais estágios evolutivos da bacia precursora são:

  • Rifte continental com magmatismo bimodal;
  • Margem continental passiva com associação arenito-pelito-carbonato, turbiditos;
  • Oceânico com rochas magmáticas ofiolíticas, sedimentação pelágica;

Os estágios orogênicos são:

  1. Pré-colisional com subducção da litosfera oceânica ativa e geração de arco magmático;
  2. Sin-colisional representando a interação direta entre as partes em colisão, espessamento crustal, fusão parcial e geração de magma tipo S;
  3. Tardi-colisional com escapes laterais e geração de granito tipo S por fusão parcial sob descompressão adiabática;
  4. Pós-colisional com colapso gravitacional, plutonismo tipo I e A2;

Em decorrência da abertura do Atlântico Sul, no Cretáceo, a contraparte Araçuaí herdou dois terços do Orógeno Araçuaí-Congo Ocidental ficando com unidades do rifte-continental, a margem passiva ocidental com restos ofiolíticos, a zona de sutura, o arco magmático e as bacias relacionadas. A Faixa Congo Ocidental guardou espessa pilha vulcano-sedimentar da fase rifte continental, a margem passiva oriental e uma bacia molássica.

Como a contraparte brasileira do Orógeno Araçuaí-Congo Ocidental contém todos os componentes geotectônicos necessários para se caracterizar um orógeno colisional simplifica-se a denominação neste texto para Orógeno Araçuaí[5].

Bacia precursora[editar | editar código-fonte]

A bacia precursora deste orógeno configura um golfo, ensiálico a norte e oceanizado a sul, que desembocaria em amplo oceano.

Estágio Rifte continental[editar | editar código-fonte]

Diversos processos de rifteamento ocorreram no paleocontinente São Francisco-Congo entre o Estateriano e o Toniano, mas nenhum deles foi capaz de romper a litosfera continental na região do futuro Orógeno Araçuaí. Registros destes processos são abundantes no orógeno, e incluem rochas do Supergrupo Espinhaço e da base do Grupo Macaúbas, além de várias suítes magmáticas anorogênicas.

No Criogeniano, novo episódio de rifteamento teve início, durante a glaciacão Sturtiana. Este evento é registrado por magmatismo anorogênico e sedimentação glacial, presentes na Província Alcalina do Sul da Bahia e no Grupo Macaúbas.

Estágio Margem Continental Passiva[editar | editar código-fonte]

O rifte evolui para uma margem passiva, com formação de assoalho oceânico e sedimentação em contexto pós-glacial, registradas por rochas pelíticas, localmente com termos químico-exalativos, e ofiolitos. A bacia oceânica gerada tinha uma geometria confinada, a exemplo do que ocorre hoje com o Mar Vermelho. Os registros do estagio de margem passiva estão presentes no Grupo Macaúbas, Complexo Jequitinhonha, e unidades correlatas.

Os registros de assoalho oceânico[editar | editar código-fonte]

O setor oriental da Formação Ribeirão da Folha inclui sucessão vulcano-sedimentar de assoalho oceânico, caracterizada por pelitos pelágicos (micaxistos peraluminosos ricos em estaurolita, granada, cianita e/ou sillimanita, e cianita-grafita xisto), chert sulfetado (uma rocha rara que sugere depósito de conduto exalativo), formações ferríferas bandadas dos tipos óxido, silicato e sulfeto, e raro orto-anfibolio de granulação fina. Desta forma, a parte distal da Formação Ribeirão representa a seção superior, sedimentar, incluindo parte da seção vulcânica, de uma coluna ofiolítica[6].

Componentes e Estágios Orogênicos[editar | editar código-fonte]

No Orógeno Araçuaí são reconhecidos 4 estágios orogênicos caracterizados pelas relações estruturais entre foliação regional e estruturas locais, assinaturas geoquímicas e isotópicas e idades U-Pb[7][2][8][9].

Estágio Pré-colisional – 630-580Ma[editar | editar código-fonte]

Também denominado estágio acrescionário, durante o qual foi edificado o arco magmático do Orógeno, representado pela Suíte G1 e pelas rochas vulcânicas do Grupo Rio Doce. A Suíte G1 é formada por batólitos e stocks e é composta principalmente por rochas tonalíticas e granodioríticas e apresenta tanto autólitos dioríticos e máficos quanto xenólitos de rochas metassedimentares.

Os corpos dessa suíte apresentam a foliação regional, muitas vezes milonítica, além de estruturas formadas durante a deformação sincolisional.

As rochas da suíte G1 apontam uma assinatura litoquímica e isotópica cálcio-alcalina expandida, híbrida e com contribuição de magmas crustais sobre magmas mantélicos (εNd -5 a -13 e idades modelo TDM 1,2-2,2 Ga). Tal assinatura representa um arco magmático de margem continental ativa de idade 630Ma a 585Ma[5].

Na base do Gr. Rio Doce[10][11] ocorrem rochas vulcânicas de composição dacítica e assinatura geoquímica de arco vulcânico continental, com idades de cristalização magmática (zircão, U-Pb LA-ICPMS e TIMS) de 585Ma. Foram interpretadas como preenchimento de bacias intra e ante arco no estágio tardio do desenvolvimento do arco magmático.

Na porção proximal da bacia de retro arco, ocorre a Fm. São Tomé, recobrindo as vulcânicas e é responsável pela contribuição sedimentar do arco (595Ma). Na porção distal da bacia de retro-arco ocorrem os paragnaisses de protólito pelítico grauvaquiano, com assinatura de fonte sedimentar em arco magmático com intercalações calcissilicática do Complexo Nova Venécia.[12][13].

Estágio sin colisional 580-560Ma[editar | editar código-fonte]

Apresenta granitogênese do tipo S (582-560Ma) e deformação e metamorfismo regional[14][7][2][9]. Durante a colisão foram desenvolvidas as feições dos dobramentos e empurrões com sentido para oeste, contra o Cráton do São Francisco e com sentido para leste, contra o Cráton do Congo.

Em termos gerais, o metamorfismo cresce de oeste para leste e de norte a sul, desenvolvendo os minerais metamórficos com aumento sucessivo de temperatura, desde as fácies xisto verde baixo nas proximidades do Cráton, até as fácies granulito no núcleo orogenético[15][7][2]. A quantificação dos dados metamórficos, realizados através de análises geotermobarométricas apontam 530-600°C e 5,5kbar na Fm. Ribeirão da Folha[16][17], 470-640°C a 4,5-5kbar no Gr. Rio Doce e 770-930°C a 5-7kbar nos complexos Jequitinhonha e Nova Venécia[18]. Na Fm Salinas há uma zona de baixa pressão, com temperaturas variando de 450-650°C[19][20].

A granitogênese do tipo S é representada pela suíte G2, composta por granitos peraluminosos com granada sempre presente e cordierita e/ou sillimanita frequentes, além de granito duas micas e granodiorito granatífero subordinados. Xenólitos são comuns. Os corpos da suíte G2 são batólitos e stocks que registram a deformação regional pela foliação, por vezes milonítica e usualmente paralela à orientação do fluxo ígneo[14][21][7][2].

Ocorrem também nos interiores dos batólitos, porções indeformadas, apontando mesma idade de cristalização que as deformadas sugerindo a petrogênese sindeformacional. Dados geotermobarométricos apontam o desenvolvimento da foliação dúctil entre 640 e 680°C e dados de idade U-Pb apontam formação em torno de 575Ma[13][22][23].

Tardi colisional 560-530[editar | editar código-fonte]

Esse período foi responsável pela formação da Suíte G3, formada por granitos de tipo S, sendo tipicamente leucogranitos com granada e/ou cordierita, pobres em mica e sem traço da foliação regional, com idades U-Pb apontando a cristalização magmática no intervalo entre 545 e 520Ma[24][9].

As feições petrográficas e estruturais da Suíte G3 indicam uma procedência derivada da fusão parcial dos granitos da suíte G2, ocorrido após o desenvolvimento da foliação regional. Esse processo está evidenciado pelas relações de corte e superposição de G3 sobre G2, além de restos não fundidos de G2 em G3[13].

Dados da Geotermobarometria indicam temperatura de cristalização superior a G2, a cerca de 815°C a 5kbar. Zircões com núcleos herdados evidenciam heranças de fontes paragnáissicas, com idades entre 630Ma e 850Ma[5].

Pós colisional 530-490Ma[editar | editar código-fonte]

Nessa fase, os eventos deformacionais e o plutonismo estão associados ao colapso gravitacional do Orógeno Araçuaí[7][2]. Nesse período, foram geradas as suítes G4 e G5, que são plútons intrusivos sem foliação regional, responsáveis pela geração dos distritos pegmatíticos de onde são mineradas gemas e minerais industriais[2].

A suíte granítica G4 é do tipo S e formada majoritariamente por granitos duas micas, de idade 535 a 500Ma[5], e é considerada a porção superior e mais hidratada do magma, em relação ao magma da suíte G3, pela presença das duas micas e dos minerais de lítio[25][13][26].

A suíte G5 é do tipo I e A2, cálcio-alcalino rico em potássio e ferro, com composição granítica ou charnokítica, com assinaturas isotópicas de Sm-Nd e Rb-Sr evidenciando misturas de magmas e fluxo ígneo bem marcado. Essa suíte tem origem entre 520 e 490Ma e está relacionada ao colapso do Orógeno[5].

Referências

  1. M Heilbron, Geologia do Continente Sul-Americano, Cap. Província Mantiqueira, Editora Beca Produções Culturais, p. 203-234 2004
  2. a b c d e f g Antônio Pedrosa-Soares, The Araçuaí–West Congo orogen in Brazil: An overview of a confined orogen formed during Gondwanland assembly, Precambrian Research, 110: 307-323, 2001
  3. B Brito Neves, Tectonic evolution of South America during the Late Proterozoic, 1991
  4. R. Trompette, Geology of Western Gondwana (2000-500 Ma). Pan-African-Brasiliano aggregation of South America and Africa, 1994
  5. a b c d e Antônio Pedrosa-Soares Orógeno Araçuaí: síntese do conhecimento 30 anos após Almeida 1977 Geonomos 15, 2007
  6. M. Suita Complexos Ofiolíticos do Brasil e a Metalogenia Comparada das Faixas Araçuaí e Brasília. In: Pereira, E. (org.), Complejos Ofiolíticos en Iberoamérica. Madrid, CYTED, p. 101-132, 2004
  7. a b c d e A. Pedrosa-Soares, C. Wiedemann-Leonardos, Evolution of the Araçuaí Belt and its connection to the Ribeira Belt, Eastern Brazil, Tectonic Evolution of South America. São Paulo, Sociedade Brasileira de Geologia, p. 265-285, 2000
  8. A. Pedrosa-Soares, Similarities and differences between the Brazilian and African counterparts of the Neoproterozoic Araçuaí-West-Congo orogen Geological Society, London, Special Publications, 294p., 2008
  9. a b c L. Silva The Neoproterozoic Mantiqueira Province and its African connections, Precambrian Research, 136: p. 203-240, 2005
  10. V. Vieira. Significado do Grupo Rio Doce no Contexto do Orógeno Araçuaí. Belo Horizonte, IGC-UFMG, Tese de Doutorado, 2007
  11. V. Vieira, et al. Significado do Grupo Rio Doce no Contexto do Orógeno Araçuaí. In: Simpósio de Geologia do Sudeste, 10, Diamantina. SBG-MG, Resumos, 2007
  12. Noce et al. Ages of sedimentation of the kinzigitic complex and of a late orogenic thermal episode in the Araçuaí orogen, northern Espírito Santo State, Brazil: Zircon and monazite U-Pb SHRIMP and ID-TIMS data. Revista Brasileira de Geociências, 349: p. 587-592, 2004
  13. a b c d A. Pedrosa-Soares et al. Magmatismo e Tectônica do Orógeno Araçuaí no Extremo Leste de Minas Gerais e Norte do Espírito Santo. Geonomos, 14 (2): p.97-111. 2006
  14. a b Nalini et al. Syncollisional peraluminous magmatism in the Rio Doce region: mineralogy, geochemistry and isotopic data of the Urucum suite (eastern Minas Gerais State, Brazil) Revista Brasileira de Geociências, 30: p. 120-125, 2000
  15. F. Almeida et al. A Faixa de Dobramentos Araçuaí na região do Rio Pardo, Congresso Brasileiro de Geologia, 30, Recife. SBG, Anais, v. 1, p. 270-283, 1978
  16. A. Pedrosa-Soares et al., Potencial aurífero do Vale do Araçuaí, Minas Gerais: história da exploração, geologia e controle tectono-metamórfico, Brasília, IG-UnB, Tese de Doutorado, 1995
  17. Queiroga et al. A unidade metassedimentar do ofiolito de Ribeirão da Folha, Orógeno Araçuaí, Minas Gerais: petrografia, geotermobarometria e calcografia. Geonomos, 14 (1): p.25-35, 2006
  18. Munhá et al. Petrologia e termocronologia de gnaisses migmatíticos da Faixa de Dobramentos Araçuaí(Espírito Santo, Brasil). Revista Brasileira de Geociências, 35: p.123-134, 2005
  19. Costa Evolução petrológica para uma sequência de rochas metamórficas regionais do tipo baixa pressão, Itinga, NE-MG. Revista Brasileira de Geociências, 19: p.440-448, 1989
  20. A. Pedrosa-Soares et al. Duplo regime metamórfico na Faixa Araçuaí: Uma reinterpretação à luz de novos dados. In: Congresso Brasileiro de Geologia, 39, Salvador. SBG, Anais, v. 6, p. 5-8, 1996
  21. Celino et al. Genesis of Neoproterozoic Granitoid Magmatism in the Eastern Araçuaí Fold Belt, Eastern Brazil: Field, Geochemical and Sr-Nd Isotopic Evidence. Revista Brasileira de Geociências, 30: p.135-139, 2000
  22. Roncato et al. Heterogeneidade deformacional da Suíte Carlos Chagas (Orógeno Araçuaí) e a idade U-Pb SHRIMP do Giallo Veneziano In: Simpósio de Geologia do Sudeste, 10, Diamantina. SBGMG, Resumos, 2007
  23. Vauchez et al. Deformation of a pervasively molten middle crust: insights from the Neoproterozoic Ribeira-Araçuaí orogen (SE Brazil). Terra Nova, 19: p.278-286, 2007
  24. Whittington et al. Collapse and melting in a confined orogenic belt: Preliminary results from the Neoproterozoic Araçuaí belt of eastern Brazil. In: American Geophysical Union Meeting, San Francisco. Abstract T32B-0895, v. 82, p.1181-1182, 2001
  25. Pedrosa-Soares et al. 'Metasomatic evolution of granites, northeast Minas Gerais, Brazil. Revista Brasileira de Geociências, 17: p.512-518, 1987
  26. Correia-Neves et al. A Província Pegmatitica Oriental do Brasil à luz dos conhecimentos atuais. Revista Brasileira de Geociencias, 16 (1): p.106-118, 1986