Questão Netto

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Questão Netto

Imagem do processo onde é possível ler o nome de Luís Gama no canto inferior esquerdo.
Local do crime Brasil
Data entre 1870 e 1872
Tipo de crime crime por escravizar cativos já declaradas livres
Vítimas 217 escravos
Réu(s) familiares e ex-sócios de Manoel Joaquim Ferreira Netto
Local do julgamento Fórum de Santos e Supremo Tribunal de Justiça no Rio de Janeiro
Situação Liberdade total dos escravos depois de 1878

Questão Netto foi a maior ação coletiva de libertação de escravizados das Américas. A ação judicial é referente a libertação de 217 escravos em terras brasileiras na década de 1870.[1][2][3]

Antecedentes[editar | editar código-fonte]

Manoel Joaquim Ferreira Netto, um fidalgo português com muitas posses no Brasil, determinou, em seu testamento de morte, que depois de sua desencarnação, todos os seus escravos fossem libertados, o que na época se chamava "alforria post mortem". Sua morte ocorreu em 5 de abril de 1868, porém seu pedido, lavrado em testamento, não foi cumprido.[1][3]

Foi quando o advogado negro e abolicionista Luiz Gama, ao ler uma matéria de jornal em junho de 1869, reportando a disputa judicial dos familiares de Ferreira Netto sobre o espólio do patriarca, interessou-se pela situação dos escravos. Gama descobriu que todos os cativos continuavam na mesma situação anterior a morte de Ferreira Netto.[2][3]

A ação[editar | editar código-fonte]

Luís Gama, o advogado abolicionista que trabalhou no caso

Após uma petição de Luiz Gama no fórum de Santos sobre a situação dos cativos e a confirmação, através de terceiros que os escravos continuam aos serviços dos herdeiros e ex-sócios, o advogado acionou a justiça brasileira para que o direito expresso em testamento de Ferreira Netto fosse cumprido na íntegra[1][3] e realizou um levantamento sobre cada um dos 217 escravos.[1]

Em contrapartida, os herdeiros de Ferreira Netto contrataram o jurista, abolicionista e poeta, José Bonifácio de Andrada e Silva, conhecido como "o moço", para representar seus direitos junto a ação movida por Luiz Gama.[2][3][1]

Em meio ao processo, Gama foi nomeado, pelo juiz da ação, como curador dos "libertandos" (libertandos era como Luiz Gama sempre se referiu aos escravos, palavra esta que o advogado nunca pronunciava).[1][3]

Sob a alegação que os herdeiros estavam cometendo um crime por escravizar pessoas já declaradas livres, Gama obteve êxito junto ao fórum de Santos, quando o juiz determinou a libertação de todos os escravos.[2][3]

Através de uma manobra protelatória de José Bonifácio, a ação correu em outra instância jurídica e assim, a libertação das vítimas foi adiada. Nestas instâncias, a causa pendeu para Gama.[1][3]

Em 1872, a ação chegou ao Supremo Tribunal de Justiça (STJ), no Rio de Janeiro. Nesta corte, a ação foi representada pelo advogado, jornalista e político Saldanha Marinho, pois o STJ não aceitava a atuação do advogado negro fora de São Paulo. Porém, a sustentação final foi elaborada por Luiz Gama.[2][3]

Conclusas[editar | editar código-fonte]

Os ministros do STJ acataram a tese de Luiz Gama/Saldanha Marinho, com ressalvas, quando a liberdade integral dos cativos só poderia acontecer depois de 12 anos da elaboração do testamento. O mesmo foi lavrado em 1866. Ou seja, os cativos tiveram que prestar serviços forçados para os herdeiros do Ferreira Netto até 1878, quando finalmente ficariam livres.[1][3]

Liberdade[editar | editar código-fonte]

Luiz Gama considerou a "liberdade condicional" como um derrota, porém, abolicionistas comemoraram como um vitória, pois nunca, na história do Brasil até então, não ocorrera uma alforria coletiva desta dimensão, assim como, não há registros na história, de uma ação semelhante com um número superior ao caso "Questão Netto" em todo o continente americano.[2][3]

O resultado final foi pouco noticiado no país, pois a maioria da imprensa brasileira era ligada aos fazendeiros escravocratas, portanto, temiam que a repercussão pudesse gerar novos processos.[1][3]

A liberdade total só ocorreu em 1878, no fim do prazo estabelecido pela STJ, porém, dos 217 escravos, somente 130 permaneciam vivos para gozar a liberdade conquistada, exatamente uma década antes da abolição da escravatura no Brasil.[2][3]

Devido a atuação de José Bonifácio em favor da família dona de escravos, a amizade entre ele e Luís Gama foi rompida.[4]

Pesquisa histórica[editar | editar código-fonte]

A documentação referente à Questão Netto foi recuperada no século XXI pelo historiador Bruno Rodrigues de Lima, que realizou seu doutorado em História e Teoria do Direito pelo Instituto Max Planck. O documento do processo, com mais de mil páginas manuscritas, está armazenado no Arquivo Nacional foi copiado por Bruno para ser estudado na Alemanha, onde ele teve de decifrar as diversas caligrafias.[1]

Ver também[editar | editar código-fonte]

Referências

  1. a b c d e f g h i j A desconhecida ação judicial com que advogado negro libertou 217 escravizados no século 19, BBC News, consultado em 30 de maio de 2021 
  2. a b c d e f g Era uma Vez... em Santos: palco da maior ação judicial de libertação de escravos do Brasil, Jornal A Tribuna, consultado em 30 de maio de 2021 
  3. a b c d e f g h i j k l m Processo conhecido como "Questão Netto" é apontado por historiadores como a maior ação coletiva de libertação de escravizados conhecida nas Américas, Revista Época / Negócios, consultado em 30 de maio de 2021 
  4. «OBRAS - Projeto Luiz Gama». Consultado em 12 de novembro de 2021. Cópia arquivada em 12 de novembro de 2021. ...Essa escolha editorial dá-se pelo fato de que no início da década de 1870 houve uma ruptura entre os dois poetas, justamente devido ao fato de Bonifácio ter se dedicado à defesa da escravidão na famosa « Questão Netto »...