Raul Soares (navio)

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Navio Raul Soares, ca. 1926

Raul Soares foi um navio transatlântico construído em 1900 num estaleiro da Flensburger Schiffbau-Gesellschaft em Hamburgo (Alemanha) para a companhia alemã Hamburg Süd e recebeu o primeiro nome de Cap-Vert. Com mais de 5 909 toneladas de peso, tinha capacidade para 587 passageiros e com ocupação primária de transportes imigrantes da Europa para as Américas. Depois da Primeira Guerra Mundial passou para a posse da companhia britânica P&O até ser vendido e retornar à Hamburg Süd em 1922. Finalmente foi vendido ao Lloyd Brasileiro em 1925[1].

História[editar | editar código-fonte]

Rebatizado Raul Soares em homenagem a Raul Soares de Moura, político mineiro morto em 1924. O navio continuou a fazer viagens transportando imigrantes da Europa para o Brasil até ser recolhido por problemas mecânicos de custosa reparação que inviabilizaram o conserto.

Após o golpe de 1964, os militares da Marinha em abril foram buscá-lo para transformá-lo em navio-prisão. Rebocado do Rio de Janeiro, foi encalhado de banda nos bancos de areia que contornam a Ilha de Santo Amaro, em frente ao Porto de Santos, em São Paulo.[2][3]

O navio Raul Soares foi um dos locais usados para tortura e repressão nos meses iniciais da ditadura. Seria uma solução imediata para aprisionar oposicionistas ao regime, a maioria sindicalistas e lideranças de esquerda da região, como também militares contrários ao golpe.[4] Os presos eram mantidos em condições humilhantes e punidos em calabouços situados na parte interna do navio, batizados pelos nomes de boates da zona de meretrício santista: "El Marroco", "Night And Day" e "Casablanca", com destinações para cada tipo de tortura. Dentre os que passaram pelo confinamento com frio ou calor excessivos ou insuportável odor de esgoto e sem ventilação, alguns vieram a falecer com doenças contraídas em decorrência dos maus tratos.[5]

Em 23 de outubro de 1964 o navio foi rebocado de volta para o Rio de Janeiro, cumprida a missão de prisão política. Não se sabe quantos homens foram os presos que permaneceram por lá por falta de um registro oficial; estima-se em 150.[6] O repórter policial Nelson Gatto foi um deles e em 1965 escreveu um livro relatando os mais de 180 dias passados por lá, Navio Presídio - A outra face da "Revolução", com quase toda sua edição apreendida pela repressão policial-militar.[7] O livro Sombras Sobre Santos - O longo caminho de volta, produzido pela Secretaria de Cultura do município de Santos em 1988, no encerramento da administração de Oswaldo Justo,[8] resgata muitas das informações do livro apreendido sobre o navio ancorado como cárcere.[9]

Outro livro sobre o navio Raul Soares foi escrito em 1985 e publicado em 1995 pela filha do portuário Iradil Santos Melo, diretor do Sindicato dos Operários Portuários, de 1963 a 1.º de abril de 1964. Sergipano, era trabalhador na Companhia Docas de Santos e foi preso quando 200 policiais armados prenderam diversos diretores sindicais, Iradil dentre eles.Raul Soares, um navio tatuado em nós[10] foi escrito pela jornalista Lídia Maria de Melo, iniciado a partir de gravação de entrevistas com seu pai.

A Comissão da Verdade da Câmara Municipal de Santos implantada em 2012 apurou fatos relativos a ditadura militar brasileira, entre eles o navio Raul Soares. Um dos presos no navio foi o médico Thomas Maack, localizado em Nova Iorque, pela jornalista Lídia Maria de Melo, que o entrevistou e publicou reportagem inédita no jornal A Tribuna, edição de 2 de novembro de 2003[11]. Thomas Maack, que foi preso aos 27 anos, veio ao Brasil colaborar com seu depoimento para esclarecimento dos fatos ocorridos e pouco divulgados, o médico Thomas Maack. Dentre os detalhes das torturas que vivenciou e testemunhou, afirmou que a Comissão da Verdade chegou muito tarde ao Brasil.[12] O médico será o personagem principal de filme anunciado para 2019 sobre os fatos ocorridos no navio-prisão ancorado: Cárcere Flutuante, nome provisório e cujo ator principal deverá ser Alexandre Borges.[6]

Cerimônias em memória das vítimas do Raul Soares passaram a ser realizadas desde então na cidade de Santos.[13]


Referências

  1. http://www.shipspotting.com. «RAUL SOARES - IMO 5290648». Consultado em 22 de junho de 2018 
  2. ALOISE, Francisco. Cárcere flutuante: verdade ainda submersa (2017). 6. ed. Pará de Minas, Virtualbooks
  3. Mendes, Carlos Pimentel. «Novo Milênio: Histórias e Lendas de Santos: O navio-prisão (1)». www.novomilenio.inf.br. Consultado em 25 de setembro de 2017 
  4. «Há 53 anos atracava no Porto de Santos o navio Raul Soares, que serviu como prisão política». Guia do Litoral 
  5. Preto no Branco. Jornal da Cooperativa dos Jornalistas de Santos, setembro/1979.
  6. a b A Tribuna, Jornal (24 de setembro de 2017). «Filme lembra navio prisão ancorado na Santos pós-64 - Raul Soares serviu de cárcere na ditadura». PORTO & MAR 
  7. Mendes, Carlos Pimentel. «Novo Milênio: Histórias e Lendas de Santos: O navio-prisão (5-F)». www.novomilenio.inf.br. Consultado em 25 de setembro de 2017 
  8. «Osvaldo Justo». Wikipédia, a enciclopédia livre. 13 de setembro de 2017 
  9. SILVA; ALEXANDRINO, Ricardo M.; Carlos M. (1988). Sombras Sobre Santos: O longo caminho de volta. SANTOS, SP: Secretaria de Cultura da Prefeitura de Santos. pp. 8 – 21 
  10. Melo, Lídia Maria de. «Raul Soares, Um Navio Tatuado em Nós». www.novomilenio.inf.br. Consultado em 13 de agosto de 2018 
  11. Melo, Lídia Maria de. «Thomas Maack, médico e preso do Raul Soares». www.novomilenio.inf.br. Consultado em 13 de agosto de 2018 
  12. Mendes, Carlos Pimentel. «Novo Milênio: Histórias e Lendas de Santos: O navio-prisão (5-B)». www.novomilenio.inf.br. Consultado em 25 de setembro de 2017 
  13. «Cerimônia em memória de vítimas do navio prisão Raul Soares acontece em Santos - A Tribuna». www.atribuna.com.br. Consultado em 25 de setembro de 2017