União Geral dos Trabalhadores - Organização Unitária

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A União Geral dos Trabalhadores - Organização Unitária (Allgemeine Arbeiter-Union – Einheitsorganisation, AAUE or AAU-E) foi uma organização comunista de conselhos e antiparlamentar criada na Alemanha em outubro de 1921.

Otto Rühle esteve envolvido em criar a AAUE como uma organização que combinasse as aspirações políticas e económicas dos trabalhadores comunistas numa única (einheits) organização.[1] Tal ocorreu após a sua viagem à Rússia como representante do Partido Comunista Operário da Alemanha (KAPD) ao II Congresso da Internacional Comunista. Ele viajou pela Rússia antes do congresso e formou uma opinião muito negativa do regime bolchevique, o que o levou a defender uma caminho bastante diferente para realizar a revolução comunista, que veio a ser adotado pela AAUE:

"Cada um deve se tornar na sua consciência um portador vivo da luta revolucionária e um membro criativo da construção do comunismo. Assim, a liberdade necessária nunca será conquistada no sistema coercivo do centralismo, das cadeias do controlo burocrático-militarista, debaixo do peso da ditadura do líder e dos seus resultados inevitáveis: arbitrariedade, culto da personalidade, autoridade, corrupção, violência. Assim: transformação da ideia de partido numa comunidade federativa na linha das ideias conselhistas. Assim: superar as obrigações e compulsões externas pela vontade e disponibilidade interiores. Assim: elevação do comunismo da conversa demagógica dos clichés de papel para uma das experiências mais realizadoras e internamente cativante do mundo inteiro"[2]

Antecedentes[editar | editar código-fonte]

A partir de 1918-19, na sequência do processo revolucionário, começaram na Alemanha, a constituir-se as "Uniões de Trabalhadores" (Arbeiter-Union, AU), em oposição aos sindicatos oficiais,[3] próximos do SPD. As "uniões" distinguiam-se dos sindicatos por não estarem organizadas por profissão, mas por local de trabalho (nomeadamente por fábrica) e localidade e região;[4] tal refletia uma diferença de objetivos: não negociar melhores salários com os empregadores (o que implicaria uma organização por profissões e por grupos empresariais), mas preparar a revolução - desde o principio que nas "uniões" há uma tendência para rejeitar a separação entre lutas económicas e políticas, que vai estar na génese da futura criação da AAU-E.[5] A nivel nacional as AAU agruparam-se em federações como a União Livre de Trabalhadores da Alemanha (Freie Arbeiter-Union Deutschlands, FAUD), anarco-sindicalista,[6] e a União Geral dos Trabalhadores da Alemanha (Allgemeine Arbeiter-Union Deutschlands, AAUD), comunista.[7]

Desde o seu congresso fundador, em fevereiro de 1920, que a AAUD estava dividida entre uma corrente defensora de uma organização centralizada que via a união como complementar ao partido comunista (a partir de 1920, o Partido Comunista Operário da Alemanha, KAPD), e outra, a que pertencia Rühle, que defendia um modelo federalista e considerava que a união deveria encarregar-se tanto da organização económica como da política.[7]

Também dentro do KAPD havia a divisão entre os que defendiam a dissolução do partido na AAUD, e os que consideravam que, pelo menos durante algum tempo, o partido deveria continuar a existir separadamente da união.[8] Além disso, Rühle, inicialmente militante do KAPD, tinha posições bastante criticas face ao regime soviético, que tinha recentemente visitado e conhecido com algum pormenor,[9] e oponha-se à adesão à Internacional Comunista.[8]

A cisão entre as duas posições aprofundou-se com a expulsão de Rühle (oposto a que o partido aderisse à Internacional Comunista) do KAPD,[8] e no terceiro congresso da AAUD, a facção de Rühle abandonou a organização nacional, que a partir daí passou a estar perfeitamente alinhada com o KAPD.[10] Em Hamburgo, a secção da AAUD (afeta aos dissidentes) expulsou os aderentes que continuavam filiados no KAPD (e noutros locais, como na Saxónia, foi o próprio KAPD local que se autodissolveu, fundindo-se com a AAUD); em outubro de 1921 as secções dissidentes da AAUD, defensoras do modelo "unitário" (isto é, sem a divisão entre o partido e a união) constituíram-se como uma nova organização, dando origem à AAU-E.[8]

A AAU-E[editar | editar código-fonte]

Criada em 1921 pelos dissidentes da AAUD e do KAPD defensores da unificação entre o partido e a união como formas de organização, a AAU-E em 1922 teria cerca de 60.000 aderentes, contra os 12.000 da AAUD. A sua principal publicação era, na prática, o jornal Die Aktion, onde colaboravam vários artistas e intelectuais[11] (Die Aktion estava bastante ligado ao movimento expressionista).[12]

A AAU-E proclamava-se como um movimento a favor da coletivização dos meios de produção e dos bens de consumo; de um sociedade em que o poder fosse exercido pelos trabalhadores através de conselhos; contra os sindicatos e partidos políticos; contra o reformismo e a participação em eleições ou em conselhos de empresas legais; contra a existência de líderes profissionais; a favor da luta internacional (e não nacional) do proletariado.[13]

Organização[editar | editar código-fonte]

A estrutura da AAU-E pretendia prefigurar a organização de uma sociedade governada por conselhos operários:[14]

  • caso existissem vários membros da união na mesma fábrica, deveriam criar uma organização de fábrica (Betriebsorganisation), que deveriam trimestralmente eleger delegados, em número adequado às necessidades
  • os membros da união que trabalhassem em pequenas empresas ou que fossem intelectuais organizar-se-iam por bairros
  • os membros da união que fossem os únicos membros no seu local de trabalho organizar-se-iam por bairros ou por sectores de atividade, até ser possível criar uma organização de fábrica onde trabalhassem.
  • cada organização de fábrica e cada grupo por bairro ou por sector enviariam pelo menos um representante ao conselho da União de Trabalhadores local (os grupos maiores teriam mais representantes).
  • os grupos locais organizar-se-iam por distritos, dirigidos por um conselho económico distrital e por uma conferência distrital, compostos por representantes dos grupos locais
  • anualmente realizar-se-ia uma conferência nacional, que elegeria um conselho económico nacional
  • os delegados, tanto das organizações de fábrica, como da união, poderiam ser revogados a qualquer momento

Tendências[editar | editar código-fonte]

Ao longo dos anos 20, surgiram vários correntes dentro da AAU-E; entre elas temos:[15]

  • uma tendência que defendia a fusão com a FAUD
  • uma que defendia a participação em lutas laborais reformistas e nos conselhos de empresa legais, e que pouco depois foi excluída a união
  • a "tendência de Heidenau" (também designada por "autonomia das chaminés"), defensora de grande autonomia para as secções locais e como posições cada vez mais anti-organizacionais; autodissolveu-se em dezembro de 1923
  • uma tendência defensora de uma organização centralizada, que se tornou dominante a partir de 1925

Enfraquecimento e fim[editar | editar código-fonte]

Em 1925, Rühle abandonou a AAU-E, considerando que uma organização com essas características só fazia sentido numa situação revolucionária.[16]

Em 1926 a AAU-E juntou-se com outras duas organizações (a União Industrial dos Trabalhadores dos Transportes e um grupo que havia sido expulso do Partido Comunista da Alemanha) na Liga Espartaquista de Organização Comunistas de Esquerda. Em 1931, reduzida a 31 aderentes[16] (57, segundo outras versões), voltou a fundir-se com a AAUD (que em 1929 havia cortado as ligações com o KAPD), dando origem à União Comunista dos Trabalhadores da Alemanha[17] (Kommunistische Arbeiter-Union Deutschlands, KAUD), que pode-se dizer que continuou a linha da AAU-E da organização unitária, simultaneamente política e económica.[8]

Tentativa de reconstrução após a guerra[editar | editar código-fonte]

Após a II Guerra Mundial, na zona de ocupação soviética, um grupo de elementos que haviam estado logados à AAU-E (nomeadamente ao seu jornal Proletarischer Zeitgeist), encabeçados por Wilhelm Jelinek, tentaram reconstruir um movimento, mas foram rapidamente desmantelados pela repressão policial.[18]

Influência[editar | editar código-fonte]

A AAU-E, com a sua recusa dos partidos políticos, e a oposição de Otto Rühle à centralização organizacional, pode ser vista como tendo dado origem à tradição do comunismo de conselhos, em contraste com o comunismo de esquerda de organizações como o KAPD, que, apesar das suas divergências com o bolchevismo, continuavam a seguir a ideia da necessidade de um partido revolucionário. Nomeadamente o Grupo de Comunistas Internacionais holandês (Groep van Internationale Communisten, GIC) de Anton Pannekoek foi bastante influenciado por Rühle, pela AAU-E e pela KAUD.[19]

Ver também[editar | editar código-fonte]

Referências

  1. Prichard, Alex; Kinna, Ruth; Pinta, Saku; Berry, Dave (2012). Libertarian Socialism: Politics in Black and Red (em inglês). [S.l.]: Palgrave Macmillan. p. 121 
  2. Rühle, Otto (1920). «Relatório do Congresso da III Internacional em Moscoco por Otto Rühle do Partido Comunista Operário da Alemanha» (PDF). Die Aktion (em alemão). Outubro Nr. 39/40. pp. 553–559  ; tradução em inglês:«Report from Moscow». Arquivo Marxista da Internet. Consultado em 4 de julho de 2018 
  3. Dauvé & Authier 2006
  4. Dauvé & Authier 2006, pp. 102-103
  5. Authier 1973, p. 147
  6. Dauvé & Authier 2006, p. 99-101
  7. a b Dauvé & Authier 2006, pp. 103-104
  8. a b c d e Dauvé & Authier 2006, pp. 141-143
  9. Bourrinet 2008, pp. 131-132
  10. Dauvé & Authier 2006, p. 105
  11. Dauvé & Authier 2006, p. 308
  12. Taylor, Seth (2013) [1990]. Left-Wing Nietzscheans: The Politics of German Expressionism 1910-1920. Col: Monographien und Texte zur Nietzsche-Forschung, 22 (em inglês). [S.l.]: Walter de Gruyter. p. 42. ISBN 9783110853414. Consultado em 4 de julho de 2018 
  13. Dauvé & Authier 2006, p. 309
  14. Rühle 1924
  15. Dauvé & Authier 2006, pp. 198-1999
  16. a b Dauvé & Authier 2006, p. 1999
  17. Bourrinet 2008, pp. 192-193
  18. Bourrinet 2008, p. 317
  19. Bourrinet 2008, pp. 9,12,180

Bibliografia[editar | editar código-fonte]

  • Authier, Denis, ed. (1973). La gauche allemande. Textes du KAPD, de L'AAUD, de L'AAUE et de la KAI (1920-1922) (em francês). [S.l.]: La Vecchia Talpa / Invariance / La Vieille Taupe. Consultado em 3 de julho de 2018 
  • Authier, Denis (1975). A Esquerda Alemã (1918-1921). Col: Saco dos Lacraus. [S.l.]: Edições Afrontamento. ISBN 9789723604542  [tradução portuguesa do anterior]
  • Bourrinet, Philippe (2008). The Dutch and German Communist Left (1900–68) (PDF) (em inglês). [S.l.: s.n.] 403 páginas 
  • Dauvé, Gilles; Authier, Denis (2006) [1976]. The Communist Left in Germany 1918-1921 (PDF) (em inglês). Traduzido por DeSocio, M. [S.l.: s.n.] Consultado em 3 de janeiro de 2018 

Ligações externas[editar | editar código-fonte]