Usuário(a):Shiryu De Dragão/Racismo Recreativo

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Racismo Recreativo[editar | editar código-fonte]

Conceito[editar | editar código-fonte]

Racismo Recreativo designa um tipo específico de opressão racial que aparece na forma de humor, que perpetua preconceitos e estereótipos racistas contra grupos socialmente minoritários e oprimidos de pessoas não brancas como: pessoas negras, povos originários, comunidades tradicionais e pessoas asiáticas. Esses grupos oprimidos têm o status cultural e o status material dos membros comprometidos com o compartilhamento e disseminação de discursos racistas e opressores disfarçados de piada.

O jurista Adilson José Moreira, doutor em Direito Constitucional Comparado pela Faculdade de Direito da Universidade de Harvard, pesquisador da Universidade de Berkeley e autor do livro "Racismo Recreativo", lançado em 2019, foi um dos primeiros a relacionar racismo e humor sob o aspecto jurídico e cunhou o conceito Racismo Recreativo, que, segundo ele, é um tipo de marginalização que tem o mesmo objetivo de outras formas de racismo:

[...] legitimar hierarquias raciais presentes na sociedade brasileira de forma que oportunidades sociais permaneçam nas mãos de pessoas brancas. Ele contém mecanismos que também estão presentes em outros tipos de racismo, embora tenha uma característica especial: o uso do humor para expressar hostilidade racial, estratégia que permite a perpetuação do racismo, mas que protege a imagem social de pessoas brancas. O racismo recreativo exemplifica uma manifestação atual da marginalização social em democracias liberais: o racismo sem racistas. Esse conceito designa uma narrativa na qual os que reproduzem o racismo se recusam a reconhecer que suas ações ou omissões podem contribuir para a permanência de disparidades raciais na nossa sociedade.[1]

O racismo recreativo, portanto, é outra modalidade de opressão e perpetuação do sistema racista camuflada de brincadeira que protege aquele que o comete sob o escudo de ser "só uma piada". A prática envolve brincadeiras, piadas, mensagens e imagens que promovem a degradação moral de minorias raciais. Segundo Adilson Moreira, o racismo recreativo tem quatro objetivos:

  1. produzir gratificação psicológica para pessoas brancas;
  2. reproduzir a ideia de que minorias raciais não são atores sociais competentes;
  3. permitir que pessoas brancas expressem hostilidade contra membros de minorias raciais;
  4. e permitir que as pessoas brancas mantenham uma imagem social positiva.

O racismo recreativo afirma a inferioridade de minorias raciais e a superioridade de pessoas brancas, reproduzindo e mantendo o privilégio branco na sociedade. Em seu livro, Adilson Moreira formula a seguinte definição para Racismo Recreativo:

Ele deve ser visto como um projeto de dominação que procura promover a reprodução de relações assimétricas de poder entre grupos raciais por meio de uma política cultural baseada na utilização do humor como expressão e encobrimento de hostilidade racial. O racismo recreativo decorre da competição entre grupos raciais por estima social, sendo que ele revela uma estratégia empregada por membros do grupo racial dominante para garantir que o bem público da respeitabilidade permaneça um privilégio exclusivo de pessoas brancas. A posse exclusiva desse bem público garante a elas acesso privilegiado a oportunidades materiais porque o humor racista tem como consequência a perpetuação da ideia de que elas são as únicas pessoas capazes de atuar como agentes sociais competentes. O racismo recreativo contribui para a reprodução da hegemonia branca ao permitir que a dinâmica da assimetria de status cultural e de status material seja encoberta pela ideia de que o humor racista possui uma natureza benigna. Embora ele almeje salientar a suposta degradação moral de minorias raciais por meio do humor, ele expressa também a intenção de impedir a mobilização política em torno da raça. Essa forma de política cultural possibilita a preservação de narrativas sociais baseadas na noção de neutralidade racial, elemento responsável pela manutenção de uma imagem positiva dos membros do grupo racial dominante que praticam crimes de injúria e racismo.[2]

Os mecanismos que operam o racismo recreativo não podem ser interpretados como apenas um tipo de comportamento individual, pois como um tipo de racismo, também é parte de um sistema de dominação estrutural que extrapolam a motivação individual. Ou seja, racismo recreativo é um projeto de dominação racial que opera de acordo com premissas específicas da cultura pública brasileira que esconde toda a problemática do racismo na sociedade por trás da ideia de cordialidade essencial dos brasileiros.

Legislação[editar | editar código-fonte]

A Constituição Federal de 1988, no seu art. 5° inciso XLII, determina que “a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito de reclusão nos termos da lei”. Dessa forma, a Constituição Federal prevê uma proteção ainda mais forte contra o racismo, tornando-o um crime inafiançável, ou seja, sem possibilidade de pagamento de fiança para obtenção de liberdade provisória, e imprescritível, o que significa que não há prazo limite para a punição desse crime. A Constituição preza pelo bem estar de todos, sem preconceitos de origens e quaisquer outras formas de discriminação, mantendo a noção de que todos são iguais perante a lei, sem quaisquer distinções. No Art. 215. § 1. Afirma que o Estado tem o dever de proteger as manifestações de culturas populares, indígenas e afro-brasileiras.

A Lei Caó: Lei nº 7.716, de 05 de janeiro de 1989, nela define os crimes resultantes do preconceito, de raça ou de cor, foi batizada em homenagem ao deputado federal Carlos Alberto de Oliveira, conhecido como Caó, que foi o autor do projeto de lei. A lei separa três grupos de condutas que foram consideradas como crime racial, a primeira: Impedir, negar ou recusar o acesso de alguém, a segunda: Impedir ou obstar o casamento ou convivência familiar e social, e a terceira: Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou o preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, incluindo a utilização de meios de comunicação social ou publicação de qualquer natureza. Essa conduta abrange a disseminação de ideias, discursos ou conteúdos que promovam a discriminação ou o preconceito racial.

A Lei nº 9.459, de 13 de maio de 1997, trata especificamente do crime de injúria racial no Brasil. Essa lei foi criada com o objetivo de combater atos de discriminação e ofensas baseadas na raça, cor, etnia, religião ou origem. A Lei nº 9.459 estabelece que a injúria racial é um crime passível de pena, com previsão de detenção de um a três anos e multa. A pena pode ser aumentada se o crime for cometido por meio da internet, utilizando-se de redes sociais, sites, e-mails ou outros meios digitais.[3]

O Estatuto da Igualdade Racial, oficialmente conhecido como Lei n° 12.288/2010, é uma legislação brasileira que busca promover a igualdade racial no país. Ele foi sancionado em 20 de julho de 2010, pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e estabelece diretrizes e medidas para combater a discriminação racial e promover a igualdade de oportunidades para todos os cidadãos brasileiros, independentemente de sua origem étnica.

Subsequente no dia 12 de janeiro de 2023, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a Lei 14.532, de 2023, que alterou a Lei de Crime Racial no Brasil e passou a equiparar como crime de racismo a injúria racial, com a pena aumentada de um a três anos para de dois a cinco anos de reclusão[4]. Enquanto o racismo é entendido como um crime contra a coletividade, a injúria é direcionada ao indivíduo. Desse modo, ao tipificar injúria racial como racismo, o sistema judiciário não poderá mais fazer diferença entre a prática estes dois crimes. Injúria racial trata-se de ofensa que atinge a dignidade de uma pessoa por sua raça, cor e etnia; o racismo acontece quando a ofensa é contra um grupo ou coletividade, por sua raça, cor ou etnia. Antes desta alteração na Lei de Crime Racial, o crime de injúria racial tinha uma tipificação menos grave que o crime de racismo. Agora, os crime equiparados, também equiparam-se suas penas. Portanto, com esta modificação na lei, o uso do humor hostil e racista também pode ser investigado como hipótese de prática de injúria racial, uma vez que o racismo recreativo é uma forma de incitação à discriminação.

Exemplos[editar | editar código-fonte]

O cenário da Comédia no Brasil é repleto de exemplos de racismo recreativo. Afinal, se esse tipo de racismo é uma política cultural que dissemina uma série de estereótipos negativos que também aparecem em todos os outros mecanismos de discriminação de minorias raciais, não é raro que essa modalidade de produção do humor encontre um público que sustenta comediantes que só tiveram visibilidade com piadas racistas.

Léo Lins e Danilo Gentili são humoristas brancos que se valem de mídias sociais para entreter seu público com racismo recreativo e acumulam várias ocasiões de polêmicas por conta de suas atividades nas redes sociais e em suas apresentações. Léo Lins tem um histórico de problemas com a Justiça por conta das suas piadas, que remonta a pelo menos, desde o caso de racismo do jornalista William Waack quando escalou o racismo do jornalista ao fazer piadas mais grotescas[5]. Recentemente, em maio de 2023, a Justiça paulista determinou que o comediante retirasse do Youtube o vídeo, publicado em 2022, de um show com tiradas racistas e machistas[6], por exemplo. Só esse vídeo tinha mais de 3 milhões de visualizações. Esse caso gerou bastante repercussão nas redes sociais dividindo artistas, humoristas e demais usuários da web quanto à retirada do vídeo do Léo Lins do ar[7]. Os debates na web exemplificam como o racismo recreativo permite que as pessoas brancas se escondam por trás de uma equivocada defesa da liberdade de expressão e oposição à censura para manter os privilégios e o sistema de dominação da branquitude e seu pacto narcísico.

Para exemplificar como se dá o racismo recreativo no cotidiano, muitas vezes sob o pretexto de ignorância ou falta de letramento racial, houve o episódio na edição 21 do Big Brother Brasil quando o sertanejo Rodolffo Matthaus comparou o cabelo do Professor João Luiz com o cabelo do "homem das cavernas"[8], que representa um cabelo feio e sujo, portanto, sendo uma afirmação fundamentada no racismo estrutural camuflado de brincadeira.

Referências[editar | editar código-fonte]

  1. Moreira, Adilson José (2019). Racismo recreativo. Col: Feminismos plurais. São Paulo: Sueli Carneiro. p. 24 
  2. Moreira, Adilson José (2019). Racismo recreativo. Col: Feminismos plurais. São Paulo: Sueli Carneiro. p. 95 
  3. LEGISLAÇÃO, BRASIL (1 de setembro de 2015). «Legislação sobre Discriminação Racial no Brasil». RACISMO INSTITUCIONAL. Consultado em 28 de junho de 2023 
  4. «Sancionada lei que tipifica como crime de racismo a injúria racial». Senado Federal. Consultado em 28 de junho de 2023 
  5. Sacramento, Marcos (11 de novembro de 2017). «Efeito Waack: comediante amigo de Gentili dobra o racismo do jornalista da Globo em show. Por Sacramento». Diário do Centro do Mundo. Consultado em 28 de junho de 2023 
  6. «Entenda a decisão judicial contra o humorista Léo Lins por piadas sobre escravidão». CartaCapital. 17 de maio de 2023. Consultado em 28 de junho de 2023 
  7. Santos, Isadora (19 de maio de 2023). «Por que a lei que pune o racismo recreativo assusta tanto os humoristas?». Mundo Negro. Consultado em 28 de junho de 2023 
  8. «Coluna | Racismo recreativo e o privilégio branco no BBB-21». Brasil de Fato - Paraíba. 8 de abril de 2021. Consultado em 28 de junho de 2023 

Bibliografia[editar | editar código-fonte]

MOREIRA, Adilson. Racismo recreativo. Pólen Produção Editorial LTDA, 2019.