Saltar para o conteúdo

Fitase

Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.

Fitase (myo-inositol hexakisphosphate phosphohydrolase) é um termo genérico dado a enzimas pertencentes à classe das fosfatases que são capazes de catalisar a remoção de ortofosfatos do ácido fítico, ou seja, enzimas capazes de acelerar o processo de hidrólise dessa substância.[1][2]

Representação da reação de hidrólise do fitato catalizada pela enzima fitase.

Quando hidrolisado, o ácido fítico, também denominado de fitato quando na forma de sal, divide-se em seis moléculas de fósforo inorgânico e numa molécula de inositol.[3]

As fitases são encontradas numa grande variedade de seres vivos, desde microrganismos como bactérias, a plantas, animais e até mesmo seres humanos.[4][2]

A fitase foi identificada pela primeira vez num farelo de arroz por Suzuki et al., em 1907.[5][2] Um ano mais tarde, em 1908, foi também descoberta a presença de fitases no fígado e no sangue de bezerros por McCollum e Hart.[6]

A comercialização deste enzima iniciou-se em 1994 como um aditivo à ração de gado, tendo sido efetuada pela BASF.[5][6]

Hoje em dia, esta enzima é utilizada numa grande variedade de indústrias, mas continua a ser principalmente reconhecida pela sua utilidade na alimentação de gado.

Produção de Fitases

[editar | editar código-fonte]

Apesar de estarem presentes em muitos seres vivos, as fitases são frequentemente produzidas utilizando fungos. Esta produção pode ser feita utilizando três métodos de fermentação diferentes: fermentação em estado sólido, fermentação em estado semi-sólido e fermentação submergida.[4]

Fitases originadas a partir de fungos são, a maioria das vezes, produzidas utilizando métodos de fermentação em estado sólido (FES), sendo que os substratos mais frequentemente utilizados incluem cascas de frutos cítricos e farelo de milho, trigo ou arroz.[4]

Categorização e Classificação de Fitases

[editar | editar código-fonte]

As fitases podem ser classificadas de acordo com diversas características: o número do primeiro carbono desfosforilado no anel de myo-inositol do ácido fítico, o seu mecanismo catalítico ou o valor de pH em que a sua atividade é máxima.[7]

De acordo com o número do carbono

[editar | editar código-fonte]

Dependendo do número carbono no anel de myo-inositol em que é iniciado o processo de hidrólise, as fitases podem ser classificadas em 3-fitases, 5-fitases ou 4-fitases, também denominadas como 6-fitases.[8][9][6]

3-fitases, iniciam o processo de hidrólise no carbono 3 do anel de myo-inositol e são encontradas principalmente em fungos e bactérias, sendo também o grupo mais abrangente de fitases.[10][9][6]

4-fitases, tradicionalmente denominadas 6-fitases, iniciam a hidrólise no sexto carbono do anel de myo-inositol. Estas tendem a ter uma maior atividade em ambientes onde o pH é ácido e em temperaturas entre os 40ºC e os 60ºC. Este tipo de fitase é comum em sementes e grãos de plantas vasculares.[9][8][2][6]

5-fitases iniciam a hidrólise no quinto grupo fosfato, atuando no carbono 5. Podem ser extraídas de espécies como Medicago sativa, Phaseolus vulgaris ou Pisum sativum.[2][6]

De acordo com o processo catalítico

[editar | editar código-fonte]

As fitases são divididas em diferentes classes de acordo com o seu processo catalítico. Podem ser classificadas em HAPs (histidine acid phosphatases), PAPs (purple acid phosphatases), BPPs (β-propeller phytases) e, mais recentemente, foi descoberta uma nova classe de fitases semelhantes a PTPs (protein tyrosin phosphatase).[2]

HAP (Histine Acid Phosphatases)

[editar | editar código-fonte]

As fitases pertencentes a esta classe, possuem um mecanismo característico de dois passos que possibilita a hidrólise de fosfomonoésteres, assim como a catalização da decomposição do ácido fítico.[11][2] Existe também um centro ativo comum a toda esta classe, definido por RHGXRXP. Como o nome indica, esta categoria de fitase atua melhor em meios com um pH ácido.[11] Fitases retiradas de fungos e da bactéria E. coli enquadram-se nesta categoria.[6]

PAP (Purple Acid Phosphatases)

[editar | editar código-fonte]

Este tipo de fitase foi isolada a partir da soja, mas podem ser encontradas sequências semelhantes a PAP em diversos mamíferos, fungos e bactérias.[11] As enzimas desta classe são caracterizadas pela sua cor roxa e atuam melhor em valores de pH entre 5 e 7.[12][13]

BPP (β- propeller phytases)

[editar | editar código-fonte]

Esta classe de fitase foi isolada a partir de Bacillus subtilis e Bacillus amyloliquefaciens e difere-se das outras classes devido à sua estrutura, que se assemelha a uma hélice com 6 pás.[11] A atividade desta enzima está dependente da presença de iões cálcio e, ao contrário das outras categorias de fitase, possui um valor ideal de pH de 7.0 a 8.0.[6][2]

Semelhantes a PTP (protein tyrosin phosphatase)

[editar | editar código-fonte]

A abreviatura PTP refere-se a uma grande família de enzimas, sendo, mais recentemente, foram descobertas algumas fitases, isoladas a partir de bactérias presentes no rúmen de gado, que se podem enquadrar nessa família. Esta classe de fitases atuam melhor num pH acídico[14][7]

De acordo com o valor de pH ideal

[editar | editar código-fonte]

As fitases podem também ser classificadas de acordo com o valor de pH em que a sua ação mais eficaz, ou seja, em que a sua atividade é máxima. Podem ser enquadradas nas categorias de ácidas ou alcalinas. Na categoria de fitases ácidas encontramos HAP, PAP e PTP, enquanto que apenas BPP é classificada como alcalina.[7][2]

Usos da Fitase

[editar | editar código-fonte]

A aplicação mais comum da fitase é na indústria pecuária e na aquacultura.

Nos sistemas digestivos de animais monogástricos, como peixes ou porcos, os fosfatos associados ao fitato, a maneira mais comum em que fósforo se encontra em tecidos de plantas, e consequentemente, em rações para gado, não conseguem ser absorvidos. Isto implica que sejam introduzidos outros alimentos nas dietas destes animais para compensar a sua deficiência em fósforo, o que gera custos adicionais para os produtores. Para combater este problema, têm-se vindo a adicionar vários tipos de fitases nas dietas destes animais, já que estas enzimas permitem a decomposição do fitato.[15][2]

Outro problema que advém da má absorção de fósforo na digestão de ácido fítico e fitato é o da poluição ambiental. Quando o fósforo em excesso é excretado pelo gado, este pode vir a ter um impacto negativo no ambiente, causando, nomeadamente, a eutrofização de águas superficiais. As fitases são, portanto, utilizadas para melhorar a absorção de fósforo no processo digestivo dos animais, diminuindo assim a quantidade de fósforo excretado, e, consequentemente, a poluição ambiental causada pelo mesmo.[16][8][4][2]

O ser humano, possuindo um sistema digestivo monogástrico, encontra também dificuldades na digestão de fitato, que acaba por inibir a absorção de certos minerais, diminuindo o aproveitamento de certos alimentos. A introdução de fitase nas dietas de humanos está a ser estudada como uma maneira de melhorar o valor nutricional, textura de certos alimentos e absorção de certos minerais.[9][6]

A fitase é também utilizada na indústria do papel e na correção de solos.[4]  

  1. Sharma, Rekha; Kumar, Piyush; Kaushal, Vandana; Das, Rahul; Kumar Navani, Naveen (1 de fevereiro de 2018). «A novel protein tyrosine phosphatase like phytase from Lactobacillus fermentum NKN51: Cloning, characterization and application in mineral release for food technology applications». Bioresource Technology: 1000–1008. ISSN 0960-8524. doi:10.1016/j.biortech.2017.10.106. Consultado em 18 de dezembro de 2023 
  2. a b c d e f g h i j k Yao, M.-Z.; Zhang, Y.-H.; Lu, W.-L.; Hu, M.-Q.; Wang, W.; Liang, A.-H. (janeiro de 2012). «Phytases: crystal structures, protein engineering and potential biotechnological applications: Engineering and application of phytase». Journal of Applied Microbiology (em inglês) (1): 1–14. doi:10.1111/j.1365-2672.2011.05181.x. Consultado em 18 de dezembro de 2023 
  3. Kumar, Vikas; Sinha, Amit K.; Makkar, Harinder P. S.; Becker, Klaus (15 de junho de 2010). «Dietary roles of phytate and phytase in human nutrition: A review». Food Chemistry (4): 945–959. ISSN 0308-8146. doi:10.1016/j.foodchem.2009.11.052. Consultado em 18 de dezembro de 2023 
  4. a b c d e Jatuwong, Kritsana; Suwannarach, Nakarin; Kumla, Jaturong; Penkhrue, Watsana; Kakumyan, Pattana; Lumyong, Saisamorn (14 de fevereiro de 2020). «Bioprocess for Production, Characteristics, and Biotechnological Applications of Fungal Phytases». Frontiers in Microbiology. 188 páginas. ISSN 1664-302X. PMC 7034034Acessível livremente. PMID 32117182. doi:10.3389/fmicb.2020.00188. Consultado em 18 de dezembro de 2023 
  5. a b «Advances in phytase research» (em inglês). doi:10.1016/s0065-2164(00)47004-8. Consultado em 18 de dezembro de 2023 
  6. a b c d e f g h i Rao, K.V. Rao, T.P. Reddy, and V.D. Reddy (2009). «Molecular characterization, physicochemical properties, known and potential applications of phytases: An overview» (PDF). informa healthcare. Critical Reviews in Biotechnology. Consultado em 18 de dezembro de 2023  line feed character character in |título= at position 56 (ajuda)
  7. a b c Naghshbandi, Mohammad Pooya; Moghimi, Hamid (1 de janeiro de 2020). Kumar, Challa V., ed. «Chapter Eighteen - Stabilization of phytase on multi-walled carbon nanotubes via covalent immobilization». Academic Press. Nanoarmoring of Enzymes with Carbon Nanotubes and Magnetic Nanoparticles: 431–451. Consultado em 18 de dezembro de 2023 
  8. a b c «4-Phytase - an overview | ScienceDirect Topics». www.sciencedirect.com. Consultado em 18 de dezembro de 2023 
  9. a b c d Kumar, Vikas; Sinha, Amit K. (1 de janeiro de 2018). Nunes, Carlos Simões; Kumar, Vikas, eds. «Chapter 3 - General aspects of phytases». Academic Press: 53–72. ISBN 978-0-12-805419-2. Consultado em 18 de dezembro de 2023 
  10. «3-Phytase - an overview | ScienceDirect Topics». www.sciencedirect.com. Consultado em 18 de dezembro de 2023 
  11. a b c d Mullaney, Edward J; Ullah, Abul H. J (5 de dezembro de 2003). «The term phytase comprises several different classes of enzymes». Biochemical and Biophysical Research Communications. Irwin C. Gunsalus, Versatile and Creative Scientist (1): 179–184. ISSN 0006-291X. doi:10.1016/j.bbrc.2003.09.176. Consultado em 18 de dezembro de 2023 
  12. «Purple Acid Phosphatases - an overview | ScienceDirect Topics». www.sciencedirect.com. Consultado em 18 de dezembro de 2023 
  13. Brandao, Tiago A. S.; Hengge, Alvan C. (1 de janeiro de 2010). Liu, Hung-Wen (Ben); Mander, Lew, eds. «8.09 - Phosphoryl and Sulfuryl Transfer». Oxford: Elsevier: 315–348. ISBN 978-0-08-045382-8. Consultado em 18 de dezembro de 2023 
  14. Nakashima, Brenda A.; McAllister, Tim A.; Sharma, Ranjana; Selinger, L. Brent (1 de janeiro de 2007). «Diversity of Phytases in the Rumen». Microbial Ecology (em inglês) (1): 82–88. ISSN 1432-184X. doi:10.1007/s00248-006-9147-4. Consultado em 18 de dezembro de 2023 
  15. Lei, Xin Gen; Weaver, Jeremy D.; Mullaney, Edward; Ullah, Abul H.; Azain, Michael J. (janeiro de 2013). «Phytase, a new life for an "old" enzyme». Annual Review of Animal Biosciences: 283–309. ISSN 2165-8110. PMID 25387021. doi:10.1146/annurev-animal-031412-103717. Consultado em 18 de dezembro de 2023 
  16. Nadaroglu, Hayrunnisa; Polat, Muhammed Seyid (1 de janeiro de 2022). Kuddus, Mohammed, ed. «Chapter 6 - Microbial extremozymes: Novel sources and industrial applications». Academic Press: 67–88. ISBN 978-0-12-822945-3. Consultado em 18 de dezembro de 2023