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Recensão da obra: "Comunidades Imaginadas: Reflexões Sobre a Origem e Difusão do Nacionalismo".[editar | editar código-fonte]

Benedict Anderson (1936-2015). Comunidades imaginadas: reflexões sobre a origem e difusão do nacionalismo[1]. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.


O livro Comunidades Imaginadas: Reflexões Sobre a Origem e Difusão do Nacionalismo é de autoria de Benedict Anderson, filho de pais britânicos e irmão do famoso historiador marxista Perry Anderson. O autor nasceu em 1936 em Kunming, na China, e passou alguns anos de sua infância na Califórnia antes de sua família regressar à Irlanda.

Benedict Anderson, “grande especialista na política e história da Indonésia e do Sudeste Asiático” (ANDERSON, 2008, p. 9), estudou em Cambridge e também na Universidade de Cornell, sendo que na segunda, além de aprofundar seus estudos sobre a Indonésia, também foi professor emérito.

Com efeito, quando é analisado o percurso acadêmico e profissional de Benedict, pode-se dizer que o autor possui uma trajetória que vai muito além dos enfoques costumeiros dos fenômenos sociais, que em sua maioria, principalmente à época da publicação de uma de suas obras principais, eram habitualmente eurocêntricos.

Inclusive, já em seus agradecimentos o autor “alerta” seus leitores e esclarece a abordagem do livro da seguinte forma: “Talvez seja o caso de dizer que minha especialidade, por formação e profissão, é o Sudeste Asiático. Essa informação pode ajudar e esclarecer alguns enfoques e exemplos do livro, além de reduzir suas pretensões globalizadas” (ANDERSON, 2008, p. 25).

Outros cinco livros foram publicados pelo autor, além de Comunidades Imaginadas, sendo eles: Java in a Time of Revolution: Occupation and Resistance (1972); In the Mirror: Literature and Politics in Siam in the American Era (1985); Language and Power: Exploring Political Cultures in Indonesia (1990); The Spectre of Comparisons: Nationalism, Southeast Asia, and the World (1998); e Under Three Flags: Anarchism and the Anti-colonial Imagination (2005).

Benedict Anderson veio a falecer em 2015 na Indonésia, local onde passou longo período de sua vida e dedicou boa parte de seus estudos.

O livro Comunidades Imaginadas: Reflexões Sobre a Origem e Difusão do Nacionalismo foi publicado no ano de 1983 e ganhou sua primeira edição brasileira em 1989, sendo a edição recenseada publicada em 2008 (3ª reimpressão), pela Companhia das Letras e traduzida por Denise Bottman,

A edição em questão possui uma apresentação redigida pela historiadora Lilia Moritz Schwarcz, seguida do prefácio, agradecimentos de Benedict Anderson e dez capítulos, nomeadamente: 1. Raízes culturais; 2. As origens da consciência nacional; 3. Pioneiros crioulos; 4. Velhas línguas, novos modelos; 5. Imperialismo e nacionalismo oficial; 6. A última onda; 7. Patriotismo e racismo; 8. O anjo da história; 9. O censo, mapa e museu; 10. Memória e esquecimento; sendo que os dois primeiros capítulos serão objetos de análise mais adiante. Além disso, a estrutura da obra é, ainda, composta por posfácio, bibliografia e índice remissivo.

Por ora, importa mencionar que os dois últimos capítulos: 9. O censo, mapa e museu; 10. Memória e esquecimento; foram adicionados pelo autor e segundo suas próprias palavras ambos “têm basicamente caráter de apêndices” (ANDERSON, 2008, p. 21) e “tentam corrigir sérias falhas teóricas da primeira edição” (ANDERSON, 2008, p.22), além disso, nessa edição o autor destaca que realizou alterações com o intuito de “corrigir erros factuais, conceituais e interpretativos” (ANDERSON, 2008, p. 21), bem como traduções incorretas.

Dito isso, frisa-se que a obra se tornou uma referência mundial e é considerada como leitura obrigatória em diversas áreas de estudo, tais como história, antropologia, sociologia, ciência política, entre outras. Esse grande destaque se dá não  apenas pelo debate teórico proposto em discutir o surgimento do nacionalismo, mas sim pela nova perspectiva apresentada, que transpassou os estudos eurocêntricos tradicionais e inovou em estudar o nacionalismo nos países americanos e asiáticos.

Em seu livro, Benedict Anderson apresenta como objeto de estudo o nacionalismo e questiona a formação do sentimento de nação, desafiando conceitos tradicionais estabelecidos e especialistas como Elie Kedourie, Eric Hobsbawm e Ernest Gellner. O que faz por meio de debates teóricos e uma pluralidade de exemplos que demonstra o domínio do autor em sua área de estudo, e fascinam o leitor justamente pelo fato de que não se concentram em uma só localidade, período e contexto.

Para construir a obra entendo que o autor desenvolveu uma pesquisa qualitativa e explicativa, pois visa analisar e esclarecer a constituição do sentimento de nação, além disso, percebe-se uma técnica de coleta de dados indireta, com o uso de investigação bibliográfica e documental, e de observação direta intensiva, pois muitas das conclusões do autor são influenciadas pela sua trajetória e experiências de vida, uma vez que, por exemplo, tinha uma grande proximidade com a Indonésia e Sudeste Asiático.

Quanto as fontes, é possível verificar que a pesquisa conta com fontes primárias, tais como documentos oficiais, censos e estatísticas, mas a maior parte do denso referencial bibliográfico reunido pelo autor são fontes secundárias, com inúmeras obras de destaque das áreas de sociologia, antropologia, ciência política e história.

Em relação aos dois capítulos a serem recenseados neste trabalho, no primeiro deles, “Raízes culturais”, o autor começa chamando a atenção para a importância que as comunidades modernas dão aos símbolos, exemplificando como um grande exemplo do nacionalismo moderno os memoriais de guerra, notadamente os que dizem respeito aos soldados desconhecidos, que embora vazios no sentido material, encontram-se repletos de significados.

Todavia, salienta que este tipo de representação não possui relevância em culturas marxistas e liberais, razão pela qual entende ser pertinente avaliar as origens do nacionalismo justamente pela morte. Além disso, aponta que um dos motivos para a capacidade de religiões persistirem por séculos e em diferente contextos culturais, é a capacidade destas de explicarem – não necessariamente de forma lógica – diversas indagações de seus fiéis, das qual ideais revolucionários/progressistas respondem apenas com o silêncio.

Benedict Anderson estabelece o início das concepções nacionalistas na Europa Ocidental no século XVIII, mesmo período em que as religiões foram perdendo a força absoluta que exercia sob à a sociedade, o que deu “origem” a época comumente conhecida como Iluminismo, porém, o autor alerta que não é para entendermos que o advento de um veio com a queda do outro, pois se trata de um processo que envolve uma análise bem mais complexa e não pode ser resolvido por um raciocínio simplório.

Diante disso, estabelece a necessidade de analisar com maior profundidade dois sistemas culturais que antes de perecerem eram dotados da enorme relevância que hoje é atribuída ao nacionalismo, são eles: a comunidade religiosa e o reino dinástico.

O autor explica acerca da existência de enormes comunidades religiosas, conectadas por meio de um denominador comum, uma espécie de “língua sagrada”, sendo a principal diferença entre estas comunidades e a das nações modernas “a confiança das comunidades mais antigas no sacramentalismo único de suas línguas” (ANDERSON, 2008, p. 40), ou seja, quanto mais excludente melhor, não só por limitar e dificultar a admissão de novos membros, mas principalmente para preservar o poder e controle dos anciões sobre os fiéis.

O fim da Idade Média é estabelecido como marco temporal do declínio dessas instituições e do pensamento religioso, primeiro em razão das grandes explorações que apresentaram, principalmente aos europeus, um mundo de novas perspectivas culturais, ideológicas, religiosas e políticas; segundo pela mitigação do prestígio da língua sagrada (latim).

No que diz respeito ao sistema dinástico, Benedict Anderson pontua que tal sistema começou a enfraquecer durante o século XVII na Europa Ocidental e, inclusive, hoje a monarquia na sua forma autêntica não é sequer concebível, pois vai de encontro aos ideias políticos modernos, pois “sua legitimidade deriva da divindade, e não da população, que, afinal, é composta de súditos, não de cidadãos” (ANDERSON, 2008, p. 48).

Com as reflexões e distinções acima, o autor assinala que não é para se concluir que as comunidades imaginadas das nações apenas substituíram as comunidades religiosas e os reinos dinásticos após seus declínios. Pelo contrário, esclarece que, concomitantemente, ao desgastes das línguas sagradas, linhagens monárquicas e sistemas culturais, estava havendo uma renovação imprescindível para o surgimento da consciência nacional, sendo de suma importância contextualizar o leitor acerca de percepções temporais.

Assim, Benedict Anderson atribui à ideia de simultaneidade, parafraseando Benjamin Walter, um caráter fundamental para inspirar o nacionalismo e diferencia a simultaneidade da Idade Média, pois a novidade é que agora configura-se como um “tempo vazio e homogêneo” ou ainda “entrementes” (ANDERSON, 2008, p. 54), o que para Anderson seria o exemplo perfeito da ideia de nação.

Além disso, menciona ainda dois sistemas essenciais, que segundo registros desenvolveram na Europa, no século XVIII, quais sejam: o romance e o jornal. Com essas lições, consideradas como de extrema relevância para se entender a formação da comunidade imaginada da nação, o autor apresenta a noção de pertencimento gerada pelo sentimento de se sentir parte de algo, no caso uma sociedade, pois, a partir dai, fica claro que indivíduos de um mesmo Estado, poderão nunca se encontrar, tampouco saber da existência um do outro, mas terão aquele fator que os conecta (a idealização de nação).

Neste sentido, para ilustrar esse “vínculo imaginário” faz uso de trechos de romances nacionalistas de José Rizal (filipino), José Joaquín Fernandez de Lizardi (mexicano) e, para afastar do leitor a ideia de que possa estar sendo eurocêntrico, já que os dois primeiros exemplos foram escritos em espanhol, língua tida como colonial, uma vez que “era língua franca das elites etnicamente diferentes, eurasiáticas e nativas” (ANDERSON, 2008, p.57), o autor traz passagem de uma obra de Mas Marco Kartodikrimo (indonésio).

Após, o autor apresenta duas fontes que se relacionam indiretamente e que resultam na ideia de conexão, a primeira a coincidência cronológica e a segunda o jornal. Nesse sentido, Benedict Anderson apresenta dados interessantes acerca da produção em massa de livros, primeiro bem durável produzido em série, e o jornal, que define como uma espécie de livro que caduca rapidamente, pois no dia seguinte já se torna obsoleto.

Todavia, “ao mesmo tempo, o livro sempre se distinguiu dos outros bens de consumo duráveis pelo seu mercado intrinsicamente limitado.” (ANDERSON, 2008, p.67), pois não só era necessário saber ler como também era preciso saber o idioma no qual o livro era redigido.

Além disso, o autor faz uma reflexão interessante, uma vez que afirma que desde o primeiro produto produzido em cadeia já podia se verificar “a obsolescência intrínseca dos bens duráveis modernos” (ANDERSON, 2008, p. 67), que instiga o indivíduo a consumir sempre mais pois induz neste o desejo por ter o bem mais recente.

Por fim, conclui o primeiro capítulo recordando as teses expostas até o momento, relembrando que foi defendido por ele que imaginar a nação só foi possível com a mitigação do poder e privilégio concedido à língua, principalmente as tidas como sagradas, o desgaste da monarquia e da concepção de que os monarcas eram representantes divinos na terra, e a mudança na noção de temporalidade.

Com o enfraquecimento dessas instituições, inicia-se a busca, muito fomentada pelo capitalismo editorial, de uma nova forma de “unir significativamente a fraternidade, o poder e o tempo” (ANDERSON, 2008, p. 69).

No segundo capítulo, “As origens da consciência nacional”, ressalta a importância do papel da imprensa, pioneira entre os empreendimentos capitalistas. Assim, as editoras se proliferaram e se tornaram em grandes indústrias, sendo que o objetivo era expandir seu mercado/público-alvo cada vez mais e aumentar o lucro, o que, consequentemente, conduziu ao anseio de dirigir a produção para a parte da população não letrada em latim.

Benedict Anderson pontua três fatores externos que fomentaram o capitalismo para produção de livros nas línguas nacionais: o primeiro, o desgaste e mudanças na características do latim; o segundo, as consequências da Reforma Protestante, que deve grande parte do seu sucesso ao capitalismo editorial, já que juntos exploraram o mercado popular das massas; o terceiro, foi a utilização de vernáculos como ferramenta de controle administrativo, mas como o surgimento deste último data de antes do século XVI e foi um longo processo até se tornarem hoje o que conhecemos por línguas oficiais dos Estados, entende que deve ser tratado como um fator a parte.

Desse modo, conclui-se que a língua em vernáculos foi  fundamental pois permitiu a unificação da leitura, o que só foi possível com a grande influência do capitalismo, “o qual, dentro dos limites impostos pela gramática e pela sintaxe, criava línguas impressas, reproduzidas mecanicamente, capazes de se disseminar através do mercado” (ANDERSON, 2008, p. 79).

A partir dai, vê-se que essas línguas impressas foram o alicerce para a consciência nacional. Isto porque, fomentaram a comunicação menos elitizada do que o latim, mas de uma maneira mais elaborada que os vernáculos falados, ao mesmo tempo que se dividiam em grupos conectados pela mesma língua.

Não só isso, o capitalismo foi capaz de proporcionar certa estabilidade à língua, o que resultou a longo prazo em um aspecto de antiguidade, um dos fatores que para o autor é fundamental à subjetividade da consciência de nacionalidade. Além disso, o capitalismo foi responsável pelo que conhecemos hoje pelas línguas oficiais.

Com as elucidações feitas acima, o autor finaliza o segundo capítulo frisando que todo esse percurso ocorreu de forma inconsciente, mas, uma vez reunidos, o capitalismo, o desenvolvimento da imprensa e as novas formas de comunicação, resultou no novo pensar de comunidade e, por via de consequência, preparou-se o cenário para as nações modernas.

Da leitura dos dois primeiros capítulos de Comunidades Imaginadas já é possível entender o motivo do livro ter se tornado um clássico e da importância deste para o estudo do nacionalismo, destaca-se a forma fascinante como o autor se comunica com o leitor e expõe seus conhecimento de forma coesa e clara, o que acaba por instigar a continuação da leitura.

Referência bibliográfica[editar | editar código-fonte]

  1. Anderson, Benedict (2008). Comunidades imaginadas: reflexões sobre a origem e difusão do nacionalismo. São Paulo: Companhia das Letras. 336 páginas