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Usuário(a):Mitopoética da Cidade/Modo narrativo

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Narrativa segundo Walter Benjamin[editar | editar código-fonte]

O filósofo alemão Walter Benjamin em sua obra O Narrador procurou fazer uma análise ensaística histórico-sociológica da narrativa e seu papel social. Segundo essa análise, a própria existência da narrativa já implica um significado mais profundo. Para se familiarizar com esse fenômeno ele estudou a obra do escritor Nikolai Leskov, por considerar que sua obra se aproximou dos contos da tradição oral, uma qualidade segundo Benjamin. A partir desse ponto, ele procura entender qual a importância de se contar histórias.

O objetivo é desvendar que pistas a tradição de contar histórias traz para a descoberta das relações humanas ao longo da história. O filósofo buscou encontrar um ponto comum entre os diferentes tipos de narrativa existentes e esmiuçar a narrativa moderna. Para ele, o homem moderno perdeu a capacidade de narrar histórias, o que é grave para a sociedade. Isso acontece porque Benjamin considera como as narrativas de maior valor aquelas histórias que se aproximam da tradição oral, passadas de geração em geração. As histórias orais, por serem obras inacabadas e coletivas, têm o poder de acumular em si o “imaginário social” de quem as conta. A era da informação é a ameaça que coloca essa tradição em cheque. Com a dinâmica rápida e efêmera da informação nos tempos modernos, as narrativas mais curtas e de fácil consumo são as que sobrevivem.

Para Benjamin, a humanidade criou a arte de contar histórias para conseguir trocar experiências; essa faculdade foi uma das responsáveis pelo triunfo da espécie humana. As histórias “arcaicas” (ou seja, histórias do período que antecedeu a primeira guerra mundial) possuíam, essencialmente, dois tipos de narrador: O Agricultor que reafirma as tradições e o Mercador dos Mares que traz as novidades. Para ele, essa articulação pode nos levar a entender muito sobre as conexões sociais, já que explicitam que o aprendizado dos homens e sua maneira de lidar com mundo se deu a partir de uma mistura dessas duas visões; a visão tradicional, que repete ensinamentos e a visão que chega com os novos ensinamentos a serem incorporados.

Benjamin diz que essa visão mais arcaica está intimamente ligada à tradição oral e ao tipo de narrativa que ele classificou como narração. Segundo sua obra existem dois tipos de histórias a serem contadas que foram criadas pelo ser humano: Os romances e as narrações. Os romances, segundo Benjamin, são histórias que remetem a lutas heroicas, protagonistas. E as narrações são histórias que se aproximam bem mais da memória coletiva dos povos, e se foca menos num fio condutor da história. Quanto mais a história é “natural”, ou seja, se afasta da psicologia das personagens e foca na memória sensorial e coletiva, maior o seu valor. A importância da narração é passagem de uma “moral da história”. Essa moral da história é para Benjamin a grande importância da narrativa, pois ela tem a capacidade de contar muito sobre a história, os costumes e a tradição de uma determinada sociedade.

Benjamin então ressalta a importância do papel do narrador nessa dinâmica social; o narrador tem o poder de dar conselhos e analisar a vida coletiva, já que sua função é justamente trabalhar com histórias que são histórias comuns. Para ele a narrativa como uma experiência coletiva é o fenômeno a ser estudado e também o fenômeno se vem se extinguindo com a Era da Informação. Pois a nossa capacidade de compartilhar experiências (e conhecimento), deriva precisamente da tradição oral e da ótica coletiva das narrativas.

Esse é o cerne da análise do filósofo. Para ele, a passagem da narração – uma história coletiva, que se aproxima da tradição oral e da memória social - para o romance – uma história individual, com fio condutor e protagonista – indica uma mudança que ocorreu na sociedade e na maneira como o ser humano se relaciona com o mundo e os seus semelhantes. Para Benjamin, não só o narrador, mas também o receptor da história merece atenção especial. A diferença entre o leitor e o ouvinte é um dos sinais da perda que a preferência pelo romance pode acarretar. O ouvinte está ao lado do narrador, compartilhando da experiência, inserido na tradição oral, é parte do modo de se contar histórias. Já o leitor distancia-se da importância da tradição oral, vê a história como algo exterior a ser consumido. A partir do advento da informação os indivíduos perdem a capacidade de enxergar o mundo a partir de uma tradição coletiva, perdem a capacidade de receber conselhos e dar seguimento aos costumes do seu próprio povo. Quando o homem passa a não se interessar mais pela problematização do ambiente, ou seja, de questões que dizem respeito a todos, ele perde a capacidade de se enxergar como parte de um todo.

Esse novo indivíduo rejeita as experiências coletivas e procura construir sua visão de mundo a partir da sua própria ótica. Esse indivíduo é totalmente inserido numa sociedade na qual o individualismo é a chave para o êxito. As experiências narrativas são efêmeras e solitárias, baseadas não na memória de um povo ou de um lugar, mas em histórias que possuem um protagonista destacado do seu tempo e espaço. A valorização do protagonista em detrimento de seu ambiente é para Benjamin um sintoma do descolamento do indivíduo de suas circunstâncias.


Referências Bibliográficas:

  • GAGNEBIN, J. M. História e Narração em Walter Benjamin. São Paulo: Perspectiva, 1994
  • BENJAMIN, W. Textos Escolhidos – Walter Benjamin ET al. Tradução de Modesto Carone. São Paulo: Abril, 1983
  • BENJAMIN, A.; OSBORNE, P. (orgs.) A Filosofia de Walter Benjamin – Destruição e Experiência. Tradução de Maria Luiza de A. Borges. Rio de Janeiro: Zahar, 1997
  • BENJAMIN, W. Magia e Técnica, Arte e Política: Ensaios sobre Literatura e História da Cultura. Obras Escolhidas. Volume I. 5. Ed. Tradução de Sérgio Paulo Rouanet. São Paulo: Brasiliense, 1993.
  • http://conferencias.ulusofona.pt/index.php/lusocom/8lusocom09/paper/viewFile/61/37