Saltar para o conteúdo

Anaco, o Parta

Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.

Anaco, o Parta (em latim: Anacus; em armênio/arménio: Անակ Պարթեւ; romaniz.: Anak Part῾ew; fl. século III) foi um nobre parta que, de acordo com a tradição armênia, foi o pai de Gregório, o Iluminador, que converteu a Armênia ao cristianismo no início do século IV. Diz-se que Anaco matou o rei Cosroes II por incitação dos sassânidas, levando ao seu próprio assassinato e ao extermínio de sua família, exceto a criança Gregório, que foi salva e levada para território romano. Os detalhes e a historicidade desse relato foram debatidos por historiadores.

Nome[editar | editar código-fonte]

Anaco (Anacus) é a forma latina[1] do armênio Anaque (Անակ, Anak). De acordo com alguns estudiosos, o nome vem de uma palavra parta ou persa média que significa "mal" (anāg) e é mais provável que seja um epíteto para o assassino do rei Cosroes do que um nome próprio real.[2][3] Outra interpretação dá a ele o significado de "não mal" (*an-aka-).[4]

Vida[editar | editar código-fonte]

Idealização do século XIX do assassinato de Cosroes

De acordo com a versão da história atribuída a Agatângelo aceita na tradição literária armênia, Anaco era um nobre armênio de origem parta que era parente do rei da Armênia.[5] A história posterior de Moisés de Corene acrescenta que era um membro da casa nobre parta de Surena.[4] Durante as guerras do século III entre a Armênia arsácida e o Irã sassânida, Anaco foi recrutado pelo rei sassânida (a quem Agatângelo chama de Artaxer) para assassinar o rei Cosroes da Armênia (provavelmente Cosroes II),[6][7][a] prometendo devolver a Anaco seu domínio como recompensa.[5] Anaco foi à Armênia e assassinou Cosroes depois de ganhar sua confiança, após o que ele foi morto por nobres armênios furiosos junto com toda a sua família.[8] Agatângelo descreve as circunstâncias do assassinato de Cosroes da seguinte forma: Anaco e seu irmão se encontraram com o rei em Valarsapate enquanto se preparava para fazer campanha contra os persas e o mataram com suas espadas.[b] Eles tentaram fugir a cavalo, mas foram perseguidos pelos príncipes armênios que os jogaram da ponte Taperacã (sobre o rio Araxes, perto de Artaxata)[9] para a morte.[10] Um dos filhos de Anaco, o futuro Gregório, o Iluminador, foi resgatado por sua enfermeira e levado para território romano.[8] O filho de Cosroes, Tiridates, também foi salvo e levado para Roma.[6] Após a morte de Cosroes, os persas conquistaram a Armênia.[8] Mais tarde, Tiridates retornou para reivindicar o trono armênio com a ajuda romana.[6] Gregório, que foi criado como cristão em Cesareia da Capadócia, também retornou à Armênia quando adulto e eventualmente converteu Tiridates e seu reino ao cristianismo.[11] Esta história é repetida em todas as outras histórias armênias, exceto a de Eliseu, o Armênio, que atribui o assassinato de Cosroes a seus irmãos não identificados.[8][12]

Família[editar | editar código-fonte]

A relação exata de Anaco com Cosroes não é declarada na versão armênia principal de Agatângelo, mas uma recensão garxuni da história de Agatângelo afirma que Anaco era irmão de Cosroes.[13] A esposa de Anaco e mãe de Gregório do Iluminador é chamada de Ogui (Ոգուհի) na história atribuída a Zenóbio Glaco.[14] Agatângelo menciona dois filhos de Anaco que sobrevivem ao extermínio de sua casa: um, Gregório, e outro que é levado à Pérsia, embora nenhuma outra informação seja dada sobre o último.[15] Moisés de Corene, por outro lado, escreve que apenas um filho de Anaco (ou seja, Gregório) foi salvo.[16] Zenóbio Glaco se refere ao irmão de Gregório como Surena.[17]

Historiografia[editar | editar código-fonte]

Os historiadores têm lutado para reconstruir a história da Armênia no terceiro século e a cronologia dos eventos descritos em Agatângelo e outras fontes.[8] Cyril Toumanoff argumenta que a história do assassinato de Cosroes por Anaco é fictícia e, em vez disso, favorece a versão em Eliseu, onde Cosroes é assassinado por seus irmãos. De acordo com Toumanoff, Cosroes II (r. 279/80–287) foi feito rei da parte ocidental da Armênia controlada pelos romanos em 279/80 e foi morto e sucedido por seu irmão Tiridates III.[18] Ele sugere que a história do assassinato de Cosroes por um agente iraniano pode ter sido inventada mais tarde para mascarar "o horror deste fratricídio".[19] Marie-Louise Chaumont também considera a versão em que Cosroes é assassinado por seus irmãos como mais provável.[20]

De acordo com o historiador Nicholas Adontz, é provável que houvesse originalmente duas tradições independentes sobre as origens de Gregório, o Iluminador, ambas dando ao fundador da Igreja Armênia uma origem nobre, que foram combinadas na versão armênia principal de Agatângelo. A história de Anaco serve para conectar Gregório à dinastia arsácida como um descendente do clã parta de Surena, e também faz com que a vida inicial de Gregório reflita a de Tiridates de forma épica.[21] Adontz também sugere que a história de Anaco pode ter se desenvolvido sob a influência da tradição épica persa sobre Artaxer, o fundador do Império Sassânida. Ele observa vários paralelos entre a história de Anaco e a figura de Banaque[c] no texto persa médio Livro dos Feitos de Artaxes, Filho de Pabeco (Kār-Nāmag ī Ardašīr ī Pāpakān), bem como a semelhança de seus nomes. Nos Feitos, Banaque é um príncipe parta que trai o rei parta Ardavã (Artabano IV) e ajuda seu inimigo Artaxer. Tanto Anaco quanto Banaque são partas que traem um rei e ajudam Artaxer: Anaco ajuda Artaxer matando Cosroes, enquanto Banaque se junta a Artaxer contra seu governante Ardavã.[22]

Notas[editar | editar código-fonte]

[a] ^ Não há cronologia conclusiva dos reinados dos reis armênios do terceiro século. Cyril Toumanoff, que rejeita a historicidade da história de Anaco assassinando Cosroes (veja a seção de historiografia),[19] argumenta que nas fontes armênias os reinados de vários reis são reduzidos a dois reinados muito longos: Cosroes, o Bravo (que foi morto por Anaco) e seu filho Tiridates, o Grande (que se converteu ao cristianismo no início do quarto século). De acordo com Toumanoff, Tiridates II (r. 216/7–252) fugiu da tomada sassânida da Armênia; seu filho Cosroes II (r. 279/80–287) foi feito rei da parte ocidental da Armênia controlada pelos romanos em 279/80; Cosroes II foi morto e sucedido por seu irmão Tiridates III; finalmente, o filho de Cosroes II, Tiridates IV (o Grande, que se converteu ao cristianismo) foi restaurado ao trono da Armênia oriental com a ajuda romana em 298/9 com a Paz de Nísibis. Outros estudiosos acreditam que Tiridates, o Grande, foi restaurado ao trono de seu pai no início de 287.[18]
[b] ^ Agatângelo escreve que o assassinato de Cosroes ocorreu no verão após a chegada de Anaco à Armênia, enquanto Moisés de Corene escreve que Anaco permaneceu na Armênia por dois anos antes de matar Cosroes.[16]
[c] ^ Um personagem semelhante no Xanamé é chamado Tabak.[23]

Referências

  1. Moisés de Corene 1736, Index Anacus.
  2. Russell 2004, p. 41.
  3. Agatângelo 1976, p. 438–439.
  4. a b Fausto, o Bizantino 1989, p. 347.
  5. a b Agatângelo 1976, p. xxvii.
  6. a b c Bournoutian 2006, p. 47.
  7. Terian 2005, p. 50.
  8. a b c d e Garsoïan 1997, p. 72.
  9. Hakobyan, Melikʻ-Bakhshyan & Barseghyan 2001.
  10. Agatângelo 1976, p. 47–51.
  11. Garsoïan 1997, p. 81.
  12. Eliseu, o Armênio 1982, p. 123.
  13. Agatângelo 1976, p. xxviii.
  14. Adontsʻ 2006, p. 171.
  15. Agatângelo 1976, p. xxix–xxx.
  16. a b Moisés de Corene 1978, p. 221.
  17. Agatângelo 1976, p. 457.
  18. a b Garsoïan 1997, p. 72-75.
  19. a b Toumanoff 1969, p. 261–262.
  20. Chaumont 1986.
  21. Adontsʻ 2006, p. 171–172.
  22. Adontsʻ 2006, p. 175–176.
  23. Adontsʻ 2006, p. 176.

Bibliografia[editar | editar código-fonte]

  • Eliseu, o Armênio (1982). Thomson, Robert W., ed. History of Vardan and the Armenian War. Cambridge, Massachussetes: Harvard University Press 
  • Fausto, o Bizantino (1989). Garsoïan, Nina, ed. The Epic Histories Attributed to Pʻawstos Buzand: (Buzandaran Patmutʻiwnkʻ). Cambrígia, Massachussetes: Departamento de Línguas e Civilizações Próximo Orientais, Universidade de Harvard 
  • Garsoïan, Nina (1997). «4. The Aršakuni Dynasty (A.D. 12-[180?]-428)». In: Hovannisian, Richard G. Armenian People from Ancient to Modern Times vol. I: The Dynastic Periods: From Antiquity to the Fourteenth Century. Nova Iorque: Palgrave Macmillan. ISBN 978-1-4039-6421-2 
  • Hakobyan, Tʻ. Kh.; Melikʻ-Bakhshyan, S. T.; Barseghyan, H. Kh. (2001). «Tapʻerakan kamurj» Տափերական կամուրջ [Taperakan Bridge]. Hayastani ev harakitsʻ shrjanneri teghanunneri baṛaran Հայաստանի և հարակից շրջանների տեղանունների բառարան [Dictionary of Toponymy of Armenia and Adjacent Territories] (em arménio). 5. Everã: Universidade Estadual de Erevã. 63 páginas 
  • Moisés de Corene (1978). Thomson, Robert W., ed. History of the Armenians. Cambrígia, Massachussetes; Londres: Harvard University Press 
  • Moisés de Corene (1736). Historiae Armeniacae libri III. Londres: Caroli Ackers 
  • Terian, Abraham (2005). Patriotism and Piety in Armenian Christianity: The Early Panegyrics On Saint Gregory. Yonkers, Nova Iorque: St Vladimir's Seminary Press. ISBN 978-0-88141-293-2