Dinastia dos Baltos
Baltos (em latim: Balt(h)i; romaniz.: lit. "[os] calvos") ou Baltingos foram uma dinastia visigótica que governou a Hispânia e parte da Gália. O nome deriva de Balta (Balþa ou Balþs em godo), um termo que o escritor bizantino do século VI Jordanes traduziu em sua Gética como audaz, como um epíteto para referir-se à linhagem do rei Alarico (r. 395–410). São considerados como uma linhagem de reis e heróis tal como a casa rival dos Amalos, mas seu passado divino foi perdido.[1]
História
[editar | editar código-fonte]Origens
[editar | editar código-fonte]O historiador austríaco Herwig Wolfram sugeriu em sua obra História dos Godos que os Baltos podem ter-se originado na ilha de Báltia (também chamada Basília — lit. "terra do rei" — na obra História Natural de Plínio, o Velho) que, segundo descrições, era um grande pedaço de terra situado a três dias de viagem a navio da "costa dos citas". Ele supõe igualmente que a forma latina do nome dessa família era originalmente Balti em vez de Balthi.[2] O historiador dinamarquês Arne Søby Christensen, por outro lado, põe sérias dúvidas quanto a existência da família e sugere que sua menção na obra de Jordanes e na Origem dos Godos de Cassiodoro (a fonte principal de Jordanes) é uma construção literária do século VI para contrapor uma linhagem visigótica àquela dos Amalos;[3] Peter Heather concorda com esta afirmação.[4] Ele até considera a possibilidade de terem existido famílias com os nomes Amal e Balto, mas desacredita que já existissem já pelo século IV como Cassiodoro e Jordanes afirmam.[5]
Segundo a descrição contida na obra Gética do escritor bizantino do século VI Jordanes, a dinastia dos Baltos foi fundada com a nomeação, em 395, de Alarico I (r. 395–410) como rei dos visigodos. Tal episódio teria sido reflexo da negligência de Arcádio (r. 395–408) e Honório (r. 395–423), que estavam, nos dizeres do autor, dilapidando ambas as porções do Império Romano e optaram por negligenciar os pagamentos concedidos aos godos desde o reinado do pai deles Teodósio I (r. 378–395). Sua família, segundo Jordanes, era famosa e nobre, ficando atrás apenas dos Amalos que governavam os ostrogodos;[6] para o historiador Wolf Liebeschuetz, essa afirmação contida na Gética pode ser improcedente e seria mais plausível supor que Alarico era um homem novo e que os Baltos se tornaram excepcionais através de suas realização heroicas e não por um passado nobre.[7]
A origem dos Baltos, no entanto, ainda é motivo de debate. Não se sabe ao certo a identidade dos pais de Alarico, sendo possível que foi filho de Alavivo,[8] um nobre tervíngio do século IV que esteve envolvido nos planos de cruzar seu povo, ao lado de Fritigerno, da Dácia para os domínios imperiais após a invasão dos hunos; ele seria assassinado ou capturado ca. 376/377[9][10] durante um banquete oferecido em Marcianópolis pelo general Lupicino após um incidente nas dependências da cidade.[11][12][13] São conhecidos outros três nobres tervíngios do século IV, os juízes Ariarico, Aorico e Atanarico, todos eles aparentados, mas é incerto se foram Baltos e qual a relação deles com Alarico.[2] Garcia Moreno sugeriu que Fritigerno fosse outro membro precoce dos Baltos, porém de um ramo cadete, o que explica sua disputa pelo poder com Atanarico anos antes da migração dos tervíngios em 376.[14] Wolfram, por sua vez, considerou que os generais góticos Alica, que serviu em 324 durante a Segunda Guerra Civil de Constantino e Licínio, [15] e Modares, que serviu durante a Guerra Gótica de 376–382, também foram Baltos.[8][16]
Alarico e seus descendentes
[editar | editar código-fonte]Segundo Jordanes, após ser feito rei, Alarico aconselhou-se com seus homens e os persuadiu a estabelecer um reino próprio em vez de continuar servindo aos romanos.[17] Ele organizou um exército e saqueou as províncias balcânicas e a Grécia até ser repelido pela investida dos exércitos liderados pelo ministro e general Estilicão. Nos primeiros anos do século V, Alarico deslocou-se com seu povo à Itália, onde atacou várias cidades. Apesar disso, seus sucessos foram mistos e vários revezes marcaram a passagem de seu povo pela região. Um dos últimos atos por ele realizados antes de sua morte foi o Saque de Roma em 410. Após falecer nesse mesmo ano seria seria sucedido no trono visigótico por seu cunhado Ataulfo (r. 410–415).[18] Enquanto vários autores consideram Ataulfo como membro da família apenas pelo casamento de uma irmã sua com Alarico, os historiadores Garcia Moreno e Herwig Wolfram sugeriram que igualmente poderia ter sido Balto de nascimento; Ataulfo poderia ter sido filho de Alateu[19] ou Modares.[16] Seja como for, se sabe que Ataulfo teve um filho com a princesa romana Gala Placídia que seria batizado Teodósio e nomeado seu herdeiro, porém este faleceu na infância e foi sepultado em Barcino (atual Barcelona).[20]
O próximo membro da família a ser mencionado é Teodorico I (r. 419–451), que casou-se com alguma filha de nome desconhecido de Alarico. Quando assumiu o trono, já faziam alguns anos que os visigodos estavam assentados na Gália e o embrião do Reino Visigótico havia sido estabelecido com a concessão de territórios feita pelo imperador Honório em 418 para Vália (r. 415–418).[21] Sob Teodorico, o Reino Visigótico começou a gradualmente se expandir às custas do débil Império Romano, porém seu avanço foi interrompido pelas investidas militares do general Flávio Aécio e pela invasão de Átila, o Huno (r. 434–453) à Gália. Com a aproximação huna, uma coalizão romano-bárbara foi formada para detê-la e na Batalha dos Campos Cataláunicos os invasores foram repelidos.[22]
Teodorico pereceu no campo de batalha e foi sucedido por seu filho Torismundo (r. 451–453); fora este, Teodorico ainda era pai de Frederico, Ricímero e Himnerido, dos reis Teodorico II (r. 453–466) e Eurico (r. 466–484) e de duas damas de nome desconhecido, uma que casar-se-ia com o rei suevo Requiário I (r. 448–456) e a outra que casar-se-ia com o rei vândalo Hunerico (r. 477–484).[23][24] O reinado de Torismundo foi muito curto, pois logo seria assassinado por seu irmão Teodorico. Sob Teodorico, os visigodos expandiram-se em direção à Hispânia, onde vastas porções dos antigos territórios romanos foram tomadas.[25][26] Em 466, ele foi assassinado e sucedido por seu irmão Eurico, um enérgico governante que dedicou seu tempo às guerras de expansão na Gália e a consolidação de seus domínios na Hispânia em detrimento do Reino Suevo da Galécia.[27]
Eurico faleceu em 484 e foi sucedido por seu filho Alarico II (r. 484–507). Sob Alarico, provavelmente depois de 494, a dinastia dos Baltos uniu-se à dinastia dos Amalos pelo matrimônio de Alarico com Teodegoda, a filha do rei Teodorico, o Grande (r. 484–526).[28] Segundo Ana Maria Jiménez, esse foi seu único casamento legítimo, e ele precisou abandonar a mulher com quem convivia e lhe havia dado um filho (Gesaleico).[29] Ao casar-se com uma princesa ostrogótica, conseguiu reforçar seu poder dinástico,[30] e com o nascimento do filho de Teodegunda, reconheceu a superioridade dinástica de sua esposa ao batizar seu filho com um nome que uniu Amal, a dinastia epônima, e reiks, rei. Ao mesmo tempo, Teodorico adotou em armas seu genro, implicando certa subordinação militar.[29]
Foi também sob Alarico que os francos de Clóvis I (r. 481–511) conquistaram o norte da Gália. Após uma breve guerra, Alarico foi forçado a acabar com uma rebelião em Tarraconense, provavelmente causada pela recente imigração visigótica à Hispânia devido a pressão dos francos. Em 507, os francos atacaram novamente, desta vez aliados com os burgúndios. Alarico II foi morto na Batalha do Campo Vogladense, próximo de Poitiers, e a capital visigótica de Tolosa foi saqueada. Cerca de 508, os visigodos perderam muitas de suas possessões gálicas, salvo a Septimânia no sul.[31] Aproveitando-se da confusão política, Gesaleico (r. 507–511) tomou o poder, porém poucos anos depois seria deposto por Teodorico, o Grande, que instalou seu neto Amalarico (r. 511–531) em seu lugar. Amalarico, contudo, ainda era uma criança e o poder da Hispânia permaneceu sob o general e regente ostrogodo Têudis.[32] Foi somente após a morte de seu avô em 526 que Amalarico obteve controle de seu reino, mas seu reinado não duraria muito, pois seria derrotado em 531 pelo rei merovíngio Quildeberto I (r. 511–558). e então assassinado em Barcelona.[33] Isso encerrou a dinastia dos Baltos.
Ramos cadetes
[editar | editar código-fonte]Herwig Wolfram propôs que os reis burgúndios que assumiram o trono após a deposição da linhagem dos reis nibelungos (Gebica, Gundemaro I, Gislário e Guntário) em 434 eram descendentes dos Baltos. Para ele, a alegação de parentesco entre o rei Gundioco e o juiz Atanarico presente nas fontes é explicada por uma possível associação com Vália. Seu filho Gundebaldo é tido como neto, sobrinho ou ao menos parente de Ricímero, cuja mãe era filha de Vália. Para Wolfram, rebatendo a teoria de alguns estudioso de que Vália não seria um Balto,[a] o monarca visigótico pode ter se associado a dinastia mediante casamento[34] com alguma filha de Alarico tal como Ataulfo e Teodorico I haviam feito, garantindo-lhes assim acesso ao trono.[35] Os burgúndios descendentes de Gundioco continuaram a reinar até 532, quando o último rei dessa linhagem, Gundemaro III (r. 524–532), foi preso pelos francos e o Reino da Borgonha foi dividido entre Teodeberto I (r. 533–548), Quildeberto I (r. 511–558) e Clotário I (r. 511–561).[36]
Garcia Moreno faz menção a outros dois indivíduos, Fretimundo e Freda, por ele vistos como Baltos. O primeiro foi um emissário ativo durante o reinado de Teodorico I que havia sido enviado à corte do rei suevo Hermerico (r. 410–441), enquanto o segundo foi um nobre que recebeu uma carta de Rurício de Limoges.[14] Ele também sugeriu que a dinastia dos Baltos não foi extinta com a morte de Amalarico. Para ele, baseando-se na aliteração dos nomes dos reis visigóticos, o rei Atanagildo poderia igualmente pertencer ao estoque real da dinastia. Outros pontos que favoreceriam essa associam seriam a menção por Venâncio Fortunato da sublime linhagem nobre (nobilitas) que as filhas de Atanagildo, Brunilda e Galsuinta, pertenceram e os privilégios gozados por Brunilda na Gália: a ela teria sido conferido o direito de levar consigo à Austrásia o famoso missório de prata dado a Torismundo pelo general Flávio Aécio e recebeu apoio especial da nobreza borgonhesa, que alegava descender dos Baltos, e que à época já havia se unido novamente aos Baltos por matrimônio. Moreno ainda evoca essa hipotética linhagem ao lembrar que Hermenegildo nomeou seu filho com Ingunda, a filha de Brunilda, de Atanagildo de modo a reforçar sua posição diante de seu pai Leovigildo (r. 568–586).[37]
Notas
[editar | editar código-fonte]- [a] ^ Garcia Moreno, por exemplo, trabalhando com as aliterações presentes nos nomes dos reis conhecidos dos Amalos e Baltos propôs que Vália poderia ser um Amal em vez de um Balto o que explicaria sua participação no assassinado do rei Sigerico, uma vez que, sendo este um Rosomono, tem em si o sangue daqueles que assassinaram o rei amalungo dos grutungos Hermenerico num ato de vingança.[19]
Referências
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- ↑ a b Wolfram 1990, p. 32.
- ↑ Christensen 2002, p. 321-322.
- ↑ Liebeschuetz 2015, p. 113.
- ↑ Christensen 2002, p. 321.
- ↑ Jordanes, XXIX.146.
- ↑ Liebeschuetz 2002, p. 78.
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- ↑ Burns 1994, p. 26.
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Bibliografia
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