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Alice Sheldon

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Alice Sheldon
Alice Bradley Sheldon
Alice Sheldon
Alice Sheldon com seus pais e amigos na primeira viagem à África
Nascimento 24 de agosto de 1915
Chicago, Illinois
Morte 19 de maio de 1987 (71 anos)
McLean, Virginia
Nacionalidade Estados Unidos estadunidense
Alma mater BA, American University
PhD, George Washington U.
Ocupação Escritora
Prémios Prémio Hugo
Prêmio Júpiter
Prémio Nebula
Gênero literário Ficção científica
Magnum opus “Houston, Houston, do you read?”
Carreira musical
Período musical 1968–1988

Alice Bradley Sheldon (Chicago, 24 de agosto de 1915 - McLean, 19 de maio de 1987) foi uma escritora estadunidense de ficção científica, conhecida pelos pseudônimos James Tiptree Jr. e Racoona Sheldon.[1] É reconhecida por ter quebrado barreiras na escrita de ficção científica, tendo sido recebida nos círculos literários, antes da sua identidade ser descoberta, com entusiasmo, pela sua literatura vigorosa e criativa, normalmente associada a escritores homens. A sua verdadeira identidade só foi revelada publicamente em 1977.[2] Foi receptora de vários prémios literários, como o Prémio Nebula e o Prémio Hugo, durante a sua carreira literária.

Alice Sheldon foi inserida no Hall da Fama da Ficção Científica em 2012.[2]

Alice Bradley nasceu em uma família de intelectuais no bairro universitário de Hyde Park, em Chicago.[3] Seu pai era Herbert Bradley, advogado e naturalista, e sua mãe Mary Hastings Bradley, escritora prolífica de ficção e guias de viagem.[1] Desde criança, Alice viajava com os seus pais, tendo entre 1921 e 1922 viajado pela África Central, o que influenciou, posteriormente, o seu conto "The Women Men Don't See".[2][4] Em março de 1922, a família Bradley voltou para Chicago, quando Alice tinha sete anos de idade e entrou na escola pela primeira vez. Após uma segunda viagem para África, em 1924, a família voltou para os Estados Unidos para passar o verão. No outono do mesmo ano, Alice foi estudar na escola experimental da Universidade de Chicago, uma escola privada, com técnicas inovadoras de ensino para a época, onde possuiam salas de aula pequenas, sem a rígida estrutura de carteiras, valorizando-se a vertente prática e não apenas a teoria.[5][2][6]

Em setembro de 1929, quando Alice tinha 14 anos de idade, foi enviada para um colégio interno em Lausanne, na Suíça, onde aprendeu equitação, etiqueta e francês. Durante esse período, a sua mãe e Alice tiveram vários desentendimentos a respeito do seu futuro.[7] Enquanto a mãe queria que a sua filha seguisse uma carreira acadêmica, Alice queria estudar artes, conseguindo eventualmente ingressar no Sarah Lawrence College, em Bronxville, Nova York, cujo programa atendia os seus objetivos.[8]

Alice Sheldon com o povo Kikuyu, em 1920

Aos 19 anos de idade, Alice Bradley conheceu William Davey, com quem casou em 1934.[9] Durante esse período, Alice tentou ingressar em várias universidades, apesar de ter sido sempre recusada por não aceitarem mulheres casadas, trabalhou como artista gráfica e pintora, usando o nome Alice Bradley Davey,[10] e foi crítica de arte no períodico Chicago Sun, entre 1941 e 1942.[4] Em 1941, Alice divorciou-se e regressou a casa dos pais,[2] onde retomou os estudos num instituto de arte da cidade.

Com a entrada do país na Segunda Guerra Mundial, Alice começou a ter aulas de pilotagem de aviões, mas abandonou o curso por não aceitar as notas baixas que recebeu.[5] Permanecendo o desejo de contribuir para o esforço de guerra, em 1942, alistou-se na Força Aérea dos Estados Unidos através da iniciativa Women's Army Auxiliary Corps. Candidatando-se posteriormente para a escola de oficiais, Alice continuou a procurar oportunidades educacionais dentro das forças armadas, sendo transferida para um grupo de inteligência da Força Aérea Real, no Reino Unido, onde estudou fotointerpretação e realizava aerofotografia.[5] Foi promovida ao cargo de major pelo seu trabalho, um posto considerado alto e raro para as mulheres na época.[1] Durante esses anos, chegou a dizer que estava entre mulheres que se sentiam livres pela primeira vez na vida.

Em 1945, perto do fim da Segunda Guerra Mundial, casou-se com o seu segundo marido, Huntington D. Sheldon, em Paris, onde ambos estavam destacados, e com quem teve três filhos.[2][9]

Após a guerra, foi dispensada do serviço militar, geriu uma pequena fazenda, onde o casal Sheldon fazia criação de galinhas, e em 1946 publicou o seu primeiro conto na revista The New Yorker, creditado a "Alice Bradley". Cinco anos depois, venderam a sua propriedade e mudaram-se para Washington D.C., onde começaram a trabalhar a para a CIA.[11] Em 1955, Alice Sheldon demitiu-se do seu cargo da agência para completar os seus estudos. Tirou um bacharelado em Artes, de 1957 a 1959, na American University, e um doutorado pela George Washington University em Psicologia Experimental, em 1967.[5][1][6] A sua tese era sobre as respostas de animais sob estímulos em diferentes ambientes. Nesta época, Alice escreveu e submeteu contos de ficção científica sob o pseudônimo de James Tiptree Jr., para preservar a sua reputação acadêmica.[9][12]

Na esfera pessoal, Alice tinha uma complexa vida sexual, que descreveu de maneiras diferentes ao longo dos anos.[6] Possivelmente era bissexual.

Literatura de ficção-científica

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Os autógrafos de Alice Sheldon e seus pseudônimos.

Insegura sobre o que fazer e sobre como prosseguir com a sua carreira, Alice Sheldon começou a escrever ficção científica sob o pseudônimo de James Tiptree Jr., em 1967. O nome "Tiptree" proveio do nome de uma marca de doces da empresa Wilkin & Sons, enquanto o "Jr." foi ideia do seu marido.[5] Numa entrevista, declarou:

O pseudônimo permitia que Alice Sheldon escrevesse numa época em que era expectável que os autores homens tivessem mais sucesso no universo da ficção científica. Segundo a sua biógrafa, Julie Phillips, "ninguém jamais tinha visto ou falado com o dono dessa voz [de Alice]. Ele escreveu cartas calorosas, francas, engraçadas, para outros escritores, editores e fãs de ficção científica"[9]. Em cartas para as suas colegas Ursula K. Le Guin e Joanna Russ, ela se apresentava como um homem feminista; porém, Alice nunca se apresentava como um homem. Escrever era a maneira que Alice encontrou de escapar de uma sociedade machista, algo ilustrado com propriedade no conto “Houston, Houston, Do You Read?", onde viajantes do tempo encontram uma Terra futurista, onde a população masculina foi exterminada e as mulheres governam a sociedade com sucesso.[1][15]

O seu primeiro conto publicado foi "Birth of a Salesman", em março de 1968, na revista Analog Science Fact & Fiction, editada por John W. Campbell. Outros três contos se seguiram na revista If e na Fantastic[15]. O pseudônimo foi mantido com sucesso até o final dos anos 1970, em parte porque Tiptree era um apelido famoso, geralmente usado para proteger a reputação profissional de alguma comunidade de inteligência ou membro de agências do governo. Leitores, editores e jornalistas assumiam que James era um homem. Havia especulação, em parte pelos temas abordados em seus contos, de que James seria uma mulher. Mas Robert Silverberg uma vez escreveu:

"Tiptree" nunca fez aparições públicas, mas se correspondia com regularidade com fãs e outros autores de ficção científica pelo correio. Quando perguntado sobre detalhes biográficos, James ou Alice, falava sobre tudo, menos o seu género. Muitos detalhes da sua biografia, como os seus anos na Força Aérea ou o seu doutoramento, foram todos mencionados em cartas que ela escreveu e também em sua biografia.[9][6][5]

Após a morte de Mary Hastings Bradley, sua mãe, em 1976, "Tiptree" mencionou numa carta que a sua mãe também era escritora e que tinha falecido em Chicago, detalhes captados pelos fãs no obituário. Vários autores de ficção científica ficaram constrangidos com a revelação. Harlan Ellison argumentou que Kate Wilhelm era a mulher do ano e James Tiptree Jr. era o homem.[9][5]

Somente por volta desta época, Alice Sheldon terminou o seu primeiro livro, Up the Walls of the World (1978),[9] tendo preferido construir a sua carreira e reputação como uma sólida autora de contos de ficção científica.[9][5]

Alice\James era uma escritora eclética, oscilando em vários estilos e sub-gêneros, em geral combinando o foco na tecnologia, aliada a um afiado senso de hard sci-fi com preocupações sociológicas e psicológicas normalmente abordadas pela soft sci-fi, além de experimentar algumas explorações no movimento new wave da ficção científica.[9][5]

Após escrever vários contos nos moldes tradicionais, produziu o seu primeiro trabalho a ser aclamado pelos leitores, em 1969: "The Last Flight of Doctor Ain". Um de seus contos, "Ain", era um retrato simpático de um cientista cuja preocupação com o meio ambiente e a destruição da natureza o levaria a destruir a raça humana por completo.[9][5] Alguns trabalhos traziam a space opera de revistas pulp que Alice lia quando era adolescente, mas com seu típico tom obscuro, onde personagens alienados e perturbados embarcavam em jornadas cósmicas rumo a experiências que lhe trouxessem algo novo, mas que também poderiam eventualmente matá-los[6].

John Clute, intrigado as complexas visões de Tiptree, assim escreveu:

Contos notáveis como este são "Painwise"[16], em que um astronauta teve o DNA alterado para ser imune à dor, mas acha a sua nova existência intolerável e "A Momentary Taste of Being", onde o verdadeiro propósito da humanidade, encontrado num planeta distante, transforma a vida individual humana sem sentido.[1]

Outro tema frequente em suas obras, é a tensão entre livre arbítrio e determinismo biológico, ou razão vs. desejo sexual. "Love Is the Plan the Plan Is Death"[17], uma das raras histórias de ficção científica em que nenhum ser humano aparece, descreve as racionalizações românticas de uma criatura alienígena sobre os instintos brutais que dirigem seu ciclo de vida. "The Screwfly Solution" sugere que os seres humanos poderiam igualmente racionalizar uma praga de insanidade sexual assassina. Sexo na escrita de Alice\James é francamente retratado, uma força às vezes irônica, porém mais frequentemente ameaçadora[1].

Antes da sua identidade verdadeira ser revelada, Alice era sempre referida no masculino, bem como um incomum autor de ficção científica feminista, especialmente depois de "The Women Men Don't See", uma história de duas mulheres que procuram por aliens para escaparem da sociedade misógina do planeta Terra[5]. No entanto, as opiniões sobre políticas sexuais da autoras podem ser ambíguas, como no final de "Houston, Houston, Do You Read?", seu premiado conto, onde uma sociedade de clones de mulheres precisa lidar com três astronautas homens viajantes do tempo[1].

Este é um tema constante em muitos dos trabalhos de Alice\James. Em "The Women Men Don’t See", ela nos dá uma reviravolta na narrativa, ao colocar um homem como narrador, Don Fenton. Don julga as duas protagonistas, mãe e filha, que buscam pela vida alienígena, por sua sensualidade e fica consternado quando elas não se encaixam nos estereótipos típicos femininos[1][5]. Além disso, o narrador reluta em em compreender a alienação que as duas personagens enfrentam, em uma alusão ao abismo que existe entre homens e mulheres na sociedade. O próprio título do conto reflete a ideia de que mulheres eram invisíveis pela perspectiva de Alice[1][18].

Os dois livros de Alice\James, já perto do final da carreira, não foram bem recebidos pela crítica, nem ficaram conhecidos como os melhores que ela já produziu, mas continuaram a explorar temas semelhantes. Os melhores trabalhos da autora foram reunidos na coleção Her Smoke Rose Up Forever, em 2004[1].

Alice quando criança.

Alice Sheldon continuou escrevendo sob o nome de Tiptree por mais uma década. Seus últimos anos, porém, não foram felizes. Seu marido ficou cego e incapaz de cuidar de si mesmo e a própria Alice estava com problemas de saúde causados por anos de cigarro. Em 1976, aos 60 anos de idade, Alice escreveu a um amigo seu desejo de acabar com a própria vida enquanto ainda era ativa, mas que relutava em prosseguir com ele, já que seu marido não teria ninguém para cuidar dele.

Onze anos depois, em 1987, Alice finalmente levou seu plano adiante, atirando no marido enquanto ele dormia, se matando em seguida. Os dois foram encontrados mortos em sua cama, onde moravam em McLean, na Virgínia. O casal ficou mais e mais recluso em seus últimos anos, conforme suas saúdes se deterioravam. Na manhã anterior às suas mortes, Alice ligou para seu advogado, informando-o sobre o que estava para fazer[19].

Segundo sua biógrafa Julie Phillips, a nota de suicídio de Alice fora escrita anos antes e guardada até aquele dia. Em uma entrevista com Charles Platt, no começo dos anos 1980, Alice falou de seus problemas emocionais e de suas tentativas prévias de suicídio nos últimos 20 anos.[19]

O Prêmio James Tiptree Jr. foi estabelecido em sua homenagem para trabalhos de ficção científica e fantasia que explorem nossa compreensão sobre o gênero. O prêmio foi criado pelas escritoras Karen Joy Fowler e Pat Murphy em 1991. Livros como Half Life, de Shelley Jackson e Light, de M. John Harrison já foram ganhadoras. Em 2019, o prêmio mudou de nome para Prêmio Otherwise, devido às dúvidas levantadas sobre as circunstâncias das mortes de Alice e seu marido.[20]

Coletâneas de pequenas histórias

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Contos em português

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Contos premiados

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Referências

  1. a b c d e f g h i j k Tor (ed.). «Where to Start with the Works of James Tiptree, Jr.». Tor. Consultado em 6 de fevereiro de 2017 
  2. a b c d e f «"Science Fiction Hall of Fame: EMP Museum Announces the 2012 Science Fiction Hall of Fame Inductees"». Consultado em 22 de julho de 2012. Arquivado do original em 22 de julho de 2012 . May/June 2012. EMP Museum (empmuseum.org). Archived 2012-07-22. Retrieved 2013-03-19.
  3. Phillips 2006, pp. 11.
  4. a b "Tiptree, James Jr." Arquivado em 15 de março de 2005, no Wayback Machine.. The Locus Index to SF Awards: Index of Literary Nominees. Locus Publications. Retrieved 2013-04-18.
  5. a b c d e f g h i j k l m Gunnels, Jen (janeiro de 2012). «Xenophilia, based on the works of James Tiptree Jr. and Connie Converse». Pleasantville, NY: Dragon Press. The New York Review of Science Fiction. 24 (5): 1, 8–11 
  6. a b c d e f Wolfe, Kathi (2 de setembro de 2006). «She blinded me with science fiction». Houstonvoice.com. Houston Voice. Consultado em 24 de março de 2011. Arquivado do original em 4 de agosto de 2008 
  7. Alice Sheldon na Internet Speculative Fiction Database (em inglês) (ISFDB). Retrieved 2013-04-18. Select a title to see its linked publication history and general information. Select a particular edition (title) for more data at that level, such as a front cover image or linked contents.
  8. «"Science Fiction Hall of Fame: EMP Museum Announces the 2012 Science Fiction Hall of Fame Inductees"». Consultado em 22 de julho de 2012. Arquivado do original em 22 de julho de 2012 . May/June 2012. EMP Museum (empmuseum.org). Archived 2012-07-22. Retrieved 2013-03-19.
  9. a b c d e f g h i j k NPR Books (ed.). «The Secret Sci-Fi Life of Alice B. Sheldon». NPR Books. Consultado em 6 de fevereiro de 2016 
  10. Phillips 2006, pp. 104.
  11. «The Secret Sci-Fi Life of Alice B. Sheldon». NPR.org. Consultado em 8 de dezembro de 2015 
  12. Phillips, Julie. "Alice Bradley Sheldon, 1915–1987". James Tiptree Jr.: The Double Life of Alice B. Sheldon. October 23, 2011. Retrieved 2011-10-31.
  13. Shawl, Nisi (4 de agosto de 2006). «"James Tiptree Jr.": The amazing lives of writer Alice B. Sheldon». seattletimes.nwsource.com. The Seattle Times. Consultado em 24 de março de 2011 
  14. Profile in April 1983 issue of Isaac Asimov's Science Fiction Magazine.
  15. a b Alice Sheldon na Internet Speculative Fiction Database (em inglês) (ISFDB). Retrieved 2013-04-18. Select a title to see its linked publication history and general information. Select a particular edition (title) for more data at that level, such as a front cover image or linked contents.
  16. Wikimedia Foundation (ed.). «Painwise». Sci-fi. Consultado em 9 de dezembro de 2014 
  17. Lightspeed Magazine (ed.). «Love Is the Plan the Plan Is Death». Lightspeed Magazine. Consultado em 6 de fevereiro de 2017 
  18. Cranny-Francis, Anne. Feminist Fiction. New York: St. Martin’s Press. 1990. pp. 30, 33, 38.
  19. a b Osgood, N.J. (1992). Suicide in Later Life: Recognizing the Warning Signs. [S.l.]: Lexington Books. p. 7. ISBN 9780669212143. Consultado em 8 de abril de 2015 
  20. «Alice Sheldon and the name of the Tiptree Award». Otherwise Award. Consultado em 5 de janeiro de 2024 

Ligações externas

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Página do Prêmio James Tiptree