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Caso Cláudia Simões

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Caso Cláudia Simões
Data 19 de janeiro de 2020 (2020-01-19)
Localização Amadora
Tipo agressão, abuso de poder
Acusado(s) Cláudia Simões, Carlos Canha, João Gouveia, Fernando Rodrigues
Acusações Agressão, abuso de poder, ofensas à integridade física, sequestro

O Caso Cláudia Simões foi um caso de agressões, ocorrido em 19 de janeiro de 2020, numa paragem de autocarro na Amadora, envolvendo Cláudia Simões, uma passageira luso-angolana, na altura com 47 anos, e os agentes da Polícia de Segurança Pública Carlos Canha, que já estava fora do seu turno de trabalho, porém ainda fardado, e os agentes em serviço João Gouveia e Fernando Rodrigues.[1][2][3]

A origem do incidente foi uma discussão entre passageiros e o motorista do autocarro 163 da empresa Vimeca, pelo facto da filha dessa passageira, à data com 8 anos, se ter esquecido do passe. Apesar de Cláudia Simões ter ligado ao filho para que trouxesse o passe da criança à paragem de destino, aí chegados, o motorista decidiu chamar um polícia que se encontrava no local. A situação intensificou-se e resultou em agressões a Cláudia Simões e à sua detenção, diante dos seus filhos e demais membros do público.[1][2][3]

Adnilson Barros, de 23 anos, passava de mota e viu pessoas paradas, agarrou no telemóvel e filmou. “Vi a senhora com barriga para cima e o agente com a mão a enforcar. O agente disse que ela estava a morder e eu respondi ‘o senhor está a enforcar ela’. O senhor é autoridade, não pode fazer isso”.[1][2][3]

Julgamento[editar | editar código-fonte]

Apesar de reconhecer que Cláudia Simões foi ilegalmente detida e agredida, o Ministério Público (MP) levou-a a julgamento na dupla qualidade de vítima e arguida, por ter mordido o agente, alegadamente em auto-defesa: "Se não lhe mordesse o braço, morria". O despacho do MP referiu que o agente Carlos Canha e os dois outros arguidos “actuaram com violação dos seus deveres funcionais” e que Cláudia Simões “foi ilegalmente detida, algemada, agredida, insultada e conduzida num veículo da Polícia de Segurança Pública para a esquadra”;  que “durante o percurso para a esquadra o agente Canha deu vários socos na cabeça e corpo da assistente”; e que “nenhum dos arguidos que seguiam nos dois bancos da frente do veículos fizeram algo para o parar”.[4]

A 8 de novembro de 2023, durante as sessões do processo do tribunal, Cláudia Simões, arguida e assistente no processo, prestou declarações durante quase duas horas e assegurou que mordeu o polícia porque receou pela vida. A passageira referiu que Carlos Canha a arrastou então para a paragem, aplicou-lhe um 'mata-leão' e depois a insultou e agrediu na viagem de carro até à esquadra.[4][5]

Veredicto e sentenciamento[editar | editar código-fonte]

No dia 1 de julho de 2024 o Tribunal Judicial de Sintra condenou Cláudia Simões por morder o agente Carlos Canha, que foi absolvido das acusações de agressão na detenção desta mulher, porém condenado por agredir outras duas pessoas na esquadra.[2][6]

Na leitura do acórdão, a juíza Catarina Pires aplicou uma pena de oito meses de prisão para Cláudia Simões, por um crime de ofensa à integridade física qualificada, e condenou o polícia Carlos Canha a três anos de prisão por dois crimes de ofensa à integridade física e dois crimes de sequestro relativamente aos cidadãos Quintino Gomes e Ricardo Botelho, que tinham sido levados para a esquadra. Ambas penas foram suspensas na execução.[2][6]

Outros dois agentes envolvidos no caso, Fernando Rodrigues e João Gouveia, acusados do crime de abuso de poder por não terem atuado para impedir as alegadas agressões do colega Carlos Canha, foram absolvidos porque o tribunal considerou que os dois polícias chamados à ocorrência na Amadora não atuaram à margem da lei no exercício das suas funções.[2]

Reações[editar | editar código-fonte]

Cartaz onde está escrito "Justiça para Cláudia Simões"
Cartaz em apoio a Cláudia Simões na Marcha do Orgulho de Lisboa de 6 de julho de 2024

Dois dias depois do acontecimento, a 21 de janeiro de 2020, a SOS Racismo solicitou que o agente Carlos Canha fosse suspenso das suas funções com caráter imediato, tendo também condenado o “uso desproporcional da força contra cidadãos racializados indefesos” e a “impunidade que tem permitido a perpetuação do abuso de força e uso de violência por partes de elementos das forças de segurança contra pessoas racializadas”. Além disso, a SOS Racismo ainda criticou o fato de Cláudia Simões ter sido chamada a comparecer em tribunal e que tenha sido constituída arguida.[7]

No dia 22 de janeiro de 2020, deputados parlamentares do Bloco de Esquerda, incluido Beatriz Gomes Dias, sete deputados da Juventude Socialista (PS), e a deputada do Livre, Joacine Katar Moreira, questionaram o Ministério da Administração Interna (MAI) sobre a atuação da polícia no caso. Entre as questões colocadas, questionaram se é usual a polícia intervir em conflitos relacionados com o não pagamento de títulos de transporte de empresas públicas ou privadas, as medidas que são tomadas para evitar utilização excessiva de força por parte da polícia, quais as medidas que o MAI tomou para apurar as causas da ocorrências e se já tinham iniciado um inquérito, e quais as medidas de prevenção e combate do racismo e violência pelas forças políciais.[8]

O Sindicato Unificado da Polícia de Segurança Pública (SUPSP), perantes estas questões, sugeriu haver uma "orquestração" da defesa de Cláudia Simões e mostrou fotografias de arranhões nas mãos e nos braços de Carlos Canha, acrescentando que esperava que "as análises sejam todas negativas a doenças graves", num post do Facebook entretanto apagado.[8][9]

Na sequência desta publicação, a Inspecção Geral da Administração Interna (IGAI), abriu um processo administrativo ao SUPSP. [10] [nota 1]

A 28 de janeiro de 2020, Ana Gomes, durante a celebração dos cinco anos da Associação 100 Violência - Observatório da Criança, criticou a actuação de um agente da PSP no caso de Cláudia Simões, referindo que Carlos Canha é um “exemplo pela negativa do que é ser-se polícia”, relembrando que a criança que estava presente no local da agressão, filha de Cláudia, "também tem direitos, não é só vítima de maus tratos, mas de maus tratos psicológicos que podem perdurar".[11]

No dia 1 de fevereiro de 2020, segundo a SOS Racismo, entre 500 a 600 pessoas marcharam na Avenida da Liberdade até ao Rossio, em Lisboa, contra o racismo e a violência policial e para pedir justiça para Cláudia Simões. A acção foi convocada por vários movimentos e associações anti-racistas, entre as quais SOS Racismo, Instituto da Mulher Negra em Portugal, Brutalidade Policial, Consciência Negra, Frente Antifascista e Djass - Associação de Afrodescendentes. Estiveram presentes pessoas deputadas da Assembleia da República, entre elas Beatriz Dias, do Bloco de Esquerda, Joacine Katar Moreira, do Livre, e Rita Rato, do PCP. Foram também lembrados os casos de Giovanni Rodrigues, jovem cabo-verdiano assassinado em Bragança, em Dezembro de 2019, e de Alcindo Monteiro, morto em 1995 em Lisboa por um grupo de extrema-direita.[12]

Em julho de 2024, em reação à condenação de Cláudia Simões, o jogador de futebol Francisco Geraldes, do Johor FC da Malásia, durante um jogo, mostrou uma t-shirt com a imagem de Cláudia, que tinha por baixo do equipamento, em sua homenagem, e ainda escreveu uma longa publicação nas redes sociais pedindo justiça para Cláudia Simões.[13][14]

No mesmo mês, a 7 de julho de 2024, na sequência da condenação de Cláudia Simões, cerca de 50 pessoas, na maioria mulheres negras, protestaram no Cais das Colunas, em Lisboa, vestidas de branco e de punhos fechados e erguidos, em solidariedade. Entre as presentes, Célia Pires e Joacine Katar Moreira foram dizendo as seguintes palavras de ordem, em inglês e português: "Este é um ato de solidariedade com uma mulher, negra, vítima de violência policial racista".[15]

Notas

  1. Este sindicato era na altura liderado por Peixoto Rodrigues, candidato na lista do partido Chega às eleições europeias de 2020, arguido num processo de fraude que lesou o Estado em milhares de euros e que foi alvo de uma pena disciplinar por faltar 83 dias ao trabalho sem justificação no ano de 2019, que o levou à aposentação compulsiva.

Referências

  1. a b c Henriques, Joana Gorjão (21 de janeiro de 2020). «Mulher acusa polícia de agressão e racismo. PSP chamou bombeiros e disse que era "uma queda"». PÚBLICO. Consultado em 8 de julho de 2024 
  2. a b c d e f «Caso de agressões na Amadora: tribunal condena Cláudia Simões e agente da PSP a penas suspensas». Expresso. 1 de julho de 2024. Consultado em 8 de julho de 2024 
  3. a b c Cordeiro, Ana Dias (6 de julho de 2024). «Sofrimento do polícia foi provado em tribunal mas não o de Cláudia Simões e da sua filha». PÚBLICO. Consultado em 8 de julho de 2024 
  4. a b Henriques, Joana Gorjão (8 de novembro de 2023). «"Se não lhe mordesse o braço, morria", diz Cláudia Simões sobre polícia em tribunal». PÚBLICO. Consultado em 8 de julho de 2024 
  5. «Cláudia Simões e agente da PSP apresentam versões opostas das agressões em tribunal». Diário de Notícias. Consultado em 8 de julho de 2024 
  6. a b «Agente da PSP socou um inocente por ter estado "sob tensão"». Expresso. 4 de julho de 2024. Consultado em 8 de julho de 2024 
  7. «SOS Racismo pede suspensão imediata de polícia acusado de agredir mulher». Jornal Expresso. Consultado em 8 de julho de 2024 
  8. a b «Esquerda unida pergunta sobre agressões da polícia a mulher na Amadora». Jornal Expresso. Consultado em 8 de julho de 2024 
  9. «Sindicato da PSP "espera" que polícia acusado de espancar mulher negra não tenha apanhado "doenças graves"». Jornal Expresso. Consultado em 8 de julho de 2024 
  10. «IGAI abre processo a sindicato da PSP que insinuou que mulher agredida tem "doenças" | PSP | PÚBLICO». web.archive.org. 22 de dezembro de 2022. Consultado em 8 de julho de 2024 
  11. Henriques, Joana Gorjão (28 de janeiro de 2020). «Queixas de violência doméstica à PSP e GNR subiram 11,5%». PÚBLICO. Consultado em 8 de julho de 2024 
  12. Rocha, Lusa, Daniel (1 de fevereiro de 2020). «Centenas marcham em Lisboa contra o racismo e a violência policial». PÚBLICO. Consultado em 8 de julho de 2024 
  13. «Francisco Geraldes presta apoio a Cláudia Simões: «Para salvar as vítimas do racismo, é preciso criticar o fenómeno»». www.record.pt. Consultado em 8 de julho de 2024 
  14. «Francisco Geraldes mostra t-shirt de apoio a Cláudia Simões, condenada por morder agente da PSP». O Jogo. Consultado em 8 de julho de 2024 
  15. «Meia centena de pessoas protestam em Lisboa contra "racismo institucional"». Diário de Notícias. Consultado em 9 de julho de 2024 

Ligações externas[editar | editar código-fonte]