Bisarma
A bisarma[1] (também grafada visarma[2]) é uma arma de haste[3] de origem medieval, que se assemelha a uma alabarda e que tem uma espécie de foice afiada de um ou ambos os lados e que acaba numa ponta de lança aguçada, com um ou mais espigões laterais.[4]
Surge no séc. XII, como uma evolução do podão de guerra.[5]
Etimologia
[editar | editar código-fonte]O substantivo teria chegado ao português por via do francês[1] guisarme[6] que, por seu turno, advém do frâncico wîsarm ou do germânico wisarme.[7]
Feitio
[editar | editar código-fonte]Esta arma combina características da lança, do podão de guerra, da acha de armas e do martelo de guerra.[8] É composta por uma haste, por uma ponta e por um conto.[9]
A haste ou hastil é o cabo, geralmente feita de madeira, concebido para ser empunhado com duas mãos.[9]
A ponta, composta por uma lâmina de podão ou podadeira, reminiscente do podão de guerra- o percursor desta arma- e por uma ponta de lança.[8] Destarte, a arma tinha valências perfurantes e cortantes, podendo, além de desferir golpes sobre o adversário, ser usada como um gancho para desmontar cavaleiros inimigos ou jarretar-lhes as cavalgaduras.[10]
O conto, que é a contraponta da haste, muitas vezes encontrava-se guarnecido por um espigão,[11][12] semelhante ao sauroter das lanças clássicas, como a dory.[13]
Variantes
[editar | editar código-fonte]Além da bisarma ou do podão comum, houve uma variante híbrida desta arma, dotada de um um esporão lateral, a que se chamou o podão-bisarma (em inglês bill-guisarme).[10]
Este tipo de arma tinha a ponta feita de uma peça inteiriça de ferro, que se encastrava no cabo.[14]
Uso
[editar | editar código-fonte]Enquanto arma de guerra, cumpria duas funções: estocar com a ponta, à guisa de lança, ou tentar enganchar e arrastar os cavaleiros, ou mesmo as patas da sua montada, ao usar a lâmina de podão como um gancho.[10]
Os primeiro exemplares da bisarma já aparecem referidos em abonações literárias do séc. XII na Inglaterra.[15]
Este tipo de arma plebeia teve uso largamente difundido pelo mundo rural europeu, ao longo da Idade Média, começando pelo menos desde o século XII (sendo certo que o podão já existe desde o século XI) e continuando ao longo do séc. XIV e XV até ao séc. XIX, nalguns casos.[16] A título de exemplo, o seu uso é mencionado nas crónicas históricas da "francesada",[17] que foi o nome dado às revoltas populares galegas, em contenda contra as tropas de napoleónicas, na pendência das invasões francesas.
Graças às suas valências como implemento agrícola, a bisarma afigurava-se como um bom compromisso entre custo (dada a carestia do metal, à época) e utilidade (graças à sua bivalência agrícola e bélica).[14][18]
Em Portugal
[editar | editar código-fonte]Foi de uso popular em Portugal, tanto como arma ofensiva, em tempos de conflito bélico, como arma de defesa pessoal contra salteadores ou animais salvagens, em tempos de paz.[11]
Na Carta de Quitação ( tipo de diploma régio, passado pela «Casa dos Contos» a funcionários da Coroa, da administração central ou local, que eram responsáveis por auferir as receitas do reino e efectuar despesas régias)[19] de 1455, a bisarma é uma das armas de haste expressamente mencionadas como tal.[20]
A bisarma é uma das armas de destaque que figura nas tapeçarias de pastrana.[12] Com efeito e apesar de ser classicamente uma arma plebeia, o facto é que a bisarma aparece representada às mãos do rei D. Afonso V, nessas mesmas tapeçarias.[12]
Referências
- ↑ a b Infopédia. «bisarma | Definição ou significado de bisarma no Dicionário Infopédia da Língua Portuguesa». Infopédia - Dicionários Porto Editora. Consultado em 10 de junho de 2021
- ↑ «Dicionário Online - Dicionário Caldas Aulete - Significado de visarma». aulete.com.br. Consultado em 10 de junho de 2021
- ↑ «Viriatus - Miniaturas e Figurinos Militares». www.portugalweb.net. Consultado em 10 de junho de 2021
- ↑ S.A, Priberam Informática. «bisarma». Dicionário Priberam. Consultado em 10 de junho de 2021
- ↑ M. C. Costa, António Luiz (2015). Armas Brancas- Lanças, Espadas, Maças e Flechas: Como Lutar Sem Pólvora Da Pré-História ao século XXI. São Paulo: Draco. 118 páginas« O podão de guerra (inglês bill, italiano roncone, francês serpe de guerre, alemão Hippe) é fundamentalmente uma lâmina de podão (inglês billhook,italiano roncola, francês serpe), foicinha de gume côncavo usada na vindima e poda de árvores, na ponta de uma haste de 1,8 a 2,7 metros, usado a partir de 1100. Acrescido de uma ponta de lança na parte superior, como foi regra a partir de 1400, passa a ser uma bisarma (guisarme)»
- ↑ Larousse, Éditions. «Définitions : guisarme - Dictionnaire de français Larousse». www.larousse.fr (em francês). Consultado em 10 de junho de 2021
- ↑ «Dicionário Online - Dicionário Caldas Aulete - Significado de bisarma». aulete.com.br. Consultado em 10 de junho de 2021
- ↑ a b Veiga Coimbra, Álvaro (1960). Questões pedagógicas. São Paulo: Departamento de História, Universidade de São Paulo. p. 479. 500 páginas. doi:10.11606/issn.2316-9141.rh.1960.120156
- ↑ a b Callender dos Reis, Josué (30 de junho de 1961). «QUESTÕES PEDAGÓGICAS - NOÇÕES DA ARTE DA ARMARIA». Revista de História: 214. doi:10.11606/issn.2316-9141.rh.1961.121520
- ↑ a b c M. C. Costa, António Luiz (2015). Armas Brancas- Lanças, Espadas, Maças e Flechas: Como Lutar Sem Pólvora Da Pré-História ao século XXI. São Paulo: Draco. 118 páginas
- ↑ a b Martins, M. G. (2014). A arte da guerra em Portugal: 1245 a 1367. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra. 571 páginas
- ↑ a b c Meira Araújo, Inês (2013). As representações da guerra medieval. As Tapeçarias de Pastrana como ponto de partida. Lisboa: Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. pp. 48; 56
- ↑ «Newsletter (Abril de 2007)» (PDF). The Academy of European Swordsmanship. 3 (2): 1. 2007. Consultado em 15 de novembro de 2020. Cópia arquivada (PDF) em 7 de outubro de 2008.
A arma principal do hoplita, a dory, uma lança de 2 a 3 metros de comprimento, que pesava entre um a dois quilos, tendo uma pértiga de madeira com cinco centímetros de diametro. Tinha uma ponta e uma contraponta de ferro ou bronze. A ponta era folíforme e a contraponta, chamada 'sauroter' (lit. mata-lagartos), servia de tanto de contrapeso como de arma secundária de recurso. Este contrapeso era essencial, porque a dory era empunhada com uma só mão, no âmbito da formação grega de falange.
- ↑ a b Grassi, Giuseppe (1833). Dizionario militare italiano, 2. ed. Torino: Società Tipografica Libraria. 968 páginas. ISBN 1286097290
- ↑ Stone, George Cameron (1999). A Glossary of the Construction, Decoration and Use of Arms and Armor: in All Countries and in All Times. Mineola, New York, United States: Courier Dover Publications. p. 255. 704 páginas. ISBN 978-0-486-40726-5
- ↑ Oakeshott, Ewart (1980). European weapons and armour: from the Renaissance to the Industrial Revolution. [S.l.]: Lutterworth Press. 288 páginas
- ↑ Artigo do Faro de Vigo sobre a francesada, onde se citam textos da época: «os ferreiros da comarca recibiron ordes de preparar fouces e formar chuzos e outras bisarmas»
- ↑ Wendelin Boeheim, Harold L. Peterson Collection (1890). Handbuch der Waffenkunde: Das Waffenwesen in seiner historischen ... (em alemão). University of California. [S.l.]: E.A. Seemann
- ↑ Duarte, Luís Miguel (2019). As cartas de quitação como fonte para a história fiscal portuguesa (PDF). Porto: População e Sociedade
- ↑ MONTEIRO, João Gouveia (2001). Armeiros e Armazéns nos finais da Idade Média. Viseu: Palimage Editores. p. 48. 84 páginas. ISBN 9728575203