Saltar para o conteúdo

Usuário(a):Francesca Carminatti Pissaia/Testes

Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.

ORIGINAL

Cultura

Os gregos tinham conflitos e diferenças entre si, mas muitos elementos culturais em comum. Falavam a mesma língua (apesar dos diferentes dialetos e sotaques) e tinham religião comum, que se manifestava na crença nos mesmos deuses. Em função disso, reconheciam-se como helenos (gregos) e chamavam de bárbaros os estrangeiros que não falavam sua língua e não tinham seus costumes, ou seja, os povos que não pertenciam ao mundo grego (Hélade).

REVISADO

Cultura

Os gregos tinham conflitos e diferenças entre si, mas muitos elementos culturais em comum. Falavam a mesma língua (apesar dos diferentes dialetos e sotaques) e tinham religião comum, que se manifestava na crença nos mesmos deuses. Já as relações entre gregos e não-gregos eram envoltas em inúmeras complexidades que até hoje são estudadas e dividem pesquisadoras e pesquisadores da área.

O pesquisador Ivan Hannaford[1], por exemplo, menciona que, para os gregos, os diversos povos eram categorizados como politikos, ou seja, aqueles que desafiavam o tempo e o ambiente, ou bárbaros/ethnos, isto é, aqueles que se contentavam em ver o tempo passar e assistir às mudanças. Nesse sentido, a condição bárbara ou política era determinada conforme a capacidade de determinado povo exercer a razão na busca da excelência humana que sobressaísse as limitações estabelecidas por determinações dos antepassados, pelos costumes e pelas leis da sociedade primitiva. Assim,

“A diferenciação entre grego e não-grego, entre ethnos e politikos, não é racial, mas sim relativa a capacidade de ascender sobre a vida mortal do costume e do hábito, demonstrando por excelência humana (arete) uma capacidade de desenvolver a oratória, o argumento, o discurso de forma racional e talentosa em uma arena pública. Aqueles que não falam a linguagem da política, não escolhem praticá-la e são incapazes de reconhecer seus requisitos essenciais são chamados de barharos. Aqueles que são barbaros compartilham com os gregos o terror e o horror da existência natural, mas se distinguem deles por sua persistência em viver brutal e cruelmente (sem letramento) de acordo com a natureza (physis), ao invés de viver conforme as leis feitas pelo homem (nomos). (HANNAFORD, 1996, p. 22) (tradução minha)”

Esse ideal político, segundo Hannaford (1996), teria impedido o surgimento de uma categoria de raça na Grécia Antiga.

O entendimento de inexistência de categoria raça e do fenômeno do racismo na Grécia Antiga é compartilhado por Bethencourt[2]. Em que pese o autor referira a existência de preconceito contra negros africanos baseado na cor da pele, considerada o resultado indesejável de condições climáticas adversas no extremo sul decorrentes de queimaduras solares, Bethencourt destaca que esse fato relacionava-se à noção de linhagem e descendência. Logo, o autor considera que não há evidências de discriminação sistemática contra pessoas etnicamente distintas.

No mesmo sentido, as pesquisas desenvolvidas por Snowden[3][4] e relativas aos povos negros subsaarianos conforme fontes literárias e artísticas da Antiguidade, concluíram que “a cor da pele não foi vista como elemento fundamental de inferioridade que condenaria indivíduos de pele escura a possuir um conjunto inato e negativo de características morais e sociais”.

Não obstante a extensa fundamentação que advoga contra a existência das concepções de raça e racismo na Grécia Antiga, pesquisadoras e pesquisadores do período, como Susan Lape[5] e Denise McCoskey[6][7], tem desenvolvido entendimentos distintos a respeito do tema, pugnado pelo resgate do conceito de raça e pela análise do período histórico a partir de sua definição.

Dentre os estudos existentes, destaca-se aqueles desenvolvidos por Benjamin Isaac[8]. De acordo com o autor, o racismo, propriamente dito, representa um conjuntos de ideias cujas raízes levam às sociedade grega e romana. Nesse sentido, sua obra oferece um estudo sistemático das formas de protorracismo, preconceito étnico e xenofobia encontrados na literatura grega e romana do século V Antes da Eram Comum até a Antiguidade tardia.

Carlos Moore Wedderburn[9] também é um estudioso do tema que defende a existência da concepção de racismo na Grécia Antiga, muito associada ao conceito de xenofobia. Para ele, a distinção dos seres humanos entre inferior e superior, bárbaro e civilizado e escravo e livre constitui uma visão de mundo grega e romana que modifica significativamente seu caráter com a extensão do que considera o imperialismo helenístico e romano sobre o norte da África e o Oriente Médio. A respeito do tema, Wedderburn discorre que

“O período de ascensão e dominação greco-romanas cobriu etapas e regiões geográficas diferentes durante mais de um milênio (VIII a.C. - V d.C.). Ambos, Grécia e Roma, existiram como impérios estritamente europeus no seu início, tornando-se multirraciais a partir da conquista e colonização de partes da África do Norte e do Oriente Médio. Assim, é possível rastrear a evolução da visão raciológica dos gregos e romanos, ao longo desse período, evidentes nos textos produzidos pelas suas elites dominantes. Isso porque, antes de entrar numa relação de conflito e dominação com o mundo africano, representado no primeiro momento pelas grandes potências que foram Egito e Cartago, tanto gregos como romanos formularam uma precoce visão racializada. Esta se robusteceria à medida que a influência imperial de Grécia, e depois Roma, se estenderia pelo Oriente Médio e África do Norte”. (2007, p. 34).

Wedderburn retoma entendimentos expostos por Isaac[10] para demonstrar que a correlação grega entre o estrangeiro, a escravidão e a inferioridade está embasada em três formulações gerais, quais sejam, há uma continuidade entre características físicas e mentais; a relação entre traços mentais, físicos e morais de um povo é inalterável pela vontade; e as características de um povo são determinadas por fatores hereditários ou externos como o clima e a geografia.

Segundo Wedderburn, essa relação entre o génos e as qualidades morais de um povo é uma das pedras angulares do racismo grego. Isso porque, conforme o autor, a concepção da hereditariedade das características adquiridas enquadrou em termos racialmente explícitos o entendimento da continuidade entre qualidades físicas, mentais e morais, elementos que justificam a classificação de povos como superiores e inferiores, a subjugação e escravização praticada contra determinados povos por gerações.

De fato, a maioria das pesquisadoras e pesquisadores apontam a modernidade como o marco inicial do surgimento do racismo. Esse entendimento motiva-se pela profunda vinculação desse fenômeno com o processo de colonização observado a partir do século XVI e com o desenvolvimento de teorias científicas de justificação do desenvolvimento desigual de “raças humanas”. Conforme Neto[11] “a lógica de derivar características culturais e morais de marcas fenotípicas e biológicas é típica do pensamento racista que surgiu na modernidade europeia” (2020, p. 22) e, portanto, esse fenômeno não existiria na Antiguidade.

Entretanto, tendo em vista a dificuldade de conceituar os vocábulos raça e racismo, bem como determinar quais são os modos pelos quais esse fenômeno se expressa, aliados a complexidade das relações entre gregos e não-gregos observadas na Antiguidade, o debate a respeito do tema permanece.

  1. HANNAFORD, Ivan. Race: The History of an Idea in the West. Baltimore, MD: Johns Hopkins University Press, 1996.
  2. BETHENCOURT, Francisco. Racisms: From the Crusades to the Twentieth Century. Princeton, NJ: Princeton University Press, 2013.
  3. SNOWDEN, Frank. Before Color Prejudice. Cambridge, MA: Harvard University Press, 1991.
  4. SNOWDEN, Frank. Blacks in Antiquity: Ethiopians in the Greco-Roman Experience. Cambridge, MA: Harvard University Press, 1970.
  5. LAPE, Susan. Race and Citizen Identity in the Classical Athenian Democracy. Cambridge: Cambridge University Press, 2010.
  6. MCCOSKEY, Denise E. Naming the Fault in Question: Theorizing Racism among the Greeks and Romans. International Journal of the Classical Tradition, v. 13, p. 243- 267, 2006.
  7. MCCOSKEY, Denise E. Race: Antiquity and its Legacy. London: IB Tauris, 2012.
  8. ISAAC, Benjamin. The Invention of Racism in Classical Antiquity. Princeton, NJ: Princeton University Press, 2004.
  9. WEDDERBURN, Carlos Moore. O racismo através da história: da antiguidade à modernidade. Ministério da Educação, 2007.
  10. ISAAC, Benjamin. The Invention of Racism in Classical Antiquity. Princeton, NJ: Princeton University Press, 2004.
  11. NETO, Félix Jácome. A recusa da interação: um ensaio historiográfico sobre etnocentrismo e racismo na Grécia Antiga. Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 40, nº 84, 2020. p. 21 – 41.