Caminho do Calvário (Bruegel)
Caminho do Calvário | |
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Autor | Pieter Bruegel |
Data | 1564 |
Técnica | Pintura a óleo sobre madeira |
Dimensões | 124 cm × 170 cm |
Localização | Museu de História da Arte em Viena, Viena |
Caminho do Calvário é uma pintura a óleo sobre madeira de 1564 do mestre flamengo da Renascença Pieter Bruegel, em que representa o tema evangélico de Jesus carregando a cruz a caminho da Crucificação.
O reduzido destaque dado à figura Cristo no meio da multidão é uma habitual prática da pintura maneirista (que repete em Pregação de João Batista e A Conversão de Paulo), tal como é colocar artificialmente Maria e os que a acompanham num primeiro plano rochoso, estando deliberadamente distanciados dos dramáticos acontecimentos que ocorrem por trás deles.[1]
A obra está datada e assinada "BRVEGEL MD.LXIIII" e está actualmente exposta no Museu de História da Arte em Viena.
Descrição[editar | editar código-fonte]
Ao contrário do que acontece em geral com as obras de Bruegel, a composição parece invulgarmente tradicional. Talvez por estar a tratar um tema religioso tão solene, ele adoptou um esquema muito conhecido, usado anteriormente pelo pintor anónimo Brunswick Monogrammist[2] e pelo contemporâneo de Bruegel em Antuérpia, Pieter Aertsen.
![](http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/8/84/Pieter_Bruegel_der_%C3%84ltere_-_Kreuztragung_Christi_%28Christus%29.jpg/300px-Pieter_Bruegel_der_%C3%84ltere_-_Kreuztragung_Christi_%28Christus%29.jpg)
Mais de 150 personagens integram a composição, quase todas vestidas com roupas contemporâneas do pintor para atualizar o drama cristão, como havia já feito, por exemplo, Jan van Eyck. Os verdadeiros protagonistas do quadro não são os fatos evangélicos, mas o teatro natural da multidão e a paisagem. No enxame de formas, são exceção o grupo em primeiro plano à direita das mulheres piedosas e São João que confortam Maria. Esta última figura é copiada do desenho dos primitivos flamengos do século precedente, fazendo eco deliberadamente das formas um pouco arcaicas de Rogier van der Weyden e Hugo van der Goes.
O tratamento por Bruegel da paisagem evoluiu no decurso da sua carreira desde os pontos de vista de olho de pássaro e amplas paisagens como na série "Grande paisagem" até ao naturalismo notável dos Meses. Puros afloramentos rochosos como o do moinho deste "Caminho do Calvário" caracterizam a tradição de paisagem da Escola de Antuérpia fundada por Joachim Patinir. Os seguidores de Patinir - em particular Herri met de Bles, Matthys Cock, Hieronymus Cock (irmão do editor de gravuras de Bruegel), e Quentin Matsys - tinham tornado o seu estilo numa fórmula popular, mas obsoleta.[3] A sequência de paisagens nos seus desenhos e pinturas mostra o abandono gradual dessa fórmula por Bruegel. Neste caso, no entanto, o seu desejo de transmitir a ideia dum terreno rochoso e desconhecido da Terra Santa fez com que ele regressasse às características próprias da paisagem da escola de Antuérpia.[4]
![](http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/9/91/Pieter_Bruegel_the_Elder_-_Christ_Carrying_the_Cross_%28detail%29_-_WGA3474.jpg/300px-Pieter_Bruegel_the_Elder_-_Christ_Carrying_the_Cross_%28detail%29_-_WGA3474.jpg)
Nos detalhes, em Galeria, a pintura de Bruegel possui uma vivacidade que parece vir da sua observação da vida contemporânea.[5] As execuções públicas eram uma característica habitual da vida do século XVI, especialmente na problemática Flandres. Bruegel mostra os dois ladrões que estavam para ser supliciados ao lado de Cristo a serem levados para o local da execução. Anacronicamente, ambos seguram crucifixos e estão a fazer a confissão final a sacerdotes encapuzados. Os ladrões, os confessores e os espectadores macabros que cercam a carroça estão com vestimentas contemporâneas do pintor. Na época de Bruegel, as execuções públicas eram acontecimentos muito concorridos que tinham o ar de festivais ou de carnavais. Neste caso, Bruegel mostra a absoluta indiferença das multidões embasbacadas ao medo e à angústia dos condenados. (Também mostra os carteiristas e os feirantes que se imiscuem nas multidões em tais ajuntamentos). É de salientar que Bruegel não faz distinção entre os dois ladrões, um dos quais iria ser abençoado por Cristo.
![](http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/8/87/BRU-_Calvario_01.jpg/300px-BRU-_Calvario_01.jpg)
Ao fundo, no monte Gólgota (literalmente, "lugar de caveiras"), as duas cruzes para os ladrões já foram erguidas e está a ser cavado uma cova para a cruz de Cristo. Espectadores a pé e a cavalo confluem para este ponto horripilante através de um campo pontilhado com forcas em que há ainda cadáveres pendurados e rodas de castigo com fragmentos de tecido e de restos de corpos trucidados ainda não comidos pelos corvos.
Com exceção do próprio Cristo, as figuras na procissão usam roupa contemporânea, e não há dúvida de que Bruegel quiz referir-se com a evocação da cena evangélica ao que se passava no seu tempo. As figuras sagradas - a Virgem desmaiada assistida por São João e as outras duas Marias - estão separadas do que estava a acontecer, ao serem colocadas num pequeno planalto rochoso. Parecem agir independentemente dos outros, sendo o seu drama despercebido de quem estava para além deles.[6]
Galeria de Detalhes[editar | editar código-fonte]
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Paisagem com moinho
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Poste de castigo e corvos com o Gólgota ao fundo
História[editar | editar código-fonte]
É a segunda maior pintura conhecida de Bruegel.[7] e uma das dezesseis pinturas dele que estão listadas no inventário do coleccionador rico de Antuérpia Nicolaes Jonghelinck, redigido em 1566. Foi Jonghelinck que encomendou a Bruegel a série os Meses (Months)[8] e pode também, ter encomendado esta obra.
De Jonghelinck a obra passou para a posse da cidade de Antuérpia no ano em que o inventário foi feito. Em 1604 está registada em Praga nas coleções de Rodolfo II de Habsburgo, tendo depois sido levada para Viena, e de 1809 a 1815 esteve em Paris, por ter sido levada pelo exército napoleónico como despojo de guerra.
Influência cultural[editar | editar código-fonte]
Em 1996, Michael F. Gibson escreveu um livro detalhado sobre esta pintura de Pieter Bruegel com o título de "Le Portement de croix de Pierre Bruegel l'Aîné" (Noêsis, Paris), que foi tranduzido para inglês e publicado em 2001 com o título The Mill and the Cross (O Moinho e a Cruz) (Acatlos, Lausanne).
Depois, em 2011, o realizador cinematográfico Lech Majewski, com base no livro, dirigiu um filme com o mesmo título, The Mill and the Cross, tendo nos principais papéis Rutger Hauer, como Bruegel, Michael York, como o seu patrono Niclaes Jonghelinck e Charlotte Rampling.[9] O filme estreou no Festival Sundance de Cinema.
O filme é uma recreação em forma de narrativa da pintura de Bruegel, que (de acordo com Gibson) evoca o tipo de acontecimentos que o próprio Bruegel teve demasiadas vezes oportunidade de testemunhar: a execução de protestantes flamengos pelas milícias do Rei de Espanha.[10]
Dennis Harvey, na Variety de 27 Janeiro de 2011, elogia assim o filme: “Um extraordinário salto imaginativo, "O Moinho e a Cruz" de Lech Majewski combina velhas e novas tecnologias permitindo ao espectador situar-se dentro da pintura de 1564 do mestre flamengo Pieter Bruegel, "Caminho do Calvário," uma tela épica que descreve através da crucificação de Cristo a brutalização pelos ocupantes espanhóis da pátria do artista. Nem drama de tipo convencional, nem abstrato objeto de arte, esta peça visualmente arrebatadora e surpreendentemente sedutora não cabe num qualquer nicho classificativo."[11]
Ver também[editar | editar código-fonte]
Notas e referências[editar | editar código-fonte]
- ↑ Cf. Pietro Allegretti, Brueghel, Milan:Skira (2003) passim.(em italiano)
- ↑ Este Monogrammista tem sido identificado como sendo Jan van Amstel, veja-se Elise L. Smith, "Brunswick Monogrammist" Grove Art Online, Oxford University Press, 12/4/07 [1]; and Collection: Dr. Herbert & Monika Schaefer: Selected Works, New Haven: Mountain View Press (1998), 32.
- ↑ Cf. Pietro Allegretti, ibid., Milão:Skira (2003).(em italiano)
- ↑ Mathijs & Jeroon Kock, pintores de Antuérpia de Karel van Mander, Schilder-boeck, 1604, a partir da Digital library for Dutch literature; e Matthys Cock na Artnet
- ↑ Cf. Pieter Bruegel the Elder, Oxford Art Online.
- ↑ Pierra Francastel, Bruegel, Paris:Hazen (1995)
- ↑ Algumas fontes descrevem-na como o maior, mas este estatuto (a maior) é atribuido a O Vinho do dia de S. Martinho (Wine of Saint Martin's Day)
- ↑ Um ciclo de 6 pinturas, das quais restam 5: Caçadores na Neve, The Gloomy Day, The Hay Harvest, The Harvesters, The Return of the Herd.
- ↑ http://www.imdb.com/title/tt1324055/?ref_=fn_tt_tt_1
- ↑ Michael Francis Gibson, The Mill and the Cross, Acatos, Lausanne, 2001 e Michael Francis Gibson e Lech Majewski, "The Mill & the Cross", Bosz and Angelus Silesius, Poland, 2011. Ver também, Lester, Paul Martin (Setembro 2007). "Floods and Photo-Ops A Visual Historiography Approach". Visual Communication Quarterly 14 (2): 114–126.
- ↑ Harvey, Dennis (27 de janeiro de 2011). «The Mill and the Cross». Variety
Leituras adicionais[editar | editar código-fonte]
Orenstein, Nadine M., ed. (2001). Pieter Bruegel the Elder: Drawings and Prints. [S.l.]: The Metropolitan Museum of Art. ISBN 9780870999901 (fig. 5)
Ligações externas[editar | editar código-fonte]
- The Procession at the KHM, (em alemão)
- Página web oficial do Museu Kunsthistorisches, [2]
- Bosch Bruegel Society
- 99 works by Pieter Bruegel the Elder
- Creative Bruegel laid the foundation of the Netherlands School, (em russo)
«Bruegel». Encyclopedia Americana. 1920