Usuário(a):MauricioCosta1/O Cogito Cartesiano X Agostiniano

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O Cogito Cartesiano X Agostiniano[editar | editar código-fonte]

O cogito é um raciocínio presente no pensamento de Descartes (1596 - 1650) e de Santo Agostinho (354 d.C - 430 d.C). Ele se nasceu do projeto de que, antes de começar uma investigação intelectual, é preciso ter certeza que ela se dê a partir de certezas indubitáveis para que o processo se desenvolva isenta de erros. Ou seja, é se apoiando em verdades evidentes que cada um pode se sentir seguro para desenvolver suas respectivas investigações. Apesar de ambos proporem um cogito, alcançam certezas diferentes porem igualmente relevantes.

Descartes: O cogito na modernidade[editar | editar código-fonte]

Cogito como uma resposta aos céticos[editar | editar código-fonte]

O filósofo francês, no seu livro 'Meditações metafísicas (1641), busca em sua investigação um fundamento epistemológico contra o ceticismo. Isto é, demonstrar a presença de verdades necessárias apesar do ceticismo exacerbado.

Dúvida nos sentidos[editar | editar código-fonte]

Inicia o desenvolvimento de seu cogito dizendo que ele, ao longo de sua vida, acreditou em muitas coisas que, num primeiro momento pareciam indubitáveis mas que mais a frente se mostrarem equivocadas. A fim de evitar que o erro se repita, começa a dúvida das coisas do mundo e de suas crenças. Apresenta primeiramente a ideia de que conhecemos as coisas pelos sentidos, mas que esses são capazes de nos enganar. Então descarta o sentido como uma via confiável de alcance da verdade.[1]

Tudo que percebi até o presente como mais verdadeiro e seguro, aprendi-o dos sentidos ou pelos sentidos; ora, algumas vezes experimentei que tais sentidos eram enganadores, e é de prudência jamais confiar inteiramente naqueles que uma vez nos enganaram.

Descartes, ‘'Meditações Metafísicas, Meditação primeira, item 3, tr. Maria Ermantina de Almeida Prado Galvão

Em seguida, adiciona ao argumento o exemplo do sonho. Quando sonhamos, temos a certeza de que estamos num determinado lugar, executando uma determinada ação quando na verdade estamos dormindo. [2] Sendo assim, nossos sentidos não são confiáveis para uma investigação.

Quantas vezes aconteceu-me sonhar, à noite, que estava neste lugar, que estava vestido, que estava junto ao fogo, embora estivesse todo nu em minha cama? Parece-me presentemente que não é com olhos adormecidos que olho este papel, que esta cabeça que remexo não está dormente, que é com desígnio e propósito deliberado que estendo esta mão e que a sinto: o que acontece no sono não parece tão claro nem tão distinto quanto tudo isto. Mas pensando nisso cuidadosamente, lembro-me de ter sido frequentemente enganado, quando dormia, por semelhantes ilusões. E, detendo-me nesse pensamento, vejo tão manifestamente que não há indícios concludentes nem marcas bastante certas por onde se possa distinguir nitidamente a vigília do sono, que fico muito espantado, e meu espanto é tal que é quase capaz de persuadir-me de que eu durmo.

Descartes, ‘'Meditações Metafísicas, Meditação primeira, item 5, tr. Maria Ermantina de Almeida Prado Galvão

Dúvida nas verdades matemáticas (O ‘’’”gênio maligno”’’’)[editar | editar código-fonte]

Em seguida, diz que há algo mais “confiável" que os nossos sentidos. Isso seriam as regras matemáticas. Independente se estamos acordados ou num sonho, as verdades matemáticas continuam válidas. [3] Ou seja, seja acordado ou num sonho, um quadrado continua tendo 4 lados, por exemplo. Descartes, no entanto, nos mostra que é possível duvidar disso também. Introduz a ideia de que talvez haja um gênio maligno em nossa mente que esteja constante nos enganando com relação ao mundo e as verdades matemáticas, fazendo com que a gente acredite na vida e no sonho que este mesmo quadrado tenha 4 lados mesmo, supostamente, não tendo.

Todavia, há muito tempo tenho em meu espírito certa opinião de que há um Deus que pode tudo e por quem fui criado e produzido tal como sou. Ora, quem me pode assegurar que esse Deus não tenha feito com que não haja nenhuma terra, nenhum céu, nenhum corpo extenso, nenhuma figura, nenhuma grandeza, nenhum lugar, e que não obstante eu tenha os sentimentos de todas essas coisas, e que tudo isso não me pareça existir de modo diferente do que o vejo?

Descartes, ‘'Meditações Metafísicas, Meditação primeira, item 9, tr. Maria Ermantina de Almeida Prado Galvão

O ‘'Penso, logo existo’'[editar | editar código-fonte]

Dessa forma, Descartes nos mostra que tudo pode ser colocado em questão. No entanto, em qualquer uma das dúvidas que se apresente, é possível extrair uma certeza dalí: em todas as situações em que elas se derem, é difícil duvidar de que há alguém pensando nesse processo todo, e se existe um agente pensante nesse processo, é possível inferir a existência de um agente. Logo, se alguém pensa, alguém existe. Daí surgiu sua famosa frase Cogito ergo sum: Penso, logo existo, a primeira verdade cartesiana. [4]

Não há duvida, então, de que eu sou, se ele me engana; e que me engane o quanto quiser, jamais poderá fazer com que eu não seja nada, enquanto eu pensar ser alguma coisa. De sorte que, após ter pensado bem nisso e ter cuidadosamente examinado todas as coisas, é preciso enfim concluir e ter por constante esta proposição, Eu sou, eu existo, é necessariamente verdadeira todas as vezes que a pronuncio ou a concebo em meu espírito.

Descartes, ‘'Meditações Metafísicas, Meditação segunda, item 4, tr. Maria Ermantina de Almeida Prado Galvão

Santo Agostinho: O cogito na idade média[editar | editar código-fonte]

Cogito como um meio para provar a existência de Deus e para conhecer o homem[editar | editar código-fonte]

O bispo de Hipona por sua vez desenvolve seu cogito com objetivos diferentes que Descartes, Para ele, é necessário a definição de um cogito para que se possa ascender a Deus para provar sua existência e conhecer o que há de mais belo no homem. É possível encontrar o desenvolvimento do cogito em inúmeras obras do filósofo.

O duvidar e o existir[editar | editar código-fonte]

Santo Agostinho começa dizendo que pode-se duvidar de tudo, mas que para duvidar do que quer que seja, é preciso reconhecer a necessidade da existência de algo que duvide. Neste caso, a dúvida é necessariamente implicaria na existência de alguém.[5]

Nestas verdade nenhum receio tenho dos argumentos acadêmicos que dizem: Que será se te enganares? - Pois se me enganar, existo. Realmente, quem não existe de modo nenhum se pode enganar. Por isso, se me engano é porque existo. Porque, portanto, existo se me engano, como poderei enganar-me sobre se existo, quando é certo que existo quando me engano? Por conseguinte, como seria eu quem se enganaria, mesmo que me engane não há duvida de que não me engano nisto: - que conheço que existo. Mas a consequência é que não me engano mesmo nisto: - que conheço que me conheço. De facto, assim como conheço que existo, assim também conheço isso mesmo: que me conheço.

Agostinho, ‘’A Cidade de Deus’’, Livro XI, cápitulo XXVI “Imagem da soberana Trindade que, de certo modo, se encontra mesmo na natureza do homem ainda não bem-aventurado", tr. J. Dias Pereira

O viver e o entender[editar | editar código-fonte]

Coloca assim a primeira verdade: o homem existe. A existência de si é uma verdade tão evidente que é impossível (ou quase impossível) de ser refutada. Adiante, diz que se um sujeito existe é porque ele vive. O viver nesse caso também seria uma verdade evidente. Para concluir, mostra que se um sujeito existe e vive e percebe isso, é porque ele entende também.[6]Ou seja, estão colocadas as três verdades evidentes que formam o cogito de Agostinho: o existir, o viver e o entender.

Agostinho: Assim pois, para partirmos de uma verdade evidente, eu te perguntaria, primeiramente, se existes. Ou, talvez, temas ser vítima de engano ao responder a essa questão? Todavia, não te poderias enganar de modo algum, se não existisses.

Evódio: É melhor passares logo adiante, às demais questões. Ag: Então, visto ser claro que existes-e disso não poderias ter certeza tão manifesta, caso não vivesses -, é também coisa clara que vives. Compreendes bem, que há aí duas realidades muito verdadeiras? Ev: Compreendo-o perfeitamente. Ag: Logo, é também manifesta terceira verdade, a saber que tu entender. Ev: É claro.

Agostinho, ‘’O Livre-arbítrio’’, Livro 2, capítulo 3 “As primeiras intuições do espírito: o existir, o viver, o entender”, ítem 7, tr. Nair de Assis Oliveira

O homem e os outros seres[editar | editar código-fonte]

St. Agostinho diz ainda que seriam a presença dessas três verdade que o homem se diferenciaria dos outros seres.[7]

Ninguém duvida que aquele que entende está vivo; e aquele que está vivo é porque existe. Portanto, o ser que entende existe e vive, o que não acontece com o cadáver que não vive. Nem acontece com a alma dos animais, que vive, mas não entende. A alma humana, porém vive, entende e existe, de modo peculiar e mais nobre.

Agostinho, ‘’A Trindade’’, Livro X, capítulo 10, ítem 13, tr. Agustino Belmonte

Diferente de Descartes, o filósofo de séc. IV coloca as certezas do cogito como algo que diferencia o homem dos outros seres, demonstrando que a ausência de um ou do outro é que separaria o homem dos outros seres. O filósofo francês não faz essa distinção e mantém o cogito estritamente no campo de sua investigação.

É natural que qualquer filósofo queira alcançar verdades sólidas com as suas investigações, e no entanto, apenas Santo Agostinho e Descartes se viram com uma necessidade de instituir primeiramente um fundamento para as suas pesquisas intelectuais. É interessante observar que ambos são filósofos que desenvolveram uma filosofia introspectiva, meditativa e solitária, que acredita que a verdade só pode ser encontrada no interior de seu ser. Esta aproximação filosófica parece ser um fator determinante para a necessidade de um cogito em ambos. Além disso, é interessante que, como dito acima, Santo Agostinho coloca a necessidade de um cogito como meio para pode compreender e contemplar a existência de Deus. Descartes desenvolve o seu com um outro objetivo, mas logo adiante, em seus “Meditações metafísicas” apresenta a questão sobre a existência de Deus também, e escreve que apenas pelo cogito é que a sua existência pode ser provada. Ou seja, em ambos os casos o cogito é indispensável para responder a questão sobre a existência de Deus.

Bibliografia[editar | editar código-fonte]

DESCARTES, René. Meditações Metafísicas. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

AGOSTINHO, Santo ‘A Cidade de Deus Vol. 2.’

AGOSTINHO, Santo ‘https://sumateologica.files.wordpress.com/2009/07/santo_agostinho_-_o_livre-arbitrio.pdf O Livre-arbítrio].’’'

AGOSTINHO, Santo ‘’'http://www.vivendopelapalavra.com/download/A%20TRINDADE%20-%20AGOSTINHO.pdf A Trindade].’’'

  1. DESCARTES, René (2005). Meditações Metafísicas. São Paulo: Martins Fontes. p. 31 
  2. DESCARTES, René (2005). Meditações Metafísicas. São Paulo: Martins Fontes. pp. 32–33 
  3. DESCARTES, René (2005). Meditações Metafísicas. São Paulo: Martins Fontes. p. 35 
  4. DESCARTES, René (2005). Meditações Metafísicas. São Paulo: Martins Fontes. pp. 42–43 
  5. Agostinho, de Hipona (2005). A Cidade de Deus. Portugal: Calouste Gulbenkian. pp. 1051–1052 
  6. Agostinho, de Hipona (1995). O Livre-arbítrio. São Paulo: Paulus. pp. 80–81 
  7. Agostinho, de Hipona (1994). A Trindade. São Paulo: Paulus. p. 327