Thomas Helwys

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Breve Declaração sobre o Mistério da Iniquidade (1612), de Thomas Helwys, possivelmente a primeira obra da civilização ocidental a defender o princípio da liberdade religiosa e de consciência para adeptos de qualquer convicção em matéria religiosa.[1][2][3]

Thomas Helwys (c.1550-1616) foi um advogado inglês, considerado um dos co-fundadores da Igreja Batista, junto a John Smyth, em 1609, na Holanda.[4] Após a morte de Smyth, Helwys lideraria o retorno da primeira congregação batista de volta à Inglaterra, onde o movimento batista posteriormente se expandiria.[1][4] Sua defesa da liberdade religiosa constituiu um marco significativo no pensamento ocidental, pois foi a primeira obra escrita em língua inglesa a defender a liberdade religiosa e de consciência para adeptos de qualquer convicção em matéria religiosa, e uma das primeiras da civilização ocidental.[1][2][3]

Primeiros Anos[editar | editar código-fonte]

Thomas Helwys nasceu na Inglaterra, em torno de 1550, sendo filho de um gentleman, isto é, um proprietário rural sem título de nobreza. Seu tio, Geoffrey Helwys, era um comerciante que fora eleito xerife e membro do conselho municipal de Londres, e seu primo, Gervase Helwys, foi nomeado cavaleiro em 1603 pelo rei Jaime I, sendo posteriormente indicado como intendente da Torre de Londres. A formação estudantil de Thomas Helwys se deu em Gray's Inn em Londres, um prestigioso colégio de direito e de educação geral para filhos de nobres e de proprietários rurais.[1]

Casamento[editar | editar código-fonte]

Helwys completou seus estudos em Gray's Inn em 1593 e retornou a Broxtowe Hall, próxima a Nottingham, para viver como proprietário rural. Em 1595, ele se casou com Joan Ashmore, com quem teve sete filhos ao longo dos doze anos seguintes. A família se envolvia ativamente com os trabalhos da comunidade puritana de sua época, e sua casa se tornou um lugar onde as visitas acorriam com frequência para discutir assuntos de religião. Com o tempo, os Helwys se tornaram amigos chegados de John Smyth, e logo Thomas e Joan se tornaram membros da congregação de Smyth em Gainsborough, no condado de Lincolnshire.[1]

Perseguição Religiosa[editar | editar código-fonte]

Em 1607, a Corte Superior de Comissão Eclesiástica (High Court of Ecclesiastical Commission) tomou providências contra as igrejas independentes em Gainsborough e Scrooby, em Lincolnshire. Thomas Helwys, ao que parece, escapou e conseguiu fugir para a Holanda. Ele deixou sua esposa e filhos na Inglaterra, provavelmente supondo que estariam a salvo. Entretanto, Joan seria levada à prisão no início de 1608; quando trazida ao tribunal, recusou-se a prestar o juramento exigido pela corte, e foi mandada de volta à prisão. Embora não tenham sido encontrados registros de que tenha deixado a cadeia, a condenação convencional da época era o banimento após três meses na prisão.[1]

Ministério[editar | editar código-fonte]

Thomas Helwys se estabeleceu em Amsterdã como membro da congregação e John Smyth. Durante esses anos na Holanda, John Smyth convenceu-se que, de acordo com as Escrituras, o batismo deveria ser aplicado aos crentes, e não aos bebês; por consequência, Smyth tornou-se um "batista", isto é, um credobatista. A pequena congregação, inclusive Helwys, concordaram com a doutrina e permaneceram com Smyth. Ele foi um líder na fundação da primeira igreja Batista em 1609. [5] Entretanto, quando ele evidenciou que tenderia a adotar integralmente a doutrina menonita, Helwys e cerca de mais dez membros recusaram-se a aceitar.[1]

Algum tempo depois, Helwys conduziu parte da congregação batista de volta à Inglaterra, em 1611. Depois da morte de John Smyth e da decisão de Thomas Helwys e seus seguidores de regressarem, a igreja organizada na Holanda se desfez, e parte de seus membros uniram-se aos menonitas. Thomas Helwys então organizou a Igreja Batista em Spitalfields, nos arredores de Londres, em 1612.[4]

Dedicatória de Thomas Helwys ao rei Jaime I da Inglaterra, escrita à mão, na cópia que lhe enviou de seu livreto intitulado Uma Breve Declaração do Mistério da Iniquidade.

Em 1611, ainda na Holanda, Thomas Helwys escreveu aquela que seria a primeira das confissões batistas de fé, constituída de vinte e sete artigos, e a denominou Uma Declaração de Fé do Povo Inglês Remanescente em Amsterdã na Holanda (A Declaration of Faith of English people remaining at Amsterdam in Holland).[1]

Helwys continuou a escrever, e em junho de 1611, redigiu um folheto doutrinal de vinte e quatro páginas, intitulado: Uma clara e breve prova, pela palavra e obras de Deus, de que o decreto de Deus não é a causa do pecado nem da condenação do homem: e que todos os homens são redimidos por Cristo; como também que nenhuma criança está condenada.[nota 1][1]

Um terceiro livro foi escrito para descrever as diferenças entre as suas convicções e as dos menonitas. O quarto e último livro escrito por Helwys foi terminado no final de 1611 ou no início de 1612, chamado Uma Breve Declaração do Mistério da Iniquidade (A Short Declaration of the Mystery of Iniquity).[6]

Nessa época, Helwys começou a se convencer de que não era certo fugir da perseguição que o esperava na Inglaterra. Ele retornou da Holanda à sua terra natal, com seu manuscrito a bordo do navio. No início de 1612, ele encontrou um tipógrafo que se dispôs a publicar o seu livreto, e dedicou uma cópia ao rei Jaime I de próprio punho, que hoje se encontra preservada na Biblioteca Bodleiana (restando ainda outras três cópias existentes).[1]

A dedicatória, endereçada ao rei, dizia o seguinte:[7]

Ouça, ó Rei, e não despreze o conselho do pobre, e permita que suas queixas cheguem até vós.

O rei é um homem mortal e não Deus, portanto não tem poder sobre as almas imortais de seus súditos, para fazer leis e ordenanças para elas, e para estabelecer Senhores Espirituais sobre elas. Se o Rei tem autoridade para constituir Senhores e leis espirituais, então ele é um Deus imortal, e não um homem mortal. Ó rei, não seja seduzido pelos ímpios a pecar assim contra Deus, a quem deveis obedecer, nem contra vossos pobres súbditos, que devem e hão de obedecer-vos em todas as coisas com o corpo, vida e bens, ou senão deixe que suas vidas sejam tiradas da terra.

Deus Salve o Rei

De: Helwys.

Spittlefeild, próximo a Londres.

Ao que parece, o rei decidiu prendê-lo, durante período de tempo incerto.

Prisão e Morte[editar | editar código-fonte]

Ainda em 1612, Thomas Helwys foi preso por publicar o folheto Uma Declaração Breve do Mistério da Iniquidade, no qual advertia à monarquia inglesa para que se submetesse a Deus, constando também uma crítica ao papado e aos puritanos. Ele permaneceria na prisão até sua morte, em 1616.[8]No teor da obra, escreveu:

"A religião do homem está entre Deus e ele: o rei não tem que responder por ela e nem pode o rei ser juiz entre Deus e o homem. Que haja, pois, heréticos, turcos ou judeus, ou outros mais; não cabe ao poder terreno puni-los de maneira nenhuma."

 [9]

Legado[editar | editar código-fonte]

Os batistas sempre se destacaram pela defesa à liberdade religiosa e de consciência, o que em muito se deve à perenidade das ideias de Helwys entre os membros da denominação. Havia inclusive alguns batistas entre aqueles que redigiram a Constituição Americana, os quais influenciaram a redação do documento no sentido de que constassem plenas garantias à liberdade religiosa e a separação entre Igreja e Estado[10], ambos os princípios propostos por Thomas Helwys. A respeito do histórico posicionamento batista em defesa da liberdade, o estudioso batista Alec Gilmore afirma:

Os batistas nem sempre viveram conforme os seus ideais, mas com exceção da ala ultra-conservadora dos batistas do sul dos Estados Unidos, eles ainda ficam indignados diante da menor ameaça à liberdade religiosa. Em 1939, dois anos depois que Roosevelt declarou as suas quatro liberdades, a Conferência Batista Mundial em Atlanta afirmou seu posicionamento com um apelo à "plena manutenção da liberdade religiosa absoluta para todas as pessoas que professam qualquer tipo de fé ou que não professam nenhuma fé." Durante a guerra fria, os batistas foram incessantes em sua defesa à liberdade religiosa na Europa Oriental, e alguns anos antes do Natal do ano passado [2004], eles elogiaram publicamente a decisão do governo [britânico] de não permitir à polícia para que fechasse as mesquitas onde o Islamismo radical é pregado.
— Alec Gilmore

 [2]

Em 2012, foi celebrado pelos batistas ao redor do mundo o quadringentésimo aniversário da edição do folheto de Thomas Helwys, Uma Breve Declaração do Mistério da Iniquidade (1612), a primeira publicação em inglês a defender a liberdade religiosa para todos. O aniversário foi então considerado uma oportunidade de fazer lembrar aos batistas e a outros grupos religiosos a importância desse legado, e também de refletir sobre a condição atual da liberdade religiosa no mundo contemporâneo.[11]

Ver Também[editar | editar código-fonte]

Ligações Externas[editar | editar código-fonte]

Notas

  1. No original: "A short and plain proof, by the word and works of God, that God’s decree is not the cause of any man’s sin or condemnation: and that all men are redeemed by Christ; as also that no infants are condemned."

Referências

  1. a b c d e f g h i j Reagan, David. «Thank the Baptists for Freedom of Religion». Consultado em 31 de julho de 2018 
  2. a b c Gilmore, Alec. «Face to faith: Thomas Helwys's plea for religious liberty in the 17th century provided a sound foundation for other kinds of freedom». The Guardian. Consultado em 31 de julho de 2018 
  3. a b Shurden, Walter B. «Thomas Helwys, A Short Declaration of the Mystery of Iniquity». The Center for Baptist Studies. Consultado em 31 de julho de 2018 
  4. a b c Joe Early Jr., ed., The Life and Writings of Thomas Helwys. Macon, GA: Mercer University. Press, 2009.
  5. Robert E. Johnson, A Global Introduction to Baptist Churches, Cambridge University Press, UK, 2010, p. 33
  6. Stephen R. Holmes, Baptist Theology, T&T Clark, UK, 2012, p. 112-120
  7. Helwys, Thomas (1612). «Ficheiro:Helwys to King James I.jpg». Biblioteca Bodleiana. Consultado em 10 de julho de 2020 
  8. Britannica, THOMAS HELWYS, britannica.com, UK, acessado em 8 de junho de 2021
  9. «Quem somos como Batistas». Convenção Batista Brasileira 
  10. «A Origem da Convenção Batista Brasileira» 
  11. «Celebra & Reflete sobre o Legado de Thomas Helwys». Aliança Batista Mundial. Consultado em 10 de julho de 2020