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Cordel Encantado: um retrato fantástico da questão agrária brasileira[editar | editar código-fonte]

Telenovela de Duca Rachid[1] e Thelma Guedes[2] originalmente exibida em 2011, pela Rede Globo.

Recepção e inovações[3] no formato de telenovela [4][editar | editar código-fonte]

“Cordel Encantado”[5] é uma novela da Rede Globo que foi sucesso em 2011, marcando uma média de 25 pontos no Ibope[6]. Ela traz diversos aspectos da cultura e do imaginário nacional e internacional em seu enredos. Esses aspectos são, ao mesmo tempo, distantes e próximos da realidade brasileira. O processo de unir tantas referências em um produto (a telenovela) é conhecido, nos estudos de Comunicação Social, como hibridização cultural[7]. Junto com o potencial educativo[8] dos produtos televisivos, defendido por teóricos como Jesús Martín-Barbero[9] - semiólogo colombiano - e também por Benedito Ruy Barbosa[10], renomado autor de telenovelas, a hibridização cultural, ao mesmo tempo em que enriquece o enredo, permite que temas históricos e sociais sejam abordados e discutidos, como é o caso da questão agrária brasileira[11] - mais especificamente a nordestina.

Resumo[editar | editar código-fonte]

A trama tem início em Seráfia (país fictício), onde os reinos do norte - governado pelo rei Augusto (Carmo Dalla Vecchia[12]) - e do sul - governado pelo rei Teobaldo (Thiago Lacerda[13]) estão em guerra, pois o governante de Seráfia do sul não reconhece a autonomia do norte. Antes de acontecer a batalha final, o rei Augusto recebe do cientista de sua corte (Zé Celso Martinez Correa[14]) a notícia de que um meteorito havia caído no sertão nordestino do Brasil. O cientista associa o episódio a um sonho que o rei teve na noite anterior e eles concluem que Augusto deveria sair em expedição. Teobaldo então ataca Seráfia do Norte, e Augusto precisa ir para o campo de batalha. Enquanto ele está combatendo, a rainha Cristina (Aline Moraes[15]) dá a luz à princesa Aurora (Bianca Bin[16]). Na batalha, Teobaldo é gravemente ferido por um de seus homens, que não concordava com a continuidade da guerra entre os reinos. Antes de morrer, ele assina um acordo de paz entre o norte e o sul, acordo esse que seria selado com o futuro casamento de Aurora e Felipe (Jayme Matarazzo[17]). Ao final da guerra, o rei Augusto sai em expedição para o Brasil, levando uma grande comitiva. Nessa viagem, a duquesa Úrsula (Débora Bloch[18]), esposa do duque Petrus (Felipe Camargo[19]), que é irmão do rei, arma uma série de planos para conseguir o que sempre quis: ser rainha ao lado de Augusto. Os resultados das conspirações da duquesa são a morte da rainha Cristina e os desaparecimentos de Petrus e Aurora, que também são dados como mortos. Mas o duque havia sido aprisionado em uma máscara de ferro, e a princesa foi entregue, pela rainha, a um casal de camponeses. Os anos se passam e a trama chega ao seu principal eixo: o amor entre a princesa perdida e Jesuíno (Cauã Reymond[20]) - um empregado na fazenda do coronel Januário Cabral (Reginaldo Faria[21]) que é, na verdade, filho de Herculano (Domingos Montagner[22]), poderoso cangaceiro.

Referências e (des)contexto histórico[editar | editar código-fonte]

"O fantasma da Ópera" é uma das histórias que aparecem como referência. Na imagem, cena do filme de 2004.

A história faz diversas alusões à literatura, ao teatro, cinema, imaginário popular, e à história. Essas referências aparecem em vários momentos: na rivalidade entre duas casas reais que termina com um acordo de paz em que os reinos seriam unificados pelo futuro casamento dos herdeiros de cada um dos reinos; no aprisionamento do duque Petrus por anos em uma máscara de ferro [23]e posterior vida misteriosa desse personagem nos bastidores do cinema da cidade (O Fantasma da Ópera[24]); quando Açucena, ao pensar que Jesuíno está morto, bebe um líquido que a leva a um sono profundo (Romeu e Julieta[25]) do qual ela só desperta após o beijo de seu amor verdadeiro (A Bela Adormecida[26]); no encarceramento de Antônia (Luiza Valdetaro[27]) - filha do coronel e irmã do vilão Timóteo Cabral (Bruno Gagliasso[28]) - em seu quarto (Rapunzel[29]); na conversão do infante Dom Inácio (Mauricio Destri[30]) de membro da realeza a guia dos camponeses, deixando todos os luxos e títulos para trás e se dedicando apenas a ajudar os necessitados (história de São Francisco de Assis[31]); quando Doralice (Nathalia Dill[32]) se veste de homem para seguir Jesuíno no bando do capitão Herculano (Diadorim de “Grandes Sertões: veredas”[33]). Todas essas passagens estão envoltas na popular expressão da literatura nordestina, o cordel, que dá nome ao folhetim. A trama não está localizada em um tempo histórico exato, fala sobre reinos e monarquias ao mesmo tempo que mostra o cangaço e a modernização - a chegada do cinema na pequena cidade sertaneja de Brogodó é um exemplo. A figura feminina de Doralice é muito interessante nesse (des)contexto: na contramão da moça que se apaixona e programa a vida pensando em se casar, elasai de Brogodó para estudar na capital e volta formada em Direito. A questão socioeconômica pode ser apontada, uma vez que ela é filha do prefeito da cidade enquanto Açucena, por exemplo, é (a princípio) apenas uma camponesa. Porém, Doralice tem uma trajetória muito diferenciada de Antônia, filha do coronel, o que pode ser explicado por esta, mesmo vindo de família abastada, estar inserida em um contexto mais tradicional, enquanto aquela está na cidade, mesmo que seja uma pequena cidade de interior. Essa oposição entre cidade e campo enquanto dicotomia entre o “moderno” e o “tradicional” aparece em vários momentos da trama, inclusive em outra personagem feminina, a jornalista Penélope (Paula Burlamaqui[34]), vinda da capital para fazer registros do bando de cangaceiros.

O beato Antônio Conselheiro, personagem da história e cultura popular brasileira, aparece na figura de "Miguézim" (Matheus Nachtergaele)

A representação da questão agrária[editar | editar código-fonte]

Entremeada por conflitos amorosos, pelas descobertas das verdadeiras origens pelos personagens, a luta pela terra está fortemente marcada na trama da telenovela em três figuras essenciais: o coronel - Timóteo Cabral (Bruno Gagliasso), que assume as terras do pai após a morte deste, ainda na parte inicial da história -, o cangaceiro (capitão Herculano e seu bando) e o beato - o profeta “Miguézim”(Matheus Nachtergaele[35]). Os dois últimos podem ser facilmente associados às figuras de Lampião e Antônio Conselheiro. O personagem Herculano, junto com seu bando, levanta em vários momentos da história a famosa questão relacionada à trajetória de Lampião e seus seguidores: heróis ou bandidos? E a pergunta não é completamente respondida, uma vez que, por mais que o cangaço apareça ligado a Jesuíno, o capitão se envolve em diversas tramas, associando-se, por exemplo, à Úrsula - duquesa e vilã -, com quem ele vive um romance. Na verdade, a quebra desse maniqueísmo no que se refere ao cangaço é a marca da representação dele na novela. Herculano é retratado como um homem fiel aos seus princípios (o que é ilustrado pelo bordão “pelo justo e pelo certo”, dito por ele em muitos momentos), por mais que as suas ações levantem várias reações negativas de diversos personagens. Um dos integrantes do bando do capitão, “Zóio Furado”(Tuca Andrada[36]), por sua vez, mostra-se alguém ambicioso e capaz do que for necessário para lucrar, e assim rompe com o bando, associando-se a Timóteo Cabral. A figura de “Miguézim”, profeta conselheiro, é de grande importância para a trama, tanto para dar o tom de misticismo quanto para o desenrolar do enredo. Ele é sensitivo, inclusive em relação ao destino dos personagens principais, mas não age para mudar o curso dos acontecimentos. O personagem é o refúgio no qual os necessitados vão buscar abrigo e, como demais personagens, não está imune aos ataques de Timóteo Cabral. Os desmandos do coronel sobre os camponeses da região é o motivo pelo qual se inicia a construção de uma comunidade liderada por “Miguézim”, e são esses mesmos desmandos que atrapalham a concretização dessa. O jovem coronel, apaixonado por Açucena/Aurora desde antes de saber da verdadeira identidade da moça, tem grande poder de ação sobre as vidas dos demais personagens, principalmente os trabalhadores da fazenda e moradores dos arredores. A irmão dele, Antônia, que é também par romântico de Inácio, engaja-se em conseguir tomar parte da herança do falecido coronel que a pertence e se coloca ao lado de “Miguézim” e dos trabalhadores. Porém Timóteo, com seus desmandos, consegue praticamente tudo o que quer, mantendo sempre a situação favorável a ele.

Próximo ao fim da trama, Timóteo Cabral morre e as terras que a ele pertenciam passam para Antônia, que as distribui entre os camponeses e, junto com o profeta e Inácio, assume a liderança da comunidade. Jesuíno e Açucena, que se casaram em Seráfia, voltam para o sertão para, segundo “Miguézim”, reinar por lá, tornando-se também lideranças. Mas, no fim do último capítulo, quando tudo parecia ter se resolvido, a chegada de um novo coronel revela que Timóteo havia vendido as terras da família, mesmo sem a autorização da irmã, e eles são intimados a deixarem a fazenda. Novamente, o poder de um coronel sobre a vida daquelas pessoas as expulsa da terra, e a novela é encerrada com a perspectiva de que a luta nunca acaba.Dessa forma, a história da questão agrária brasileira se faz fortemente presente na trama: é a luta constante não só para a obtenção de direitos, mas para que eles sejam mantidos; são famílias inteiras que têm suas vidas condicionadas pelos desmandos de coronéis. Na novela, o poder que esses homens têm para se beneficiar perante as instituições como prefeitura e delegacia está mais ligado à maldade deles, à capacidade de coagir mesmo figuras de autoridade. E as figuras “autoritárias”, no caso, são o delegado Batoré (Osmar Prado[37]) e o prefeito Patácio Peixoto (Marcos Caruso[38]), personagens do núcleo cômico da trama que, por mais que entrem em esquemas ilegais, não são colocados como vilões. A personalidade deles também traz muito da covardia, do abalo e constrangimento diante de qualquer confrontação. Então é posto como natural que, em face de toda a crueldade do coronel, eles ajam de maneira conivente. Mas, na realidade dos confrontos por terra, as associações entre fazendeiros e órgãos de poder público se dão pelas convergências de interesses das partes envolvidas. Assim, as crueldades e arbitrariedades às quais os camponeses são submetidos são apoiadas, acobertadas e intencionalmente esquecidas por aqueles que deveriam assegurar os direitos deles. As dimensões da luta são muito mais complexas, e a violência[39] envolvida na repressão[40] a ela, por mais que beire o absurdo, está longe de ser ficção.

  1. «Duca Rachid». Wikipédia, a enciclopédia livre. 1 de julho de 2019 
  2. «Thelma Guedes». Wikipédia, a enciclopédia livre. 17 de maio de 2019 
  3. AIRES, Aliana Barbosa. Estratégias de Renovação em Telenovela: a produção de uma estética da diferença em Cordel Encantado. Disponível em: <http://www.periodicos.ufpb.br/index.php/tematica/article/view/21880>. Acesso em 15 de Maio de 2019.
  4. «Telenovela». Wikipédia, a enciclopédia livre. 21 de junho de 2019 
  5. «Cordel Encantado». Wikipédia, a enciclopédia livre. 17 de junho de 2019 
  6. «Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística». Wikipédia, a enciclopédia livre. 23 de abril de 2019 
  7. RIBEIRO, Regiane Regina; SILVA, Anderson Lopes da. De “Lampião” à “Bela Adormecida”: análise das hibridizações culturais na telenovela “Cordel Encantado”. Disponível em: <http://www.periodicos.ufpb.br/index.php/tematica/article/view/21880>. Acesso em 12 de Maio de 2019.
  8. BALOGH, Anna Maria. Benedito Ruy Barbosa: intertextualidade e recepção. Disponível em: <https://www.revistas.usp.br/novosolhares/article/view/51306>. Acesso em 12 de Maio de 2019.
  9. «Jesús Martín-Barbero». Wikipédia, a enciclopédia livre. 13 de junho de 2019 
  10. «Benedito Ruy Barbosa». Wikipédia, a enciclopédia livre. 4 de maio de 2019 
  11. STÉDILE, João Pedro. A questão agrária no Brasil: o debate tradicional: 1500-1960. São Paulo: Expressão Popular, 2005, p.15-31.
  12. «Carmo Dalla Vecchia». Wikipédia, a enciclopédia livre. 25 de abril de 2019 
  13. «Thiago Lacerda». Wikipédia, a enciclopédia livre. 28 de junho de 2019 
  14. «José Celso Martinez Corrêa». Wikipédia, a enciclopédia livre. 22 de maio de 2019 
  15. «Alinne Moraes». Wikipédia, a enciclopédia livre. 31 de maio de 2019 
  16. «Bianca Bin». Wikipédia, a enciclopédia livre. 26 de junho de 2019 
  17. «Jayme Matarazzo». Wikipédia, a enciclopédia livre. 22 de junho de 2019 
  18. «Débora Bloch». Wikipédia, a enciclopédia livre. 31 de maio de 2019 
  19. «Felipe Camargo». Wikipédia, a enciclopédia livre. 4 de maio de 2019 
  20. «Cauã Reymond». Wikipédia, a enciclopédia livre. 2 de julho de 2019 
  21. «Reginaldo Faria». Wikipédia, a enciclopédia livre. 19 de março de 2019 
  22. «Domingos Montagner». Wikipédia, a enciclopédia livre. 4 de dezembro de 2018 
  23. «The Man in the Iron Mask (1939)». Wikipédia, a enciclopédia livre. 4 de março de 2019 
  24. «O Fantasma da Ópera». Wikipédia, a enciclopédia livre. 19 de junho de 2019 
  25. «Romeu e Julieta». Wikipédia, a enciclopédia livre. 19 de maio de 2019 
  26. «A Bela Adormecida». Wikipédia, a enciclopédia livre. 7 de junho de 2019 
  27. «Luiza Valdetaro». Wikipédia, a enciclopédia livre. 18 de abril de 2019 
  28. «Bruno Gagliasso». Wikipédia, a enciclopédia livre. 28 de junho de 2019 
  29. «Rapunzel». Wikipédia, a enciclopédia livre. 17 de junho de 2019 
  30. «Maurício Destri». Wikipédia, a enciclopédia livre. 31 de março de 2019 
  31. «Francisco de Assis». Wikipédia, a enciclopédia livre. 30 de abril de 2019 
  32. «Nathalia Dill». Wikipédia, a enciclopédia livre. 2 de julho de 2019 
  33. «Grande Sertão: Veredas». Wikipédia, a enciclopédia livre. 3 de junho de 2019 
  34. «Paula Burlamaqui». Wikipédia, a enciclopédia livre. 13 de maio de 2019 
  35. «Matheus Nachtergaele». Wikipédia, a enciclopédia livre. 25 de maio de 2019 
  36. «Tuca Andrada». Wikipédia, a enciclopédia livre. 30 de junho de 2019 
  37. «Osmar Prado». Wikipédia, a enciclopédia livre. 30 de maio de 2019 
  38. «Marcos Caruso». Wikipédia, a enciclopédia livre. 31 de maio de 2019 
  39. «Massacre de Eldorado do Carajás». Wikipédia, a enciclopédia livre. 11 de maio de 2019 
  40. CARNEIRO, Ana; CIOCCARA, Marta. Retrato da repressão política no campo: camponeses torturados, mortos e desaparecidos. Brasília, MDA, 2011,p. 13-29. Disponível em: http://www.mdh.gov.br/biblioteca/memoria-e-verdade/retrato-da-repressao-politica-no-campo-2013-brasil-1962-1985-camponeses-torturados-mortos-e-desaparecidos/view.