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A História Espiralar[editar | editar código-fonte]

As concepções do tempo espiral são desenvolvidas e se mostram presentes no livro da poetisa e ensaísta Leda Maria Martins.[1] A autora desenvolve na obra perspectivas e conceitos que permeiam o tempo, corpo, memória e produção dos saberes nas práticas performáticas afrodiaspóricas. A autora tem no epicentro do seu pensamento as relações que se dão entre o tempo espiralar e a concepção nas constâncias da vida. Portanto, se faz pertinente uma separação dos modelos ocidentais e coloniais para se compreender melhor narrativas que fogem do padrão eurocêntrico e estejam vinculadas a diferentes culturas, as quais se encontram externas ao modelo ocidentalizado de conhecimento.

1.     O que é História Espiralar?[editar | editar código-fonte]

A história espiralar se apresenta na historiografia como um conceito novo e parcialmente abstrato. O tempo espiralar é um modelo contínuo que não distingue o presente, passado e futuro. Ou seja, o modelo espiral se trata de uma temporalidade que se origina em um evento do presente, mas perpassa por todas as instâncias, se encontrando com passado e futuro.

Essa está diretamente inserida na resistência aos discursos hegemônicos e racistas, visto as constantes tentativas de apagamento, perseguição e cerceamento desses povos no decorrer dos séculos. Sendo assim, a história espiralar é oriunda dos mecanismos de manutenção dos saberes, práticas e valores de diferentes culturas advindas de povos escravizados. Isso é percebido a partir de códigos sensoriais, visuais, na música, na dança e na culinária. Além disso, esse aspecto evidencia que a construção pletora de conhecimentos pode ser percebidos por conta dos processos cinéticos e sinestésicos.

Sendo assim, a história do tempo espiralar apresenta uma narrativa que foge ao padrão constituído dentro da historiografia tradicional. Possibilitando a produção de novos discursos que dão ênfase em sujeitos os quais muitas vezes foram marginalizados, esquecidos ou apagados na História amplamente difundida.

2.    Concepções de tempo e temporalidade[editar | editar código-fonte]

Em primeira instância, se mostra indispensável repensar a produção e reprodução do conhecimento, com a urgência de se distanciar do pensamento colonizador e ocidental. Consequentemente, se torna necessário analisar a ideia dos conceitos do ocidente, visto que ela destrói e causa epistemicídios em outras culturas e outras formas de pensar. Logo, se faz pertinente uma nova perspectiva pensada a partir de novas matrizes. Dentro dessa premissa, surge a ideia de o tempo espiralar.

O tempo, de fato, é um local onde se percebe os movimentos. Tais transformações são gravadas mediante a perspectiva do mesmo como sujeito, no desenrolar das ações dos eventos, em que ciclicamente entregam uma noção de irreversibilidade.  O tempo é descrito como ontológico, antes de ser cronológico. O tempo é um lugar virtuoso, assim como valoroso para culturas distintas. Nessa perspectiva histórica, nota-se que o Ocidente cunhou ideia de tempo linear, que existe começo, fim, progresso, evolução. Se torna factível então marcar que, para as sociedades ocidentais, o tempo é percebido por uma premissa sequencial. Porém essa percepção do tempo não é única, e se coloca em direta oposição à outras culturas, como por exemplo, a Yorubá.

Dessa maneira, se torna perceptível que o conceito ocidental do tempo pode ser lido como uma aporia[2]. Nesse sentido, é tangível construir uma análise que a relação de tempo se expressa a partir de uma ideia de sucessividade, pela substituição do velho pelo novo, a qual se mantém imaculada desde a Grécia Antiga. Assim, a direção está voltada para o futuro, onde existe uma divisão muito clara entre passado, presente e futuro, ou seja, um tempo linear, conceito este, o qual se torna primordial e reforçado, principalmente pelo campo da escrita, no Ocidente.

3.     A escrita e o tempo[editar | editar código-fonte]

Tendo em vista que a escrita é vista como um lugar de memória para o Ocidente, surgiu a necessidade da percepção de um novo tempo dentro dessa concepção linear ocidental. Na conceituação temporal espiralar, o tempo vai e volta em espirais e se reinaugura a partir de cinesias. Como exemplo plausível acerca do âmbito da escrita, a historiadora Maria Beatriz Nascimento, em sua obra “Possibilidades nos dias da destruição” argumenta sobre a hegemonia europeia e manifesta uma reação à dominação do colonizador.

A autora salienta uma dimensão do tempo espiralar, sendo uma organização que se abstém da presença do sujeito dominante, no caso, o colonizador. Assim, ela apresenta uma reação à dominação dos sujeitos, para que se torne possível elaborar experiências humanas a partir das suas próprias vivências, excluindo a violência acometida contra negros e indígenas.

Para a autora, tanto os negros quanto os indígenas, não têm suas histórias escritas. Ou seja, existe uma hegemonia europeia em relação a seus relatos, isentando suas experiências humanas e percepções de vida individualizadas. No caso, são narrativas repassadas a partir da fala do colonizador. Diante disso, se nota que para essas culturas, a história foi negligenciada em muitos fatores.

Para tanto, é fundamental romper com o “patrimônio de anacronias”, afinal, o pensamento ancestral não é uma história dicotômica. A pesquisadora Oyèrónkẹ́ Oyěwùmí em sua obra “Colonizando corpos e mentes: Gênero e colonialismo” apresenta um panorama que exemplifica tal perspectiva norteando a constituição de um ser dominante perante um ser dominado, demonstrando porém que tais relações possuem compilações internas maiores que as propostas academicamente, a partir de tal pressuposto, identifica-se um processo colonial diferenciado por sexo, onde a identidade de gênero torna-se determinante politicamente falando e, qualquer discussão dentro de tal ótica além de conter as prerrogativas de raça e etnia como motivos excludentes carregam também a questão de gênero.

A tese apresentada pela autora e que embasa tal premissa é a denominada “Dupla colonização”, que apresenta uma dominação europeia e outra imposta por africanos permeando o conceito racial interligado ao de mulheres africanas pois, “As histórias do colonizado e do colonizador foram escritas do ponto de vista masculino – As mulheres são periféricas, quando aparecem”. (OYĚWÙMÍ, 1997, p. 185)

Destarte, a oralitura, descrita por Leda Maria Martins, é o âmbito que dá significado para a performance, o que pode ser visto através do corpo em desempenho, pois ele transforma, expressa e dissemina saber. Portanto, o conhecimento africano, afro-brasileiro, a partir da perspectiva da oralidade e do tempo espiralar, apresenta distintas possibilidades para se compreender a percepção de outras sociedades.


4.     Ancestralidade e o tempo espiralar[editar | editar código-fonte]

Ao se pensar em África, é factível dizer que em grande parte das sociedades a letra manuscrita ou impressa não se apresentava como agente principal de disseminação da cultura. Dessa forma, a transmissão dos saberes era feita a partir de uma plêiade de conhecimentos, os quais os modelos oral e corporal se distinguem como grafias de performances, pela dinâmica do movimento, do corpo e da voz[3]. Sendo assim, a concepção da ancestralidade esta imbricada no ideal temporal espiralar ao passo em que resulta nas experiências e composições da vida, ou seja, pode ser descrito como ontológico, por não seguir uma linearidade. Ou seja, o tempo existe como um conceito por si só e nesse sentido, o tempo é o lugar mais sagrado da ancestralidade. O tempo além de ser entendido como o acúmulo de saberes, pode ser entendido como agente mais edificador, sendo assim o tempo existe em uma multiplicidade de significados e significantes para as diferentes culturas.

5.     Percepção da história espiralar fora do recorte academicista[editar | editar código-fonte]

• Tradições Yorubás[editar | editar código-fonte]

Um velho ditado Yorubá conhecido popularmente entre os adeptos das religiões de matriz africana afirma que “Exu matou um pássaro hoje com a pedra que arremessou ontem”, tal argumentação exemplifica a história espiralar fora do contexto academicista, demonstrando que as lutas impostas por tal Orixá e, consequentemente pelos povos africanos iniciaram-se antes mesmo de as batalhas serem declaradas oficialmente como tais onde, não há início, meio ou fim, mas sim a capacidade de tal divindade em subverter o tempo e alterar a realidade do mesmo.

• Cultura popular[editar | editar código-fonte]

O rapper Emicida, conhecido nacionalmente por seu estilo irreverente e por abordar problemáticas enfrentadas pela população afro-brasileira a partir de sua musicalidade utilizou-se do impacto do líder indígena Ailton Krenak que afirmava a prerrogativa de que “O amanhã é ancestral” como inspiração para o seu álbum AmarElo, pode-se dizer que:


[...] em AmarElo, Emicida utiliza o mesmo recurso de Ôri (1989) ao entrecruzar passado e presente em uma abordagem do tempo que é circular. Concretizado ao longo de 11 anos, Ôri registra importantes acontecimentos históricos, como o surgimento do Movimento Negro Unificado (1978), do Dia Nacional da Consciência Negra e o centenário da Abolição (1988), isto é, os desdobramentos da diáspora. (AIRES, 2021, Valkirias)

• Religiosidade[editar | editar código-fonte]

Outra perspectiva palpável acerca do tempo espiralar é perceptível nas religiões de matriz africana, mais especificamente no candomblé de nação Angola, onde o Nkisi Tempo é denominado rei para os fiéis de tal religião. Uma canção que elenca tal prerrogativa e é entoada durante o culto a tal Orixá afirma que: “ Na minha terra gira o sol e também gira a lua: Ô, que tempo é esse, meu Deus?” [4] O tempo, para tais civilizações não ocidentais segue uma premissa não linear onde o passado é o local de um saber e uma experiencia acumulativos, que habitam o presente e o futuro, sendo por eles habitado.

6.    Referências[editar | editar código-fonte]

AIRES, Iolly. AmarElo : o amanhã é ancestral. Valkirias, setembro, 2021. . Disponível em: <https://valkirias.com.br/amarelo-o-amanha-e-ancestral/>. Acesso em: 12/02/2023.

ANTUNES, José Luiz Cordeiro; RODRIGUES, Maria Cristina Paulo; TIRIBA, Lia. Na minha terra gira o sol, também gira a lua: ô, que tempo é Esse, meu deus?. Trabalho Necessário, volume 19, número 39, p. 1-5, maio, 2021. Disponível em: link. <https://periodicos.uff.br/trabalhonecessario/article/view/50126/29235>.

BA, Amadou Hampatê. A tradição viva. São Paulo: Palas Athena, 2005.

KRENAK, Ailton. Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.

MARTINS, Leda Maria. Performances do tempo espiralar: poéticas do corpo-tela. Estudos de Literatura Brasileira Contemporânea, Brasília, n. 53, p. 31-43, jan./jun. 2019.

OYÈRÓNKÉ OYẸWÙMÍ. Colonizando corpos e mentes: gênero e colonialismo. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 21, n. 1, p. 11-30, jan./abr. 2013.

PINTO, Ana Flávia Magalhães. Por uma história que confronte memória desumanizadoras construídas pelo racismo. História da Historiografia, Ouro Preto, n. 23, p. 51-73, 2016.

TROUILLOT, Michel-Rolph. O poder na estória: a obra de Frederick Douglass. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2009.


[1] REFERÊNCIA DO LIVRO

[2] MARTINS, Leda Maria. Performances do tempo espiralar. Rio de Janeiro, 2021, p. 18.

[3] Idem, p. 13.

[4] ANTUNES, José Luiz Cordeiro; RODRIGUES, Maria Cristina Paulo; TIRIBA, Lia. Na minha terra gira o sol, também gira a lua: ô, que tempo é Esse, meu deus?. 2021.