Amâncio de Carvalho
Amâncio de Carvalho | |
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Nascimento | 8 de abril de 1850 Salvador |
Morte | 17 de julho de 1928 (78 anos) São Paulo |
Cidadania | Brasil |
Alma mater | |
Ocupação | legista, professor universitário |
Empregador(a) | Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo |
Antônio Amâncio Pereira de Carvalho, conhecido como Amâncio de Carvalho (Salvador, 8 de abril de 1850 – São Paulo, 17 de julho de 1928) foi um médico legista brasileiro.
Biografia[editar | editar código-fonte]
Nasceu em Salvador, na Bahia, em 8 de abril de 1850, filho de Francisco José Pereira de Carvalho e Joaquina Marcelina Pereira de Carvalho, que ainda viviam em 1900. Após os estudos iniciais, matriculou-se no curso de preparatórios do Gymnasio Bahiano, então dirigido por Abílio César Borges, depois barão de Macaiubas. Matriculou-se na Academia de Medicina da Bahia em 1866, diplomando-se em 1872 com a tese Hemorrhagia puerperal.[1]
Casou-se por 1879, no Rio de Janeiro, com Emília Pereira da Silva.[2]
Em julho de 1886, fez parte da chapa do Partido Conservador para juiz de paz da freguesia de Santo Antônio, Rio de Janeiro.[3]
Carreira médica[editar | editar código-fonte]
Cursando o terceiro ano acadêmico, foi nomeado aluno interno do Hospital de Caridade, Salvador. No último ano, fez parte da comissão governamental nomeada para estudar as febres que então assolavam o município de Alagoinhas, por proposta do lente José de Goes Siqueira.[1]
Em novembro de 1874, era comissário vacinador municipal de Araçuaí, em Ouro Preto, na Província de Minas Gerais.[4]
Em 26 de maio de 1877, foi comissionado pelo governo da Província da Bahia para diagnosticar e prestar socorro às vítimas da febre amarela que grassava em Amargosa.[5][6] Em agosto de 1877, foi louvado pelos esforços empregados nessa missão,[7] sendo o louvor verificado e lavrado em ofício dirigido ao governo imperial e datado de 13 de outubro do mesmo ano.[8]
Em janeiro de 1878, foi contratado como médico da colônia orfanológica, industrial e agrícola Colônia Isabel, em Pernambuco, com obrigação de tratar também dos empregados da colônia, das praças do destacamento aí estacionadas, e dos retirantes da seca que então assolava a província,[9] sendo exonerado desse posto, a seu pedido, em fevereiro de 1880.[10]
Após 1872, estabeleceu-se no Rio de Janeiro, onde fez parte, a título gratuito, da Junta Sanitária, aquando de um surto epidêmico.[1] Aí praticou como médico legista, auxiliar da justiça pública, permanecendo no cargo até ir para São Paulo.[1]
Em setembro de 1881, propôs a ereção de uma enfermaria no Hospital de São João Batista, em Niterói,[11] na qual os doentes sejam tratados exclusivamente pelo sistema dosimétrico, por meio de sal e grânulos do Dr. Naury, não sendo aceito.[12]
Em fevereiro de 1883, foi nomeado médico adjunto do Hospital de São João de Deus da Sociedade Portuguesa de Beneficência.[13]
Em 24 de janeiro de 1886, foi nomeado médico da polícia do Rio de Janeiro.[14]
Em 1887, um ano antes da abolição da escravatura no Brasil, Amâncio de Carvalho observou que, após a aprovação da Lei do Ventre Livre em 1871, as práticas de infanticídio entre a população escrava haviam diminuído, diminuindo com elas a mortalidade infantil. Carvalho atribuia o fato a um aumento do instinto maternal por parte das mulheres escravizadas, ao saberem que os seus filhos não sofreriam da sua sujeição. Carvalho identifica a maternidade como o estado natural das mulheres de qualquer raça, classe social e estado legal, considerando que as mães escravas, sufocadas pela escravidão, tentavam libertar pela morte os seus filhos, para que não fossem sujeitos à escravatura, por meio do aborto e do infanticídio.[15]
Em janeiro desse ano, conferenciou na Sociedade de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro sobre um caso de enforcamento que havia tido oportunidade de observar, na qualidade de médico da polícia, lamentando que numa cidade como o Rio de Janeiro, então com 400 000 habitantes, e crimes diários, fossem somente dois os médicos encarregados das investigações médico-legais.[16]
Graças à boa prestação como médico legista no Rio de Janeiro, o Governo Federal escolheu-o, em 1891, para lente da nova cadeira de Medicina Legal, que acabava de ser criada na Faculdade de Direito do Largo São Francisco.[1] Em 2 março de 1891, pediu a exoneração do cargo de médico da polícia do Rio de Janeiro,[17][18] partindo para São Paulo.[19]
Na reforma curricular de fevereiro de 1896, havida no curso jurídico daquela faculdade, foi nomeado lente catedrático da cadeira de Medicina Pública.[20] Ao ser estabelecida a Escola de Farmácia de São Paulo, foi escolhido para lente catedrático da disciplina de História de Farmácia e Legislação Farmacêutica.[1]
Embalsamamentos[editar | editar código-fonte]
Em 19 de agosto de 1896, Carvalho apresentou ao público o cadáver embalsamado de uma criança, que ficou 30 dias na sala dos médicos da Polícia Central, sem se decompor.[21][22][23] No procedimento, Carvalho usou o mesmo processo de embalsamamento de Dubois e Alexandre Lacassagne, de injeções intersticiais de álcool metílico,[24] que considerava especialmente interessante, por ser pouco intrusivo.[24] Segundo o jornal O Archivo Illustrado, terá sido o primeiro a praticar o embalsamamento de um cadáver no Brasil, com essa técnica inovadora e até então inédita no país.[1] Carvalho aperfeiçoara esse método,[24] despertando grande curiosidade e reconhecimento,[25][26] sendo comparado ao usado pelos antigos egípcios.[26]
Em 26 de novembro de 1900, Carvalho solicitou à Polícia Civil o cadáver de Jacinta, mulher negra, pobre e sem ocupação fixa, que costumava caminhar pelo centro da cidade de São Paulo. Segundo Carvalho, teria cerca de 30 anos, sendo "hóspede habitual da Polícia, por sua desmedida intemperança". Encontrava-se "toda infiltrada, particularmente no ventre, onde havia derrame peritoneal", estando para ser recolhida na Santa Casa de Misericórdia com o diagnóstico de lesão cardíaca quando, pelas 10 horas da manhã desse dia, morreu no carro que a transportava. Solicitado o corpo para nele experimentar um novo método de embalsamamento, foi-lhe entregue às 12 horas do mesmo dia.[22]
A mumificação de Jacinta seria um dos motivos pelos quais Amâncio de Carvalho ficaria célebre, sobretudo entre os seus alunos, em parte devido aos trotes estudantis e vilipêndios que na primeira década de 1900 aplicavam à múmia.[27][28] Quando morreu, em 1928, entre os casos curiosos da sua vida profissional relatados nos elogios fúnebres que saíram na imprensa nos dias após o seu falecimento, contava-se o da "célebre múmia que o distinto médico obtivera por processo seu e ainda não divulgado", usada para explicações em aula de lições de medicina legal aos alunos do quinto ano, descrevendo-se também a ocasião em que fora roubada por alunos da faculdade.[25]
Em 1.º de dezembro de 1901, concluído o embalsamamento, o corpo envernizado de Jacinta foi temporariamente exposto na vitrine da Charutaria do Commercio, na rua Quinze de Novembro, entre a rua do Tesouro e a rua Direita, suscitando grande curiosidade e aglomerações de transeuntes em frente ao estabelecimento.[22][28] Alguns dias depois, a múmia "foi levada à Faculdade de Direito, onde permaneceria por três décadas, sendo usada nas aulas. Carvalho a mantinha trancada num expositor velado, com tampa de vidro, pendurada pelo couro cabeludo, à esquerda de sua mesa na Sala 7 e do lado oposto a um esqueleto, onde os estudantes do quinto ano assistiam às aulas de medicina legal.[25][29]
Publicações[editar | editar código-fonte]
Em 1900, havia publicado na Revista da Sociedade de Antropologia Criminal, Ciências Penais e Medicina Legal uma monografia intitulada "As cicatrizes sob o ponto de vista médico-legal", e outra "Resposta a uma consulta", e várias outras na Revista da Faculdade de Direito.[1]
Associativismo[editar | editar código-fonte]
Foi o primeiro presidente da Sociedade de Antropologia Criminal, Ciências Penais e Medicina Legal, fundada em São Paulo em 1895, e sócio-fundador da Sociedade de Medicina e Cirurgia de São Paulo. Foi médico ajudante da Sociedade Beneficente Portuguesa, médico das Sociedades Beneficente Italiana, Operária Príncipe de Nápoles, da Associação Providência Doméstica e da Sociedade Humanitária dos Empregados do Comércio, sendo tido como um dos melhores clínicos e operadores.[1]
Eugenia[editar | editar código-fonte]
Amâncio de Carvalho foi sócio e presidente honorário da Sociedade Eugênica de São Paulo, dedicada ao aperfeiçoamento físico e moral da espécie humana, desde a sua fundação em 1918, partilhando a presidência honorária com Augustino José de Sousa Lima, sendo presidente atuante Arnaldo Vieira de Carvalho.[30] Segundo a historiadora Pietra Diwan, Arnaldo foi um dos médicos mais entusiastas do movimento da eugenia, termo criado por Francis Galton (1822–1911), que a definiu como o estudo dos agentes sob o controle social que podem melhorar ou empobrecer as qualidades raciais das futuras gerações, seja física ou mentalmente. Não se deve tomar o termo eugenia na acepção que a tornou mais conhecida, isto é, como uma política racista. A rigor, tratava-se, antes, de contribuir, pelo higienismo e pelas campanhas de vacinação, para o fortalecimento das populações diante da doença e das condições adversas de alimentação, moradia, clima, entre outras. Dos quadros da Sociedade fizeram parte, entre outros expoentes da intelectualidade nacional, o médico Francisco Franco da Rocha (1864–1933).[31]
A Sociedade Eugênica, a primeira do gênero na América Latina, deve a sua fundação ao empenho pessoal do médico e eugenista Renato Ferraz Kehl, figura emblemática no movimento eugênico brasileiro, responsável por lançar a ideia de uma entidade voltada ao estudo e divulgação da ciência eugênica, mobilizando, para tal, importantes intelectuais como o Dr. Arnaldo Vieira de Carvalho, prestigiado com a Presidência da entidade e os três presidentes honorários: os médicos, A. de Sousa Lima, Amâncio de Carvalho e Belisário Penna.[32]
Morte e sepultamento[editar | editar código-fonte]
Morreu na sua residência, na rua da Liberdade, n.º 75, no dia 17 de julho de 1928, sendo sepultado no Cemitério São Paulo.[33] Um ano depois, em junho de 1929, a pedido de sua viúva Emília da Silva Carvalho, sepultar-se-ia no mesmo cemitério, em campa perpétua, o cadáver mumificado de Jacinta.[34]
Homenagens[editar | editar código-fonte]
A antiga rua do Curtume, na Vila Mariana, em São Paulo, foi rebatizada em 18 de agosto de 1928 como rua Doutor Amâncio de Carvalho em sua homenagem.[35][36] No início da década de 1940, foi dado o seu nome a uma das salas da Faculdade de Direito, possivelmente aquela em que teria lecionado.[36]
Em 10 de abril de 2021, após a publicação de uma reportagem sobre a múmia de Jacinta pela Ponte, estudantes de direito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FDUSP) se mobilizaram contra as homenagens concedidas a Amâncio de Carvalho, por ter mumificado Jacinta. Assim que a reportagem foi publicada, alunos da unidade entraram em contato com docentes e coletivos para dialogar sobre a renomeação da sala da instituição que leva o nome desse professor catedrático,[35] Em 11 de agosto do mesmo ano, estudantes da FDUSP fizeram uma intervenção política na cidade, colando nomes de personalidades negras em placas de rua que homenageiam pessoas com histórico racista e eugenista. Na ocasião, a rua Doutor Amâncio de Carvalho foi renomeada simbolicamente em sua placa, dando lugar à "rua Jacinta Maria de Santana", com a descrição: "Moradora de rua negra que teve seu corpo embalsamado, exposto como curiosidade científica e utilizado em trotes estudantis no Largo São Francisco". A intervenção foi simbólica e não alterou o nome oficial da via, que ainda mantém o nome de Amâncio de Carvalho.[37]
Referências
- ↑ a b c d e f g h i «Dr. Amâncio de Carvalho». O Archivo Illustrado (15): 114. Abril de 1900
- ↑ «Proclamas». O Apostolo : Periodico religioso, moral e doutrinario, consagrado aos interesses da religião e da sociedade: 2. 24 de setembro de 1879
- ↑ «Freguezia de Santo Antonio». Diario de Noticias: 2. 1 de julho de 1886
- ↑ «Comissarios vaccinadores». Diario de Minas: 3. 7 de novembro de 1874
- ↑ «Revista do interior». Diario do Rio de Janeiro: 1. 1 de junho de 1877
- ↑ «Febre amarela». Correio da Bahia: 1. 26 de maio de 1877
- ↑ «Amargosa». O Monitor: 1. 15 de agosto de 1877
- ↑ «Louvor». O Monitor: 1. 13 de outubro de 1877
- ↑ «Governo da Província». Diário de Pernambuco: 2. 28 de janeiro de 1878
- ↑ «Diario Official - Ministerio da Agricultura». Gazeta de Noticias (51): 1. 21 de fevereiro de 1880
- ↑ «Acta em 17 de setembro de 1881» (262). 20 de setembro de 1881: 1
- ↑ «Sem título». Annaes da Assembléa Legislativa Provincial do Rio de Janeiro : Relação dos Deputados á Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro: 379. 14 de dezembro de 1881
- ↑ «Sem título». Gazeta da Tarde: 2. 27 de fevereiro de 1883
- ↑ «Correio da Córte». A Folha da Victoria (350): 2. 5 de janeiro de 1887
- ↑ Roth, Cassia Paigen (2013). «Reproducing Slavery in Nineteenth-Century Rio de Janeiro» (PDF). UCLA Historical Journal. 24 (1)
- ↑ «Sociedades Scientificas». O Brazil-Medico : Revista Semanal de Medicina e Cirurgia: 53. 1887
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- ↑ «Serviço Medico Legal». Relatórios do Ministerio da Justiça: 21. 1891
- ↑ «Sem título». O Paiz: 1. 13 de março de 1891
- ↑ «Sem título». Gazeta de Noticias (42): 1. 11 de fevereiro de 1896
- ↑ «Novo processo de embalsamamento». O Commercio de São Paulo: 2. 19 de agosto de 1896
- ↑ a b c «Embalsamamento». O Commercio de São Paulo: 1. 1 de dezembro de 1901
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- ↑ a b c «Technica anatomica». O Brazil-Medico : Revista Semanal de Medicina e Cirurgia (28): 607. 11 de julho de 1936
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- ↑ a b «Após 50 anos de formatura reúnem-se velhos amigos». Diário da Noite. 16 de dezembro de 1957
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- ↑ a b O Estado, Entêrro de uma mumia: Na Faculdade de Direito de S. Paulo existe mumificado o corpo de uma preta, que agora vai ser dado á sepultura, O Estado, 22 de abril de 1929
- ↑ Elias, Karan (30 de agosto de 1934). «A vida anecdotica dos Konder». O Estado
- ↑ «The Journal of Heredity». American Genetic Association. The Journal of Heredity: 177. 1918
- ↑ Diwan, Pietra (2007). Raça pura: uma história da eugenia no Brasil e no mundo. São Paulo: Contexto. p. 160. ISBN 978-8572443722
- ↑ BONFIM, P. R. (2017). Educar, Higienizar e Regenerar: Uma História da Eugenia no Brasil. Jundiaí: Paco Editorial. 118 páginas. ISBN 9788546206919
- ↑ «Revista do Instituto histórico e geográfico de São Paulo». Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo. Revista do Instituto histórico e geográfico de São Paulo: 307. 1928
- ↑ Biblioteca Nacional, Foi enterrada a múmia da Faculdade: o seu passado e... cousas da Academia, Diário Nacional, 7 de junho de 1929
- ↑ a b Beatriz Drague Ramos, Após reportagem da Ponte, alunos da USP se mobilizam contra homenagens a professor racista, Ponte, 13 de abril de 2021
- ↑ a b Daniel Salomão Roque, Como a principal faculdade de direito do país violou o corpo de uma mulher negra por 30 anos, Ponte, 9 de abril de 2021
- ↑ Isabela Palhares, Alunos da USP trocam placas de rua que homenageiam pessoas com histórico racista, Folha de S.Paulo, 11 de agosto de 2021