Saltar para o conteúdo

Bisarma

Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
Dois exemplos de bisarmas do século XV.

A bisarma[1] (também grafada visarma[2]) é uma arma de haste[3] de origem medieval, que se assemelha a uma alabarda e que tem uma espécie de foice afiada de um ou ambos os lados e que acaba numa ponta de lança aguçada, com um ou mais espigões laterais.[4]

Surge no séc. XII, como uma evolução do podão de guerra.[5]

O substantivo teria chegado ao português por via do francês[1] guisarme[6] que, por seu turno, advém do frâncico wîsarm ou do germânico wisarme.[7]

Esta arma combina características da lança, do podão de guerra, da acha de armas e do martelo de guerra.[8] É composta por uma haste, por uma ponta e por um conto.[9]

Ponta de ferro de uma bisarma italiana do séc. XVI, pertencente à panóplia dos bisarmeiros venezianos.

A haste ou hastil é o cabo, geralmente feita de madeira, concebido para ser empunhado com duas mãos.[9]

A ponta, composta por uma lâmina de podão ou podadeira, reminiscente do podão de guerra- o percursor desta arma- e por uma ponta de lança.[8] Destarte, a arma tinha valências perfurantes e cortantes, podendo, além de desferir golpes sobre o adversário, ser usada como um gancho para desmontar cavaleiros inimigos ou jarretar-lhes as cavalgaduras.[10]

O conto, que é a contraponta da haste, muitas vezes encontrava-se guarnecido por um espigão,[11][12] semelhante ao sauroter das lanças clássicas, como a dory.[13]

Além da bisarma ou do podão comum, houve uma variante híbrida desta arma, dotada de um um esporão lateral, a que se chamou o podão-bisarma (em inglês bill-guisarme).[10]

Este tipo de arma tinha a ponta feita de uma peça inteiriça de ferro, que se encastrava no cabo.[14]

Enquanto arma de guerra, cumpria duas funções: estocar com a ponta, à guisa de lança, ou tentar enganchar e arrastar os cavaleiros, ou mesmo as patas da sua montada, ao usar a lâmina de podão como um gancho.[10]

Os primeiro exemplares da bisarma já aparecem referidos em abonações literárias do séc. XII na Inglaterra.[15]

Este tipo de arma plebeia teve uso largamente difundido pelo mundo rural europeu, ao longo da Idade Média, começando pelo menos desde o século XII (sendo certo que o podão já existe desde o século XI) e continuando ao longo do séc. XIV e XV até ao séc. XIX, nalguns casos.[16] A título de exemplo, o seu uso é mencionado nas crónicas históricas da "francesada",[17] que foi o nome dado às revoltas populares galegas, em contenda contra as tropas de napoleónicas, na pendência das invasões francesas.

Graças às suas valências como implemento agrícola, a bisarma afigurava-se como um bom compromisso entre custo (dada a carestia do metal, à época) e utilidade (graças à sua bivalência agrícola e bélica).[14][18]

Nas tapeçarias de Pastrana, mais concretamente, na tapeçaria d'O desembarque em Arzila, o rei D. Afonso V aparece a empunhar uma bisarma.

Foi de uso popular em Portugal, tanto como arma ofensiva, em tempos de conflito bélico, como arma de defesa pessoal contra salteadores ou animais salvagens, em tempos de paz.[11]

Na Carta de Quitação ( tipo de diploma régio, passado pela «Casa dos Contos» a funcionários da Coroa, da administração central ou local, que eram responsáveis por auferir as receitas do reino e efectuar despesas régias)[19] de 1455, a bisarma é uma das armas de haste expressamente mencionadas como tal.[20]

A bisarma é uma das armas de destaque que figura nas tapeçarias de pastrana.[12] Com efeito e apesar de ser classicamente uma arma plebeia, o facto é que a bisarma aparece representada às mãos do rei D. Afonso V, nessas mesmas tapeçarias.[12]

Referências

  1. a b Infopédia. «bisarma | Definição ou significado de bisarma no Dicionário Infopédia da Língua Portuguesa». Infopédia - Dicionários Porto Editora. Consultado em 10 de junho de 2021 
  2. «Dicionário Online - Dicionário Caldas Aulete - Significado de visarma». aulete.com.br. Consultado em 10 de junho de 2021 
  3. «Viriatus - Miniaturas e Figurinos Militares». www.portugalweb.net. Consultado em 10 de junho de 2021 
  4. S.A, Priberam Informática. «bisarma». Dicionário Priberam. Consultado em 10 de junho de 2021 
  5. M. C. Costa, António Luiz (2015). Armas Brancas- Lanças, Espadas, Maças e Flechas: Como Lutar Sem Pólvora Da Pré-História ao século XXI. São Paulo: Draco. 118 páginas « O podão de guerra (inglês bill, italiano roncone, francês serpe de guerre, alemão Hippe) é fundamentalmente uma lâmina de podão (inglês billhook,italiano roncola, francês serpe), foicinha de gume côncavo usada na vindima e poda de árvores, na ponta de uma haste de 1,8 a 2,7 metros, usado a partir de 1100. Acrescido de uma ponta de lança na parte superior, como foi regra a partir de 1400, passa a ser uma bisarma (guisarme)»
  6. Larousse, Éditions. «Définitions : guisarme - Dictionnaire de français Larousse». www.larousse.fr (em francês). Consultado em 10 de junho de 2021 
  7. «Dicionário Online - Dicionário Caldas Aulete - Significado de bisarma». aulete.com.br. Consultado em 10 de junho de 2021 
  8. a b Veiga Coimbra, Álvaro (1960). Questões pedagógicas. São Paulo: Departamento de História, Universidade de São Paulo. p. 479. 500 páginas. doi:10.11606/issn.2316-9141.rh.1960.120156 
  9. a b Callender dos Reis, Josué (30 de junho de 1961). «QUESTÕES PEDAGÓGICAS - NOÇÕES DA ARTE DA ARMARIA». Revista de História: 214. doi:10.11606/issn.2316-9141.rh.1961.121520 
  10. a b c M. C. Costa, António Luiz (2015). Armas Brancas- Lanças, Espadas, Maças e Flechas: Como Lutar Sem Pólvora Da Pré-História ao século XXI. São Paulo: Draco. 118 páginas 
  11. a b Martins, M. G. (2014). A arte da guerra em Portugal: 1245 a 1367. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra. 571 páginas 
  12. a b c Meira Araújo, Inês (2013). As representações da guerra medieval. As Tapeçarias de Pastrana como ponto de partida. Lisboa: Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. pp. 48; 56 
  13. «Newsletter (Abril de 2007)» (PDF). The Academy of European Swordsmanship. 3 (2): 1. 2007. Consultado em 15 de novembro de 2020. Cópia arquivada (PDF) em 7 de outubro de 2008. A arma principal do hoplita, a dory, uma lança de 2 a 3 metros de comprimento, que pesava entre um a dois quilos, tendo uma pértiga de madeira com cinco centímetros de diametro. Tinha uma ponta e uma contraponta de ferro ou bronze. A ponta era folíforme e a contraponta, chamada 'sauroter' (lit. mata-lagartos), servia de tanto de contrapeso como de arma secundária de recurso. Este contrapeso era essencial, porque a dory era empunhada com uma só mão, no âmbito da formação grega de falange. 
  14. a b Grassi, Giuseppe (1833). Dizionario militare italiano, 2. ed. Torino: Società Tipografica Libraria. 968 páginas. ISBN 1286097290 
  15. Stone, George Cameron (1999). A Glossary of the Construction, Decoration and Use of Arms and Armor: in All Countries and in All Times. Mineola, New York, United States: Courier Dover Publications. p. 255. 704 páginas. ISBN 978-0-486-40726-5 
  16. Oakeshott, Ewart (1980). European weapons and armour: from the Renaissance to the Industrial Revolution. [S.l.]: Lutterworth Press. 288 páginas 
  17. Artigo do Faro de Vigo sobre a francesada, onde se citam textos da época: «os ferreiros da comarca recibiron ordes de preparar fouces e formar chuzos e outras bisarmas»
  18. Wendelin Boeheim, Harold L. Peterson Collection (1890). Handbuch der Waffenkunde: Das Waffenwesen in seiner historischen ... (em alemão). University of California. [S.l.]: E.A. Seemann 
  19. Duarte, Luís Miguel (2019). As cartas de quitação como fonte para a história fiscal portuguesa (PDF). Porto: População e Sociedade 
  20. MONTEIRO, João Gouveia (2001). Armeiros e Armazéns nos finais da Idade Média. Viseu: Palimage Editores. p. 48. 84 páginas. ISBN 9728575203