Privilégio cristão

Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.

Privilégio cristão é uma vantagem social que é concedida aos cristãos em qualquer sociedade historicamente cristã. Isso surge da presunção de que a crença cristã é uma norma social, o que leva à marginalização dos não religiosos e membros de outras religiões por meio de discriminação religiosa institucional ou perseguição religiosa. O privilégio cristão também pode levar à negligência do patrimônio cultural e das práticas religiosas de pessoas de outros lugares.[1]

Visão geral[editar | editar código-fonte]

O privilégio cristão é um tipo de privilégio de grupo dominante onde as atitudes e crenças inconscientes ou conscientes dos cristãos são vantajosas para os cristãos em relação aos não cristãos.[2] Exemplos incluem opiniões de que crenças não cristãs são inferiores ou perigosas, ou que aqueles que aderem a crenças não cristãs são amorais, imorais ou pecaminosos. Tais preconceitos permeiam as instituições sociais, são reforçados pela sociedade em geral e têm evoluído como parte de sua história.[3]

Lewis Z. Schlosser[4] observa que a exposição dos privilégios cristãos quebra um "tabu sagrado", e que "existem pressões sutis e óbvias para assegurar que esses privilégios continuem a ser do domínio exclusivo dos cristãos. Esse processo é comparável ao modo como brancos e homens, segundo muitos, continuam (consciente e inconscientemente) a garantir o privilégio de seus grupos raciais e de gênero".[4]:47

Nos Estados Unidos, as principais denominações protestantes brancas têm maiores graus de privilégio do que as denominações cristãs minoritárias. Tais grupos incluem igrejas afro-americanas, cristãos hispânicos e latinos, amish, menonitas, quacres, adventistas do sétimo dia, testemunhas de Jeová, adeptos da Igreja Ortodoxa Oriental, cientistas cristãos, mórmons e, em alguns casos, católicos.[1]

Quando grupos dominantes dentro das sociedades colocam normas e perspectivas culturais cristãs em indivíduos com diferentes pontos de vista, essas pessoas são às vezes consideradas, em termos de justiça social, oprimidas.[2] Essas normas podem ser impostas "a instituições por indivíduos e a indivíduos por instituições".[2]:19 Essas normas sociais e culturais definem questões relacionadas ao bem e ao mal, à saúde e à doença, à normalidade e ao desvio e à ética normativa de uma pessoa.

Hegemonia cristã[editar | editar código-fonte]

O conceito de hegemonia[5] descreve as formas pelas quais um grupo dominante, neste caso principalmente cristãos, dissemina suas construções sociais dominantes como senso comum, normativas, ou mesmo universais, ainda que a maioria dos habitantes do mundo não seja cristã.[6] A hegemonia cristã também aceita o cristianismo como parte da ordem natural, mesmo às vezes por aqueles que são marginalizados, destituídos de poder ou tornados invisíveis por ele.[7] Assim, a hegemonia cristã ajuda a manter a marginalidade de outras religiões e crenças. De acordo com Beaman,[8] "a oposição binária da mesmice/diferença se reflete na religião protestante/minoritária na qual o protestantismo dominante é representativo do 'normal'"[8]:321

O filósofo francês, Michel Foucault, descreveu como a hegemonia de um grupo dominante avança por meio de "discursos".[9] Os discursos incluem as ideias, expressões escritas, fundamentos teóricos e linguagem da cultura dominante. Segundo Foucault, os discursos dos grupos dominantes permeiam as redes de controle social e político, que ele chamou de "regimes de verdade",[9]:133 e que funcionam para legitimar o que pode ser dito, quem tem autoridade para falar e ser ouvido, e o que é autorizado como verdadeiro ou como verdade.

Disseminação[editar | editar código-fonte]

O privilégio cristão no nível individual ocorre no proselitismo de converter ou reconverter não cristãos ao cristianismo.[3] Enquanto muitos cristãos veem o proselitismo como uma oferta do presente de Jesus aos não cristãos, alguns não crentes e pessoas de outras religiões podem ver isso como uma imposição, manipulação ou opressão.[4]

Instituições sociais — incluindo, mas não se limitando a órgãos educacionais, governamentais e religiosos — muitas vezes mantêm e perpetuam políticas que explicitamente ou implicitamente privilegiam e tornam invisíveis outros grupos com base na identidade social e status social.[2]

As formas evidentes de opressão, quando um grupo dominante tiraniza um grupo subordinado, por exemplo apartheid, escravidão e limpeza étnica, são óbvias. No entanto, o privilégio do grupo dominante não é tão óbvio, especialmente para membros de grupos dominantes.[3] A opressão em seu sentido mais amplo refere-se a restrições estruturais ou sistêmicas impostas a grupos, mesmo dentro de democracias constitucionais, e suas "causas estão embutidas em normas, hábitos e símbolos inquestionáveis, nas suposições subjacentes às regras institucionais e nas consequências coletivas de seguir essas regras".[10]

A dominação cristã é facilitada por sua relativa invisibilidade e, por causa dessa invisibilidade, não é analisada, examinada ou confrontada.[3] A dominância é percebida como "normal". Por exemplo, alguns simbolismos e rituais associados a feriados religiosos podem parecer livres de religião. No entanto, essa mesma secularização pode fortalecer o privilégio cristão e perpetuar a hegemonia cristã, tornando mais difícil reconhecer e, assim, contornar os requisitos constitucionais para a separação entre religião e governo.[3]

Privilégio cristão e opressão religiosa existem em uma relação simbiótica. A opressão aos não cristãos dá origem ao privilégio cristão, e o privilégio cristão mantém a opressão aos indivíduos e comunidades de fé não cristãos.[3]

Críticas[editar | editar código-fonte]

De acordo com Schlosser,[4] muitos cristãos rejeitam a noção de que eles têm algum privilégio alegando que todas as religiões são essencialmente as mesmas. Assim, eles não têm mais nem menos benefícios concedidos a eles do que os membros de outras comunidades de fé. O autor estadunidense Joshi Blumenfeld[3] observa objeções que alguns de seus estudantes universitários levantam quando discutem o privilégio cristão como estando relacionado com a celebração de feriados cristãos. Os alunos, observa ele, afirmam que muitas das celebrações e decorações nada têm a ver com religião em si, e não representam o cristianismo, mas sim fazem parte da cultura americana — no entanto, isso pode ser considerado mais um exemplo de privilégio.[carece de fontes?]

No Estados Unidos, estudiosos e juristas debatem o escopo exato da liberdade religiosa protegida pela Primeira Emenda. Não está claro se a emenda exige que as minorias religiosas sejam isentas de leis neutras e se a cláusula do livre exercício exige que o Congresso isente os pacifistas religiosos do alistamento nas forças armadas. No mínimo, proíbe o Congresso de, nas palavras de James Madison, obrigar "os homens a adorar a Deus de qualquer maneira contrária à sua consciência".[11]

Ver também[editar | editar código-fonte]

Referências

  1. a b Blumenfeld, W. J. (2006). «Christian privilege and the promotion of "secular" and not-so "secular" mainline Christianity in public schooling and in the larger society». Equity and Excellence in Education. 39 (3): 195–210. doi:10.1080/10665680600788024 
  2. a b c d Hardiman, R.; Jackson, B. (1997). «Conceptual foundations for social justice courses». In: Adams; Bell; Griffin. Teaching for diversity and social justice. New York: Routledge. pp. 16–29 
  3. a b c d e f g Blumenfeld; Joshi; Fairchild, eds. (2009). Investigating Christian privilege and religious oppression in the United States. Rotterdam, Netherlands: Sense Publishers 
  4. a b c d Schlosser, L. Z. (2003). «Christian privilege: Breaking a sacred taboo». Journal of Multicultural Counseling and Development. 31 (1): 44–51. doi:10.1002/j.2161-1912.2003.tb00530.x 
  5. Gramsci, Antonio (1971). Selections from the prison notebooks. New York: International 
  6. Smith, D. J.; Harter, P. M. (2002). If the world were a village: A book about the world's people. Stanford, CA: Stanford University Press 
  7. Tong, R. (1989). Feminist thought: A comprehensive introduction. Boulder, CO: Westview Press. (pede registo (ajuda)) 
  8. a b Beaman, L. G. (2003). «The myth of pluralism, diversity, and vigor: The constitutional privilege of Protestantism in the United States and Canada». Journal for the Scientific Study of Religion. 42 (3): 311–325. doi:10.1111/1468-5906.00183 
  9. a b Foucault, Michel (1980). The history of sexuality, Part 1. New York: Vintage Books 
  10. Young, I. M. (1990). Justice and the politics of difference. Princeton, NJ: Princeton University Press. (pede registo (ajuda)) 
  11. Dreisbach and Hall, Sacred Rights, p. 427.

Ligações externas[editar | editar código-fonte]