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As três principais obras de Virgílio

Geórgicas, que surgiram em 29 a.C, são um conjunto de quatro livros tratando da agricultura escritos por Virgílio , um dos maiores nomes da poesia latina, cuja obra serve de modelo para todos os poetas ocidentais até o século XVIII.[1] Além de uma obra didática sobre a agricultura, as Geórgicas são poemas que celebram a vida do campo, pois a vida em harmonia com a natureza é símbolo de paz e serenidade.

Tal como Hesíodo, Vírgílio procura coletar de várias fontes da sociedade conhecimentos do mundo rural numa perspectiva bucólica. Dedicado aos seus dois patrocinadores, Mecenas e Otávio Augusto, compõe-se de 4 livros, cada um com cerca de 500 versos, que demoraram cerca de oito anos até serem totalmente elaborados e publicados como obra única.

O poema didático que ensina o cultivo das terras, a plantação das árvores, a criação do gado e o cuidado das abelhas, além de incentivar o povo romano ao trabalho dos campos, também serve de ideal político-social da dignificação da classe rural. Reflete a influências de Hesíodo e Lucrécio.

Contexto histórico[editar | editar código-fonte]

É um consenso dos estudiosos do assunto que a obra teria surgido não só da inspiração poética de Virgílio, mas também seria fruto do engajamento do poeta na política de Augusto, apoiada por Mecenas, cuja intenção seria a de incentivar a restauração da antiga agricultura romana, que se encontrava decadente, e fazê-la ressurgir por meio da valorização e da exaltação. Vale ressaltar que, por ocasião da origem dessa obra, em Roma, a cultura e as artes em geral estavam em voga, por incentivo do próprio princeps, sobretudo no que tange à valorização das belas letras. Não por outra razão, este século foi chamado o período de ouro da literatura e da poesia latina. A poesia, muito mais agradável, em termos de beleza, aos leitores da época, passa a ser um importante veículo para idéias que precisavam ser divulgadas, idéias científicas, filosóficas, religiosas, dentre outras. Virgílio, certamente consciente do momento propício para a poesia e da fama que já alcançara com as suas Bucólicas, que foram acolhidas em Roma com entusiasmo, entrelaçou magistralmente em um só poema, dividido em quatro cantos, ensinamentos veiculados por um discurso de caráter técnico a respeito dos métodos de cultivo da terra, próprios dos tratados de agricultura, a passagens nas quais a poesia mostra-se em sua forma mais plena, em um discurso essencialmente poético.[2]

Características do poema[editar | editar código-fonte]

Nas Geórgicas, Virgílio une magistralmente a arte apurada à sua capacidade criadora que, certamente, não lhe foi ensinada ou ordenada por qualquer homem. Manifesta-se na obra, claramente, a sensibilidade de um exímio poeta por meio de versos cuidadosamente burilados. É relevante admitir, contudo, que algo que pode ser chamado de dom ou inspiração faz-se necessário para que não se caia na artificialidade. Virgílio tinha aproximadamente trinta anos ao lançar-se na composição das Geórgicas. Independentemente de ter composto sua obra por interesse político ou pessoal, vale destacar que Virgílio vivenciou as experiências do campo e demonstra na obra ter cumprido à risca as principais etapas do processo criador: viver, meditar e formular. Mostra, sobretudo, que estava a contemplar as imagens que desenha por meio da linguagem. O texto inicia-se por um proêmio, no qual se encontram as divisões do poema de acordo com os assuntos a serem tratados. Segue-se com uma invocação ritual por vezes retomada ao longo dos outros cantos e, em seguida, um esboço do que será abordado no canto I, os elementos principais que fazem parte do ambiente campesino, bem como as descrições das variadas práticas agrícolas. Estes elementos são a própria natureza, o campo à espera de ser manipulado, fecundado; o agricultor, consciente da importância e da dignidade de seu trabalho; o animal que, submisso ao homem, coopera com o trabalho; e o arado, um instrumento propiciador da vida. Verso a verso delineia-se uma idéia para o leitor, segundo a qual somente o labor, ainda que este exija esforço, fadiga e seja penoso, fornece à vida harmonia, felicidade e o sustento, longe dos luxos desnecessários e alvos de dor e infelicidade. Esta simplicidade da vida e desapego dos bens materiais são ensinamentos pregados pela corrente filosófica epicurista, da qual encontramos vários vestígios nesta obra.

As digressões[editar | editar código-fonte]

As Geórgicas consistem em um poema escrito em versos hexâmetros, dividido em quatro livros, ou cantos, que tratam das atividades que o universo rural envolve, quais sejam: do cultivo da terra, dos vegetais, a vinha em especial, dos animais e da criação das abelhas, respectivamente. Um recurso, anteriormente mencionado, utilizado por Virgílio, ao qual Hesíodo também por vezes recorrera, consiste basicamente na inserção de passagens que destoam das longas preceituações, isto é, fogem do tratamento puramente técnico das atividades rurais. Tais passagens são as já mencionadas digressões. A presença destes trechos de outra natureza, por assim dizer, também gera controvérsias quanto à finalidade dentro do contexto das poesias denominadas didáticas, bem como quanto à manutenção ou o abandono da função instrutiva. De acordo com MARTIN & GAILLARD[3], elas figuram na obra por elas mesmas e não possuem nada de didático. Nas Geórgicas, uma digressão pode não somente ilustrar com belas imagens um determinado momento em que a abordagem do tema rural parece exaurir-se, como também expor temas outros, mais abstratos, calcados em conceitos universais, de fundamental importância não apenas para o imaginário da sociedade romana antiga, como também do interesse das sociedades de qualquer época. Além disso, o poeta, ao organizar a inserção destas digressões na obra, procedeu de modo magistral. As considerações sobre valores éticos, morais, bem como as reflexões acerca da existência, fé, trabalho, esforço, persistência, bravura, recompensa e mérito enriquecem a obra no nível semântico, exigindo que o leitor perceba que o sentido geral e uno da obra não se resume a uma simples transmissão de ensinamentos agronômicos. [4]

Na obra, as digressões encontram-se assim divididas, como observa La Penna[5]:

  • LIVRO I: Cereais

118 a 159: digressão: A teodicéia do trabalho.

231 a 258: digressão: A origem do Calendário.

  • LIVRO II: Plantas

136 a 176: digressão: Os elogios à Itália.

315 a 345: digressão: Os elogios à primavera.

458 a 540: digressão: Os elogios à vida agreste.

  • LIVRO III: Animais

205 a 283: digressão O Amor.

470 a 566: digressão: A peste na Nórica.

  • LIVRO IV: Abelhas

116 a 148: digressão: O velho de Córico.

315 a 558: digressão: O mito de Aristeu e de Orfeu.


1º Livro[editar | editar código-fonte]

Neste primeiro livro há uma comprovação de que Mecenas tem grande importância naquele cenário literário romano. Além disso, o livro aborda os principais elementos que fazem parte do ambiente campestre e descrições das variadas práticas agrícolas. Tais elementos que fazem parte do campo, são na verdade, a própria natureza à espera de ser manipulada pelo agricultor que, consciente do seu trabalho, é uma ferramenta propiciadora da vida. Assim, o poeta indica para o leitor a ideia de que somente o trabalho árduo fornece a felicidade e a harmonia, e que somente assim as pessoas ficariam longe de alvos de dor e infelicidade. Esta simplicidade da vida e desapego dos bens materiais são ensinamentos pregados pela corrente filosófica epicurista, da qual encontramos vários vestígios nessa obra.[6] Ainda neste primeiro canto, Virgílio, para exemplificar sua ideologia, fornece uma passagem mitológica de acordo com a qual Júpiter teria imposto aos homens a busca da sobrevivência por meio do trabalho, tendo suprimido as facilidades que a Era de Ouro proporcionava. [7]

Segue um breve resumo por versos:

  • 1-42 Em suas páginas iniciais o livro conta com uma dedicatória a Mecenas.
  • 43-203 A vida no campo e como ela está ligada ao trabalho deste.
  • 204-305 A mudança da paisagem pelas estações
  • 351-463 Análise meteorológica através de indícios na natureza e no céu
  • 463-514 Aberrações que ocorreram na Natureza pela morte de César

2º Livro[editar | editar código-fonte]

Neste livro, assistimos à concentração temática no grande tópico da arboricultura e, em específico, do cultivo das uvas. Se, por um lado, essa distribuição interna do peso dos vários tópicos possíveis encontra parcial confirmação na realidade econômica da Itália dos tempos do autor, não se pode deixar de ver na postura de fazer da mesma seção um “livro das videiras” motivações alheias ao plano meramente prático. Trata das terras da Itália, da primavera, como estação do ano mais propícia para serem exercidas as atividades agrícolas e, por fim, da vida agreste.[8]

Resumo por versos:

  • 1-109 Do cultivo das árvores e de como nisto se pode ver o engenho de Mecenas e Baco
  • 109-258 Diferentes condições de solo e culturas que neles medram mais sãmente. Elogio a Roma e exortação da Primavera
  • 346-457 Desenvolvimento e cuidados com as culturas

3º Livro[editar | editar código-fonte]

Assim como no proêmio do livro I onde Virgílio invoca os deuses e faz menções aos deuses helênicos e a Otávio como a décima terceira divindade, no proêmio do livro III o poeta também honra divindades com o intuito de mostrar o escopo desse livro: tratar das raças dos animais e da artes de criação do gado.[9]

Resumo por versos:

  • 1-38 Homenagem à Pátria do Autor, a Augustos e Mecenas
  • 49-283 A forma como o instinto sexual a tudo domina e a tudo mete na sua ordem natural e como disto é exemplo a criação de gado.
  • 284-566 Da particularidade da criação de ovelhas de acordo com a época do ano e das doenças e predadores que colocam o rebanho em perigo

4º Livro[editar | editar código-fonte]

Os antigos tinham noções equivocadas acerca da abelha; consideravam-na um animal curioso e achavam que era impossível desvendar os mistérios de que ela se cercava. Pensavam que as abelhas nasciam espontaneamente ou das entranhas dos touros imolados em honra dos deuses. Por isso, Virgílio expõe neste livro como se deve cuidar das abelhas[10], ensinando a arte da apicultura. Aqui, sendo as abelhas as protagonistas, o poeta as toma como símbolo de espiritualidade, de imortalidade da alma e até do mundo poético, associando-as, assim, à lenda de Orfeu e sua descida aos inferi para trazer Eurídice.[11]

Resumo por versos:

  • 1-280 Apicultura e como a estrutura social das abelhas pode ser constatado nos Homens em termos de Sociedade Romana. Ou seja, tanto em paz como em tempo de guerra a fidelidade ao Rei (não havia a noção de gênero nas abelhas ainda) estava acima de tudo (naquilo que podemos considerar uma das mensagens políticas da obra. É uma defesa das teorias do novo Imperador, que encontram esteio nos ideais agrícolas romanos, fazendo esta apologia na medida em que procurava desmilitarizar a sociedade romana e equilibrar a economia, que apresentava déficits elevadíssimos em termos de trocas comerciais com impérios estrangeiros.
  • 281-558 O ciclo de vida nas colméias desemboca no Epílogo de Aristeo, no qual somos elucidados do final do mito de Orfeo.
  • 559-566 Referências a Augustos, votos pessoais

Ligações externas[editar | editar código-fonte]

Referências