Podão de guerra

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Os podãos de cabo longo foram muito comuns da Itália, onde davam pelo nome de roncola
Os podãos de guerra franceses davam pelo nome de serpe de guerre ou anicroche

O podão de guerra[1] é uma arma de haste medieval plebeia, empunhada pela infantaria, que se traduz numa adaptação bélica do podão,[2] um utensílio agrícola, constituído por uma lâmina semicircular de foice, de gume na face côncava, que se usa em vindimas e na poda de árvores.

Há exemplares destas armas datados já do século XII, sendo que os períodos de maior popularidade que lhe são reputados se compreendem entre o séc. XIV e finais do séc. XVI.[3]

Feitio[editar | editar código-fonte]

É composta fundamentalmente pela lâmina de um podão- uma espécie de foice pequena, com gume côncavo - encastrada na ponta de uma haste de madeira com um metro e oitenta a dois metros e setenta de comprimento.[4]

O formato da lâmina é alusivo a um gancho, o que depois se reflecte nos nomes que esta arma assumiu em inglês (bill hook,[5] bico de gancho) e em francês (anicroche,[6] ganchinho).[7]

Houve muitas variedades de podãos de guerra, que alternavam no seu feitio dependendo da região e do período histórico. Os podãos de guerra ingleses caracterizavam-se pela haste curta, ao passo que os podãos de guerra italianos, chamados roncolas[7] (foice grande[8]), encabavam em hastes bastante compridas.[9]

A partir do séc. XV, o podão de guerra começa a ser substituído pela bisarma, pelo que, na fase de transição, surge uma espécie de arma híbrida, que está a meio termo entre o podão de guerra e a bisarma, a qual foi crismada em Portugal de podão-bisarma.[10]

Utilização[editar | editar código-fonte]

As vantagens oferecidas pelo podão de guerra, face a outras armas de haste, consubstanciavam-se na combinação do poder percussivo, análogo ao de um machado de guerra, com a capacidade de engatar e empecer os cavaleiros.[11] Com efeito, a infantaria plebeia, munida dos podãos de guerra, encontrava-se de feição para conseguir aproveitar-se das brechas e fendas nas armaduras dos cavaleiros, por molde a engancharem as lâminas dos podãos nelas, arrancando-as do corpo do cavaleiro ou mesmo derrubando-o da cavalgadura abaixo.[9]

Por igual, as tropas munidas com podão de guerra também gozavam de uma posição privilegiada, no que tocava ao combate com infantaria pesada, porquanto se podiam servir das lâminas em forma de gancho do podão para tornear as placas metálicas das armaduras e perfurar os inimigos.[10]

O podão de guerra permitia ainda jarretar as pernas das cavalgaduras,[12] o que, por um lado, tinha um grande potencial para prostrar o cavaleiro, podendo deixá-lo numa posição de grande vulnerabilidade, bem como, por outro lado, tinha o efeito de anular o poder de deslocação da cavalaria ligeira, que deixava de poder contar com as cavalgaduras.

História[editar | editar código-fonte]

O podão de guerra já tinha sido usado pelos víquingues e pelos anglo-saxões, pelo que o seu uso se arrastou até ao séc. XVI, havendo casos pontuais em que ainda conheceu alguma utilização já no séc. XVIII.[13] A par do arco longo, é tido como uma arma icónica da história militar inglesa, sendo certo que também gozou de particular popularidade em Itália.[14] No que toca ao feitio e às funções desempenhadas, o podão de guerra assemelha-se à alabarda.[15]

Na batalha de Flodden, em 1513, houve um defronto clássico e emblemático entre os piqueiros escoceses e as infantaria inglesa, munida de podãos de guerra,[16] sendo que houve cronistas da época, nomeadamente o bispo Ruthall, que enalteceram expressamente a supremacia técnica dos podãos de guerra ingleses face aos piques escoceses.[17]

Na rebelião irlandesa de Ulster, em 1798, os revolucionários usaram podãos de guerra contra os ingleses.[18]

Referências

  1. M. C. Costa, António Luiz (2015). Armas Brancas- Lanças, Espadas, Maças e Flechas: Como Lutar Sem Pólvora Da Pré-História ao século XXI. São Paulo: Draco. p. 118. 176 páginas 
  2. S.A, Priberam Informática. «podão». Dicionário Priberam. Consultado em 17 de julho de 2021 
  3. «George Silver's Paradoxes of Defence, 1598». www.thearma.org. Consultado em 17 de julho de 2021 
  4. Demmin, Auguste (2018). Die Kriegswaffen in ihrer historischen Entwickelung von der Steinzeit bis zur Erfindung des Zündnadelgewehrs. Ein Handbuch der Waffenkunde. Leipzig: Wentworth Press. pp. 642–644. ISBN 0274886022 
  5. «Definition of BILLHOOK». www.merriam-webster.com (em inglês). Consultado em 25 de julho de 2021 
  6. Larousse, Éditions. «Définitions : anicroche - Dictionnaire de français Larousse». www.larousse.fr (em francês). Consultado em 17 de julho de 2021 
  7. a b M. C. Costa, António Luiz (2015). Armas Brancas- Lanças, Espadas, Maças e Flechas: Como Lutar Sem Pólvora Da Pré-História ao século XXI. São Paulo: Draco. p. 118. 176 páginas  «O podão de guerra (inglês bill, italiano roncone, francês anicroche, alemão Hippe)»
  8. «Roncola: Definizione e significato di roncola - Dizionario italiano - Corriere.it». dizionari.corriere.it. Consultado em 17 de julho de 2021 
  9. a b Demmin, Auguste (2020). Die Kriegswaffen in ihrer historischen Entwicklung. Wienn: Inktank Publishing. p. 453. 644 páginas. ISBN 3747740588 
  10. a b Callender dos Reis, Josué (30 de junho de 1961). «QUESTÕES PEDAGÓGICAS - NOÇÕES DA ARTE DA ARMARIA». Revista de História: 214. doi:10.11606/issn.2316-9141.rh.1961.121520 
  11. «George Silver, Paradoxes of Defense (1599)». www.thearma.org. Consultado em 25 de julho de 2021 
  12. Martins, M. G. (2014). A arte da guerra em Portugal: 1245 a 1367. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra. 571 páginas 
  13. Demmin, Auguste (2018). Die Kriegswaffen in ihrer historischen Entwickelung von der Steinzeit bis zur Erfindung des Zündnadelgewehrs. Ein Handbuch der Waffenkunde. Leipzig: Wentworth Press. 642 páginas. ISBN 0274886022 
  14. Demmin, Auguste (2018). Die Kriegswaffen in ihrer historischen Entwickelung von der Steinzeit bis zur Erfindung des Zündnadelgewehrs. Ein Handbuch der Waffenkunde. Leipzig: Wentworth Press. pp. 642–3. ISBN 0274886022 
  15. Demmin, Auguste (2018). Die Kriegswaffen in ihrer historischen Entwickelung von der Steinzeit bis zur Erfindung des Zündnadelgewehrs. Ein Handbuch der Waffenkunde. Leipzig: Wentworth Press. 644 páginas. ISBN 0274886022 
  16. Lesley, John (1895). Historie of Scotland 1578, vol. 2. Dalrymple: Scottish Text Society. p. 145 
  17. Macdougall, Norman (1997). James IV (em inglês). [S.l.]: Tuckwell. pp. 274–5  «Bishop Ruthall reported to Thomas Wolsey "the bills disappointed the Scots of their long spears, on which they relied".»
  18. Stewart, A. T. Q (1995). The Summer Soldiers. The 1798 rebellion in Antrim and Down. Belfast: The Blackstaff Press. 215 páginas. ISBN 0-85640-558-2