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Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre

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(Redirecionado de Hospital São Francisco)
Santa Casa de Porto Alegre
Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre
Parte mais antiga do complexo edificado da Santa Casa, incluindo a Capela Senhor dos Passos
Nome completo Santa Casa de Porto Alegre
Nome(s) anterior(es) Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre
Localização Porto Alegre,  Brasil
Fundação 1803 (221 anos)
Tipo Privado (filantrópica sem fins lucrativos)
Universidade afiliada Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA)
Urgências Sim
Leitos 1 223 (em 2 018)[1]
Especialidades Diversas
Site Página Oficial

A Santa Casa de Porto Alegre é uma instituição privada de caráter filantrópico que mantém um conjunto de nove hospitais de várias especialidades, uma igreja, um cemitério e um centro cultural com arquivo, museu, biblioteca e espaços para as artes, estando localizada no Centro Histórico da cidade brasileira de Porto Alegre.

Fundada em 1803 como Hospital de Caridade de Porto Alegre, e em 1814 organizada com o estatuto de Santa Casa de Misericórdia, tem uma trajetória que se confunde com a história da capital gaúcha, tendo prestado relevantes serviços à comunidade. Hoje seus hospitais são hospitais de ensino da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre e instituições de referência nas áreas de cardiologia, cirurgia cardiovascular, transplantes, neurocirurgia, pneumologia, cirurgia torácica, oncologia e pediatria de complexidade.[2][3]

Em 2018 a Santa Casa possuía 9 unidades assistenciais, 1.223 leitos, 65 salas cirúrgicas, 295 consultórios e 26 centros de pesquisa. Realizava, por ano, cerca de 6 milhões de atendimentos e mais de um milhão consultas. Mais de 69% destes pacientes eram oriundos do Sistema Único de Saúde.[1] Seu valioso acervo histórico, artístico e documental é uma fonte riquíssima para a historiografia e seus prédios antigos são patrimônio histórico municipal.[4]

Antecedentes: as Misericórdias

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Estátua do Irmão Joaquim do Livramento, nos jardins internos da Santa Casa.

Até início do século XIX Porto Alegre não dispunha de nenhum hospital, e os doentes eram atendidos em seus domicílios ou em enfermarias precárias, administradas por José Antônio da Silva, alcunhado Nabos a Doze, e depois pela sua vizinha a negra Ângela Reiuna.[5] Chegando à província em 1788 o Irmão Joaquim Francisco do Livramento, um franciscano dedicado à caridade que estava recolhendo fundos para a construção da Santa Casa de Misericórdia do Desterro, na Ilha de Santa Catarina, tomou conhecimento da necessidade de um bom hospital na cidade e associou-se a José da Silva Flores e Luís Antônio da Silva a fim de criarem um em Porto Alegre. Irmão Joaquim desde logo concebeu-o para ser uma "casa pia", outra Santa Casa de Misericórdia, à semelhança daquela que estava promovendo em Santa Catarina. A fundação não ocorreu imediatamente. Flores e Silva abriram uma enfermaria por volta de 1795 na Praia do Arsenal, mas era um estabelecimento pequeno e a carência de um hospital adequado continuava. Autores do século XIX dizem que o Irmão Joaquim acompanharia as obras em Porto Alegre depois da fundação, mas segundo Elmar Bones, não há registro seguro de sua passagem pela cidade depois de 1788.[6]

Desde sua primeira fundação em 15 de maio de 1498 em Lisboa, sob os auspícios da Coroa portuguesa, as Misericórdias se organizaram amparadas em irmandades criadas especificamente para gerí-las, ao mesmo tempo filantrópicas e de mútuo socorro, inspiradas nos princípios da caridade cristã, como descrita pelo evangelista nas 14 Obras de Misericórdia, sete espirituais e sete corporais — Espirituais: 1ª – Ensinar os simples; 2ª – Dar bom conselho a quem o pede; 3ª – Castigar com caridade os que erram; Consolar os tristes desconsolados; 5ª – Perdoar a quem nos errou; 6ª – Sofrer as injúrias com paciência; 7ª – Rogar a Deus pelos vivos e pelos mortos. Corporais: 1ª – Remir os cativos e visitar os presos; 2ª – Curar os enfermos; 3ª – Cobrir os nus; 4ª – Dar de comer aos famintos; 5ª – Dar de beber a quem tem sede; 6ª – Dar pousada aos peregrinos e pobres; 7ª – Enterrar os mortos.[7]

Nossa Senhora da Misericórdia em vitral da Casa Genta nos prédios históricos da Santa Casa

Enquanto prometiam ajudar os desvalidos, os irmãos firmavam o pacto de se ajudarem mutuamente em caso de necessidades, a filiação à Irmandade dava muito prestígio e garantia amparo em caso de doença ou empobrecimento. As Misericórdias dedicavam-se não apenas à prestação de cuidados de saúde, mas a uma ampla gama de ações, incluindo assistência material e espiritual aos presos, moribundos, órfãos, inválidos, anciãos, pobres, viúvas e outros desamparados. Ocuparam um espaço antes atendido por uma rede desconectada de estabelecimentos e programas de assistência, privados e oficiais. Sendo as instituições assistencialistas favoritas na atenção dos monarcas, atraíram uma multidão de doadores que queriam se aproximar do poder. Além de seu papel assistencialista e religioso, desempenharam um papel político destacado: assumindo parte crucial das funções protetoras e provedoras que julgava-se caber ao Estado, tornaram-se o principal instrumento de ação social da Coroa e um grande reforço na sua legitimação política, através dos relevantes subsídios, privilégios e isenções que as Misericórdias receberam e dos laços de mútuo favorecimento criados com as elites locais.[8]

Suas diretorias invariavelmente eram compostas pelos "homens bons", os cidadãos mais ilustres, que disputavam uma colocação eminente na prestigiosa instituição, e seu funcionamento sempre dependeu fundamentalmente de doações.[8] Um lugar na Mesa Administrativa equivalia em prestígio a uma cadeira na Câmara Municipal.[9] O cargo de provedor era ainda mais cobiçado, pois, conforme Flávio Heinz, "controlar uma instituição de caridade proporcionava muito poder a quem estava no comando. Estas pessoas também lutavam para que a sua instituição de caridade tivesse maior visibilidade, recebesse mais recursos do governo e mantivesse certo monopólio sobre determinadas práticas".[10] Para Luiza Kliemann, "não foram poucos os presidentes da Província (governadores) que ocuparam ao mesmo tempo o cargo de provedor da Santa Casa. Alguns auxiliavam a instituição a obter recursos através do seu prestígio, de donativos, de isenções de impostos, outros usaram o cargo apenas em benefício de sua projeção social e política".[11] Nas palavras de Heinz,

A Santa Casa de Lisboa, modelo para todas as Misericórdias
"As Santas Casas foram instituições centrais nos espaços de colonização portuguesa. Elas se prestam a uma história comparada, e não apenas isso, se prestam a uma história interconectada, pois elas não eram instituições estanques, se relacionavam entre si. Assim como a Misericórdia de Pelotas dependia e seguia o exemplo da de Porto Alegre, ambas enviavam assistidos (especificamente, os considerados loucos) para a Misericórdia do Rio de Janeiro, faziam consultas a seus dirigentes, seguiam modelos de práticas lá implementadas, pediam auxílio na solução de problemas. Além disso, estas irmandades tinham constantes notícias do que ocorria nas demais: se a Misericórdia de Pelotas recebia os relatórios de Rio Grande e Porto Alegre, por exemplo, esta última recebia estes documentos das capitais de outras províncias brasileiras".[12]

Na Irmandade da Santa Casa de Porto Alegre, repetindo o padrão, foi reunida a elite porto-alegrense,[9] e o ingresso só seria permitido para quem fosse católico, livre e sem passado na escravidão, rico, bem instruído, de notória probidade, modesto e desejoso de ajudar, sem marca de infâmia ou ficha criminal, e sem casamento com negra. A eles eram garantidos amparo na velhice ou em caso de indigência, assistência médica sempre que necessário e um sepultamento solene.[6]

Frontispício da primeira edição impressa do Compromisso da Misericórdia de Lisboa, 1516, mostrando Nossa Senhora da Misericórdia

O Compromisso de Lisboa, que sempre permaneceu a principal referência estatutária para todas as Misericórdias e, pelo menos no discurso oficial, foi adotado em Porto Alegre até a Independência, dizia explicitamente que não seriam admitidos irmãos que tivessem sangue mouro ou judeu,[13] mas um alvará régio de 18 de outubro de 1806 já havia abrandado um pouco o rigor estabelecendo que o Compromisso de Lisboa só fosse adotado pelas outras Santas Casas "naquilo que fosse possível". O Compromisso de Porto Alegre de 1857, o primeiro elaborado inteiramente pelos cidadãos locais, foi fortemente inspirado no lisboeta, e embora já não mencionasse explicitamente impedimento de cor ou raça para o ingresso na Irmandade, vetava os casados com negras e os que tivessem passado escravo (ou seja, negros), e suas outras exigências, pela natureza e pelo contexto, na prática impediam o acesso de negros e mestiços.[9][14] O Compromisso de Lisboa também dividia os irmãos em nobres e oficiais, distinção que nunca chegou a ocorrer em Porto Alegre.[14] Em 1853 os mesários de Porto Alegre indagaram à Santa Casa do Rio qual Compromisso adotava, sendo respondido que era o de Lisboa, "nas partes em que era aplicável". Segundo Heinz, "efetivamente o funcionamento das irmandades era decidido na prática diária".[15] Em 1867 os estatutos de Porto Alegre foram reformados e as exigências ligadas a classe e raça foram todas revogadas.[14] Seja como for, segundo Mara Nascimento, "a estreita ligação existente entre as Misericórdias e o poder político jamais se desfez, tanto na Europa como no Brasil. Diferentemente das diversas outras irmandades de negros, mestiços ou mesmo de brancos, as da Misericórdia tiveram sempre como provedor ou irmãos de Mesa homens que ocupavam ao mesmo tempo cargos políticos de chefia local. Um provérbio alentejano dizia que 'quem não está na Câmara está na Misericórdia'. [...] Uma olhada sobre esta questão em Porto Alegre confirma a tradição de alternância de poder, tanto na direção do Hospital da Santa Casa, como na administração da Irmandade e nas instâncias civis".[9]

Paulo Gama, o primeiro provedor
José Francisco da Silveira Casado, primeiro tesoureiro, retrato na galeria de beneméritos da Santa Casa, 1832

Somente em 3 de abril de 1802 o Senado da Câmara elaborou uma petição ao Príncipe Regente Dom João para que autorizasse a fundação de uma instituição nos moldes das Misericórdias. José Francisco de Faria e Costa, irmão de Irmão Joaquim, era em 1802 tabelião em Porto Alegre, e através dele Irmão Joaquim foi indicado pela Câmara para levar a Lisboa o requerimento, remetido antes para Salvador, onde ele se encontrava. Recebido em audiência no Palácio de Queluz, Irmão Joaquim obteve a anuência do Regente, e um Real Aviso foi então expedido em 14 de maio de 1803 ao governador do Rio Grande do Sul, almirante Paulo Gama, autorizando o início da empreitada, recomendando que o governador protegesse e estimulasse a instituição, e dando poderes à Câmara para eleger a primeira Mesa Administrativa. Tanto o requerimento da Câmara como o Real Aviso mencionam Irmão Joaquim como o idealizador do projeto, acrescentando que ele nunca havia perdido o interesse pela fundação e seu legado deveria ser preservado.[6] A Mesa foi eleita em 19 de outubro do mesmo ano, escolhendo como tesoureiro o capitão José Francisco da Silveira Casado, como escrivão Joaquim Francisco Álvares, e como procurador Luís Antônio da Silva. O padre Francisco Ferreira Leitão serviu como procurador extra-numerário. Todos eram figuras prestigiadas. No seguinte dia 23 foi eleito como primeiro provedor o próprio governador Paulo Gama.[5][16] Contudo, os estatutos da instituição não foram elaborados de acordo com o Compromisso de Lisboa, que regia todas as Misericórdias.[6]

Em fins de 1803, sendo governador interino o brigadeiro Francisco João Rocio, foi cedido um terreno fora dos portões da cidade com 100 braças de frente por 88 braças de fundo para a construção do edifício do hospital, que se chamaria inicialmente de Hospital de Caridade, que também deveria ter uma igreja anexa. O projeto original do complexo foi perdido, mas sua autoria é atribuída ao próprio Rocio. Logo começaram a ser recolhidas doações para as obras, que iniciaram ainda em 1803, sob a supervisão do brigadeiro. Em 1806 o terreno foi medido e seus limites, fixados. Alguns anos mais tarde o naturalista Saint-Hilaire, passando por Porto Alegre, elogiou o local escolhido, em posição dominante sobre uma colina, com bons ares, e a uma boa distância do centro urbanizado para evitar contágios. Sobre o projeto do edifício, disse que foi concebido tão grande que temia que levasse muito tempo para ser construído, uma previsão que se provou correta.[6][16]

Em 1 de julho de 1814 Silveira Casado e o novo procurador João Coelho Neves solicitaram ao governador a eleição de uma nova Mesa para adequar os estatutos, corrigir outros problemas e racionalizar o uso das verbas. Também pediram a dotação de verbas para a criação de uma Irmandade mantenedora e a instalação da igreja para assistência espiritual dos enfermos. O pedido foi deferido em 3 de setembro, e em 5 de janeiro de 1815 foi eleita a nova Mesa, tendo como provedor Luís Teles da Silva Caminha e Meneses, Marquês de Alegrete, recém-empossado como governador, que permaneceu na provedoria até 1818.[6] Outros oficiais eleitos foram o escrivão da receita e despesa, o mordomo-mor dos presos, enfermeiro-mor, mordomo dos expostos, procurador dos presos, procurador dos expostos, procurador dos pobres, procurador das obras e 23 mesários.[17]

Estátua barroca de Nosso Senhor dos Passos na Capela

A Irmandade foi organizada em 20 de outubro de 1814 mas de início não foi formalizada legalmente.[9] Seu corpo foi formado a partir de uma Devoção de Nosso Senhor dos Passos já existente, reunida em torno de uma antiga e venerada estátua do Senhor dos Passos entronizada num altar da Matriz desde 1808, e subordinada à Irmandade do Santíssimo Sacramento. O translado da imagem do Senhor dos Passos da Matriz para a igreja do Hospital de Caridade, hoje conhecida como Capela Nosso Senhor dos Passos, foi autorizado em 26 de julho de 1814, mas inauguração da Capela, porém, teria de esperar até 1825.[16][18]

A Irmandade, como mantenedora da Obra, garantiu os direitos de receber uma subvenção estatal permanente, que devia ser votada a cada ano pela Assembleia Provincial, ficando na prática sob controle do governo; receber subvenções estatais extraordinárias, conforme necessidade justificada, desde que dentro das possibilidades do Tesouro; cobrar serviços prestados ao Estado que não eram cobertos pela subvenção, e receber esmolas, bens, legados e rendimentos de cidadãos e entidades privadas para serem aplicados nas instalações, programas e serviços. As subvenções estatais frequentemente atrasavam e por regra eram insuficientes, por isso a importância dos doadores.[19] A Irmandade logo se tornou o maior recipiente de doações filantrópicas da cidade.[9] Ao longo do século XIX observou-se uma progressiva mudança na motivação dos doadores, que antes era de natureza eminentemente religiosa, para uma filantropia baseada em princípios humanistas e civilizatórios. Paralelamente, em sua trajetória passaria de uma instituição multi-assistencialista para concentrar-se progressivamente na área da saúde.[20] Ao mesmo tempo, as crescentes doações feitas à Misericórdia ao longo do século XIX, num cenário de contextos econômicos, sociais e urbanísticos em mudança, mostram o quanto cresciam rapidamente problemas sociais tipicamente urbanos.[9]

Os prédios primitivos da Santa Casa em 1830

A forte ligação com o Estado e dependência dele em termos financeiros e legais sempre fez a administração ser um pouco confusa e às vezes conflitante. Apesar da Mesa usualmente levar os créditos pela administração, diz Nascimento que nos primeiros vinte anos a gestora da Obra na prática foi a Câmara Municipal, enquanto a Mesa tinha funções principalmente como fiscalizadora e coletora de verbas.[9] Já Heinz diz que "durante o Império do Brasil, a tendência foi de delegar poderes aos presidentes e assembleias provinciais no que diz respeito à regulação das irmandades e demais associações. [...] Em teoria as irmandades deveriam reportar-se aos Presidentes da Província, mas a leitura dos relatórios revela que muitas vezes as informações não chegavam ao governo".[21]

A primeira enfermaria foi aberta em 1816,[22] e em 1818 já havia outra em funcionamento, mas nenhuma estava acabada e funcionavam precariamente. No seu mandato como provedor, o Marquês de Alegrete propôs que o Hospital Militar fosse instalado no Hospital de Caridade. A ideia não agradou os outros administradores e instalou-se um conflito. A despeito da oposição contra a mudança de finalidade, e alegando que a prisão militar precisava de reparos, o provedor mandou os presos para o Hospital de Caridade. A comunidade ficou indignada com a transformação de seu hospital em uma prisão e as doações cessaram, e com isso a continuidade das obras foi comprometida. O sucessor de Alegrete na provedoria, José Maria Rita de Castelo Branco, voltou a insistir que o Hospital Militar fosse instalado no Hospital de Caridade, o caso foi parar no tribunal, e ele perdeu a causa.[6]

Luís Correia Teixeira de Bragança, retrato na galeria de benfeitores, 1826

Em 27 de novembro 1819 foi feita uma solicitação ao Desembargo do Paço para que confirmasse seu status de Misericórdia, afirmando-se ter sido adotado o Compromisso de Lisboa,[14] em 1821 foi reiterada a adoção do Compromisso de Lisboa,[16] e em 29 de maio de 1822 o Príncipe Dom Pedro, então Regente, reconheceu a Irmandade informal que já estava em atividade, dando-lhe existência jurídica, e outorgou-lhe as prerrogativas e privilégios que cabiam a todas as Irmandades das Misericórdias e suas fundações, reconhecendo a Obra como uma Santa Casa.[9] No ano seguinte assumiu a provedoria o desembargador Luís Correia Teixeira de Bragança, que participando antes da Junta da Fazenda, já defendera os interesses legítimos da instituição contra os desmandos dos provedores anteriores. Conseguiu concluir as primeiras enfermarias, a cozinha e a Capela, e passou a administração ao Visconde de São Leopoldo, que encontrou o prédio praticamente finalizado e a instituição em condições de entrar em pleno funcionamento.[6][5]

Inauguração e funcionamento

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O visconde deu grande impulso às atividades,[23] em 30 de janeiro de 1825 foi autorizada a construção de um cemitério nos fundos da Capela, no mesmo ano a Capela foi inaugurada, e em 1° de janeiro de 1826 a Santa Casa foi inaugurada oficialmente, tendo como funcionários o cirurgião-mor Inácio Joaquim de Paiva, o enfermeiro Joaquim José Cardoso e os auxiliares Bernardo José de Abreu e Maria Joaquina Vasconcelos.[6]

Pintura de autor desconhecido na galeria de beneméritos. O homenageado segura uma folha onde se lê: "Monumento de Gratidão ao Irmão Antônio Rodrigues Bellas pelo seu esforço pessoal, incansável zelo e caridoso desvelo em beneficiar, e servir a este Santo e Pio recinto, o qual não tem outro meio de manifestar e transmitir à posteridade a memória de seus benfeitores. Porto Alegre, 4 de agosto de 1832".[24]

Ainda em 1826 a Santa Casa iniciou uma galeria de benfeitores, instalando retratos dos colaboradores mais ativos e dedicados e dos mecenas mais generosos.[25] A coleção formada é o mais rico registro iconográfico da elite porto-alegrense do século XIX e um dos mais importantes acervos de pintura da província neste período.[5][24]

Sempre no dia 1º de janeiro de cada ano a Santa Casa abria suas portas para a comunidade visitá-la. Era um dia de festa, e a multidão tinha acesso a todas as dependências. Segundo Nascimento, era uma ocasião para verificar os progressos que iam acontecendo nas instalações e nos serviços, mas também era um evento social. A elite comparecia engalanada, e o Salão Nobre com a galeria de retratos de beneméritos, enfeitado com flores e festões, era um dos pontos mais concorridos.[9] Um cronista anônimo da época, escrevendo para O Mercantil em 1855 e comentando o baile no Salão, lotado de gente, disse: "Os veneráveis retratos tremiam com o estrondo da orquestra e se algum não se deixou escorregar pela parede abaixo foi de medo que lhe tomassem o lugar".[26] José Cândido Gomes, outra testemunha ocular, havia dito em 1852: "Não sei por qual motivo a festa do hospital atrai tanto povo: também não sei por quê motivo a gente vai lá de grande gala; só se for por aproveitar a ocasião de ver e ser visto. Entrei eu diretamente ao pátio, e ali achei grande número de amigos e amigas a olharem... o quê? Uns para os outros. Eu disse-me a mim mesmo: 'Cá vim, cheguei à festa, mas onde está a festa?' Perguntei isso a um amigo e ele disse que a festa era aquilo mesmo, olharmos uns para os outros".[27]

Segundo Nascimento, "a filantropia que os irmãos promoviam só adquiria sentido diante dos olhares da população, afinal do reconhecimento brotavam legados, ao mesmo tempo em que poderiam, mais tarde, à hora da morte de cada um desses confrades, gerar sufrágios por suas almas".[9] Outro aspecto de relevo social na atividade da Santa Casa no século XIX era a organização de três grandes procissões: a Procissão do Senhor dos Passos, dividida em duas: a primeira para levar a Imagem do Senhor da Capela para a Matriz, na sexta-feira depois do primeiro domingo da Quaresma, e no dia seguinte outra para trazê-la de volta para a Capela, e a Procissão de Endoenças, na Quinta-feira Santa, todas sempre concorridíssimas e tão empolgantes que mais de um relatório oficial expressou preocupação e desagrado com as desordens, tumultos e imoralidades que o povo promovia.[9]

Em 1828 a gestão da Obra passou da Câmara inteira para as mãos da Mesa, ficando a Câmara como a fiscalizadora.[9] Ainda em 1828 foi obrigada pelo governo a assumir o tratamento dos enfermos militares. Apesar de receber um subsídio, a medida encontrou muita resistência e gerou constantes reclamações ao longo de décadas, até serem transferidos em 1861 para a prisão. Mesmo assim, a Santa Casa deveria prover sua comida, roupa de cama, roupa lavada e medicamentos, gerando mais uma quantidade de protestos e críticas, pois a prisão ficava longe.[28] Enquanto isso, em 11 de janeiro de 1831 formalizou-se por lei o costume já antigo de a Santa Casa recolher um imposto sobre todas as embarcações atracadas no porto, ficando obrigada a atender os marinheiros, e ao mesmo tempo ficava obrigada a enterrar os escravos. Em 19 de janeiro de 1832 foi determinado que seus estatutos fossem harmonizados ao Compromisso da Santa Casa do Rio de Janeiro.[29]

Um período particularmente difícil iniciou em 1835 com a deflagração da Revolução Farroupilha. Até seu fim em 1845 a cidade ficou em estado de sítio, as doações caíram drasticamente, e seu funcionamento foi muito tumultuado.[30] A Santa Casa foi neste período incumbida com a responsabilidade de vigiar um dos portões da cidade, tornando-se um alvo, ao mesmo tempo cumprindo o papel de fortaleza.[9] Apesar dos problemas, em 1837 a Santa Casa passou a cuidar dos infantes expostos, sendo instalada uma comissão para administração e recebendo uma subvenção governamental de 12 contos de réis e a posse de todos os terrenos devolutos e aforados da cidade, bem como de suas respectivas rendas. Quando não havia interessados em adotá-las, as crianças recebiam cama, comida e assistência médica em regime de quase clausura, bem como, quando aptas, alfabetização e treinamento em ofícios úteis, que as capacitavam para uma vida digna após sua emancipação.[5][30]

Em 21 de julho de 1844 foi autorizada a compra de um grande terreno na Azenha para a construção de um novo cemitério, a fim de substituir o cemitério que existia na Praça da Matriz e já estava superlotado, ocorrendo o primeiro sepultamento em abril de 1850.[30] Em 1854 a Santa Casa já atendia mais de mil doentes por ano e em 1855 tinha cinco enfermarias: de homens, mulheres, menores, sócios da Beneficência Portuguesa e presos civis pobres, contando com três médicos, cinco enfermeiros e outros auxiliares.[30][22] Muitos escravos negros foram doados por particulares à Santa Casa ou lhes foram destinados pelas autoridades, e sempre desempenharam um papel importante nas atividades da instituição, atuando como faxineiros, cozinheiros, coveiros, amas de leite, cavalariços, carpinteiros, mensageiros e em outras funções. Muitos deles recebiam treinamento para o bom desempenho do seu trabalho. Quando não atendiam às expectativas ou mostravam mau comportamento podiam ser castigados ou vendidos. Em 1858 serviam ali 34 escravos.[30]

Aspecto da Santa Casa em 1860.

Em 1857 foi redigido um novo Compromisso,[9] e foi decidida a ampliação do edifício, que já se tornara pequeno para o volume de atendimentos, recebendo uma verba de 10 contos de réis da Assembleia Provincial, em 1863 a subvenção regular do Estado aumentou de 12 para 24 contos, e em troca a Santa Casa ficava obrigada a atender os policiais de Porto Alegre e os menores abrigados no Arsenal de Guerra.[30] Em 1867 o Compromisso foi atualizado, tornando o ingresso na Irmandade mais acessível à classe média, já sem qualquer impedimento quanto a classe, cor ou raça.[14] No mesmo ano, em meio à Guerra do Paraguai, o governo requisitou outra vez espaços para a instalação do Hospital Militar e uma prisão, e em contrapartida liberou verbas para o término das obras de ampliação do edifício, fechando-se um quadrilátero edificado com um pátio central. Contudo, os custos operacionais com os pacientes militares e prisioneiros não foram compensados, acumulando-se um vultoso prejuízo financeiro. Em 1876 a prisão foi desativada e convertida em enfermarias para inválidos e escravos particulares.[30] O Hospital Militar, que chegou a ocupar quatro pavilhões, só seria desativado em 1898.[31] Em 1880 perdeu a concessão governamental para o transporte fúnebre e pouco depois entregou para o Estado a administração e custeio do Asilo de Alienados, que até então mantinha.[32] A esta altura a Santa Casa recebia muitos enfermos do interior do Rio Grande, mas raramente as Prefeituras que os enviavam pagavam as despesas.[30]

A Santa Casa em 1888

Em 1886 aparecem nos anais da Santa Casa e na imprensa as primeiras referências a um projeto de fundação de uma escola de medicina de nível superior, tendo a Mesa Diretora enviado em 14 de abril daquele ano requerimento para a Assembleia para dotação de verbas, e no ano seguinte o projeto foi vigorosamente defendido pelo provedor Joaquim Pedro Salgado, resultando na aprovação da lei nº 1.754 em 31 de dezembro de 1888, autorizando a realização de uma loteria de 500 contos para a sede da escola, mas a lei não entrou em vigor e a iniciativa acabou sendo abandonada entre as incertezas decorrentes do abatimento da Monarquia e da proclamação da República em 1889.[31] Em 1887 havia sido introduzido um regulamento para os serviços sanitários. Esses projetos eram o resultado de um movimento em que a medicina do Rio Grande do Sul começava a abandonar os métodos intuitivos, empíricos e folclóricos para abraçar as inovações trazidas pela ciência.[30]

Em contraposição a esse movimento, a Constituição Estadual de 1891, imposta pelo governo castilhista e fortemente inspirada no positivismo, dispensou a obrigatoriedade de diploma superior para a prática da medicina, da farmácia, da obstetrícia e da odontologia — de fato, abriu o mercado para todas as profissões —, sendo uma aberração em toda a tradição luso-brasileira e entre todas as constituições estaduais do restante do Brasil, instaurando uma completa anarquia no sistema de saúde, que foi inundado de práticos amadores, curandeiros e charlatãos, que passaram a precisar apenas de um registro num cadastro geral para poderem trabalhar. Essa desregulamentação encontrou viva oposição em vários setores da sociedade, incluindo os profissionais da Santa Casa, e desencadeou uma longa controvérsia pública.[30][31]

Novas diretrizes e consolidação

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Em 1891, por iniciativa do arcebispo Cláudio José Gonçalves Ponce de Leão, a Congregação das Irmãs de São José, recém estabelecida no Rio Grande do Sul, foi convidada a administrar a Santa Casa, sendo firmado um contrato em 31 de julho. No mesmo ato os doentes que as irmãs já atendiam em uma enfermaria particular foram assimilados pela Santa Casa, mas o trabalho efetivo das irmãs só ganhou ímpeto depois de arranjarem acomodações no próprio complexo, sendo recebidas oficialmente com grande solenidade em 2 de abril de 1893. As irmãs ficaram responsáveis por toda a parte administrativa interna do hospital e suas dependências, da Casa dos Expostos e da Capela, contratavam e despediam enfermeiros e outros empregados ao seu critério, exerciam vigilância sobre a disciplina e moralidade dos funcionários e doentes, e elas mesmas serviam como enfermeiras, cozinheiras, faxineiras, desempenhando múltiplas funções, incluindo assistência espiritual. Inicialmente os médicos profissionais, que ainda dirigiam os serviços sanitários propriamente ditos, criaram resistências ao poder e métodos das josefinas, em particular combatiam sua crença na cura divina, mas, segundo Bones, em pouco tempo seu valor como auxiliares e sua eficiência como administradoras se patenteou, os espaços de ambos os corpos de colaboradores foram delimitados e os atritos cederam lugar à cooperação.[33]

Nos anos seguintes várias melhorias foram implementadas nos espaços, como instalação de água quente nos banheiros; reforma na enfermaria dos inválidos, no depósito, nas latrinas, na cozinha e na lavanderia; espaços ociosos foram convertidos em alojamentos; foram criados uma enfermaria para doenças infecciosas e um curso para parteiras, e foi adquirida toda uma bateria de instrumentos e equipamentos médicos dos mais avançados disponíveis na época. A capacidade de atendimento mais que dobrou. Contudo, ainda não era capaz de atender a toda a demanda, e muitas vezes seus serviços ficaram abaixo do desejado, principalmente em função de escassez de verbas, um problema crônico.[33] Em 1895 o hospital possuía 180 leitos e uma média diária de 258 internados.[22]

A Santa Casa em torno de 1910

Em 25 de julho de 1898 foi fundada a primeira Faculdade de Medicina do estado, incorporando o Curso de Parto da Santa Casa e a Escola de Farmácia do governo, reforçando o movimento pela qualificação científica da medicina no estado. Os estudantes passaram a contar com as instalações da Santa Casa para seu treinamento. Em 1902 foi fundada nas dependências da Santa Casa a Sociedade de Medicina, que encampou o movimento pela qualificação profissional e insistiu na reinstituição da obrigatoriedade de diploma universitário para o exercício da medicina.[34] Para Beatriz Weber, sua transformação em hospital-escola fez com que novas tecnologias fossem adotadas e a pesquisa se tornasse um elemento de modificação das condições do hospital, mas essa mudança só foi efetivamente realizada após os médicos assumirem a administração.[22] Isso aconteceu em 1915, entrando como provedor o médico Dioclécio Pereira da Silva. Seu principal auxiliar foi o médico Vítor de Brito, um dos fundadores da Faculdade de Medicina, que se encarregou dos serviços sanitários, introduzindo uma visão mais científica e mais profissional, mas sua inclinação a minimizar o caráter assistencialista da instituição gerou protestos e vários funcionários se afastaram.[34]

O professor Otacílio Rosa, médico da Santa Casa, e seus alunos da Faculdade de Medicina, 1925

Em 1915 começou a funcionar a enfermaria para tuberculose, sífilis e doenças da pele.[34] A partir da promulgação do Código Civil de 1916, passou a ser uma entidade de direito civil, cessando a ingerência direta da Igreja.[35] Em 1919 Brito assumiu a provedoria, introduzindo uma triagem prévia de doentes, separando os necessitados de internamento dos que só exigiam cuidado ambulatorial, criou um serviço de plantão 24 horas, atualizou o regulamento interno, reorganizou a atividade dos estudantes da Faculdade, lançou um programa de expansão dos edifícios, e substituiu as irmãs josefinas pelas franciscanas terceiras na administração interna. Sucedeu-o na provedoria em 1925 o médico Aurélio de Lima Py Filho, que atualizou o Compromisso e deu continuidade à filosofia de modernização dos serviços e instalações, acentuando a especialização da Santa Casa na área da saúde, direcionando-a definitivamente para o perfil que tem na contemporaneidade. Deixou como maior legado a construção de um novo anexo, o Hospital São Francisco, com capacidade para 300 leitos, inaugurado em 31 de julho de 1930, e deixando iniciados os pavilhões São Lucas e São José, com capacidade para mais 300 leitos.[34]

Berçário da Maternidade Mário Totta em 1940

Em 1936 foi criada uma enfermaria para câncer, uma maternidade em 1940, no ano seguinte surgiu o serviço de radiologia e radioterapia, e mais tarde outras instituições e serviços floresceram do tronco principal da Santa Casa. Em 1951 ali foi realizada a primeira cirurgia cardíaca no estado. Em 7 de dezembro de 1953 o provedor Rui Cirne Lima propôs a criação da Faculdade Católica de Medicina, aprovada e decretada pelo arcebispo dom Vicente Scherer no dia seguinte, iniciando a construção de uma sede em 1957. Os estudantes passaram a ser treinados nos hospitais da Santa Casa em 1961 e um programa de residência médica foi criado em 1964.[34]

Crise e recuperação

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Na primeira metade do século XX a instituição consolidou uma posição de referência no atendimento médico do Rio Grande do Sul, mas com as finanças sempre mais ou menos deficitárias, sua sustentabilidade permanecia em risco. Em fins da década de 1960, já com cinco hospitais sob sua direção, os problemas se avolumavam, iniciando um período de profunda crise. Seus serviços decaíram em qualidade, a administração se tornou caótica, não havia controle de receitas e despesas, surgiram denúncias de fraude e corrupção, furtos de equipamentos dos hospitais e pertences dos internos se tornaram corriqueiros, fornecedores não recebiam pagamento por anos, salários atrasavam e acumulou-se enorme dívida, levando a Santa Casa a cair em descrédito. No início da década de 1980 se tornara uma opinião corrente que não sobreviveria por muito mais tempo.[36]

Busto de dom Vicente Scherer na Santa Casa

A situação começou a mudar quando assumiu a provedoria em 1º de janeiro de 1982 dom Vicente Scherer, que descreveu o que encontrou como "uma calamidade": Dos 1.200 leitos, somente 340 estavam ocupados; a farmácia estava vazia; a higiene era péssima e ratos, piolhos, pulgas e baratas infestavam todos os prédios; os prédios e equipamentos estavam sucateados; os funcionários eram poucos e mal preparados; a dívida chegava a 50 milhões de cruzeiros e a conta de eletricidade não era paga há 12 anos. Em 17 de maio os funcionários, médicos e residentes entraram em greve.[36] Segundo Bones,

"A miséria da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre era o caso exemplar de uma situação vivida pelos 400 hospitais do Rio Grande do Sul em 1982. Fechamentos, falências, fraudes, denúncias de mau atendimento, eram uma rotina na imprensa e pareciam atingir toda a rede hospitalar. Chegava-se assim, diziam os analistas, ao ponto extremo de um processo iniciado em 1968, quando os sistemas conveniados foram unificados no Instituto Nacional de Previdência Social. Apenas os hospitais não credenciados pela Previdência Social tinham situação estável".[37]

Com uma atuação firme e incansável, Scherer organizou uma ampla campanha de arrecadação de fundos e requalificação, tendo o apoio de muitas autoridades, jornalistas, empresários e outros personagens influentes e da comunidade porto-alegrense, e foi conseguido que o Ministério da Saúde destinasse uma verba permanente por seu reconhecimento como hospital-escola. Scherer permaneceu na provedoria até 1992, deixando a instituição completamente reorganizada, revitalizada e funcional e com sua credibilidade recuperada, sendo amplamente reconhecido como seu salvador. Quando faleceu em 1996 a Santa Casa havia iniciado um período de prosperidade, mas os problemas não haviam sido todos resolvidos, o financiamento ainda era insuficiente e havia o temor de que tudo voltasse à estaca zero.[38]

Os prédios históricos da Santa Casa e a Capela Senhor dos Passos em 2007

Contudo, as reformas estruturais e administrativas deram bom resultado no longo prazo, e no primeiro ano do século XXI o balancete pela primeira vez acusou um saldo positivo.[38] Nestas últimas décadas foram feitos grandes investimentos,[38][39] possibilitando a construção de novos hospitais, como o Hospital Santa Rita, herdeiro da enfermaria do câncer, o Hospital Dom Vicente Scherer, dedicado a transplantes, e o Hospital Santo Antônio, para crianças, mais uma vasta ampliação da unidade de emergências,[40] além de inúmeras outras melhorias, que a transformaram, segundo Bones, "num dos mais modernos complexos hospitalares do Brasil". Em 2003 tinha 1.154 leitos, 194 consultórios, 56 salas de cirurgia, 8 unidades de terapia intensiva, 4.828 funcionários e 1.474 médicos, com uma média mensal de 4,6 mil internações, 4,4 mil cirurgias, 315 transplantes, 60 mil consultas ambulatoriais, 306 partos, e um faturamento de 17 milhões de reais por mês. 60% dos leitos eram ocupados pelo Sistema Único de Saúde, que respondia por 43% da receita. Até 2003 era o único hospital do país a receber o Prêmio Nacional de Qualidade, e por três anos recebeu o Troféu Ouro do Programa Gaúcho de Qualidade.[38]

Universidade Federal de Ciências da Saúde

Atualmente a Santa Casa é um hospital de referência em várias especialidades.[5] Nas comemorações de seus 220 anos em 2023, foi saudada em matéria da Zero Hora como uma instituição de referência em medicina, com "uma trajetória integrada ao desenvolvimento da Capital e do Estado. Nesse período, passou de uma instituição assistencial criada sob autorização da Coroa Portuguesa para um dos mais importantes complexos de saúde do Brasil". Julio Matos, diretor-geral, declarou que "a população do Rio Grande do Sul é a proprietária da Santa Casa e foi quem construiu esse patrimônio ao longo dos anos. Seguimos com a nossa proposta, que é cuidar de todos, mas especialmente dos que mais precisam: esse é o norte que trouxe a instituição até hoje e que a levará para o futuro". Fazia então mais de 1 milhão de atendimentos e procedimentos por ano, 70% pelo SUS, e tinha nove hospitais e 9,8 mil colaboradores. Mantém seu caráter filantrópico e permanece como hospital-escola e sede da residência médica da antiga Faculdade Católica, hoje a Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre.[40] O núcleo antigo das edificações foi incluído pela Prefeitura no Inventário dos Bens Imóveis de Valor Histórico e Cultural e de Expressiva Tradição.[41]

A Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre conta com nove hospitais.[42]

Estatísticas da Santa Casa [43]
Hospitais 9
Leitos 1.042 (129 de UTI)
Consultórios 231
Médicos 2.200
Funcionários 6.322

Hospital Santa Clara

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O Hospital Santa Clara é o maior e mais antigo hospital do complexo, fundado em 1803 e inaugurado em 1826. Conta com 371 leitos (destes, 38 de UTI) e 22 salas de cirurgia. É um hospital geral e responde por 63% dos atendimentos do SUS na Santa Casa. Atua principalmente em clínica médica, cirúrgica e na área materno-infantil, abrangendo 28 especialidades, destacando-se a assistência clínica e cirúrgica em cardiologia, cirurgia geral e cardiovascular de alta complexidade.[44] Uma de suas unidades mais importantes é a Maternidade Mário Totta, fundada em 16 de novembro de 1940, a mais antiga do estado. Realiza atendimentos de emergência de adulto e obstetrícia.

Hospital São Francisco

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Getúlio Vargas inaugura o Hospital São Francisco em 1930

Inaugurado em 1930, o Hospital São Francisco é um centro de referência nas áreas de cardiologia intervencionista, cirurgia de coronária e pediatria. Conta com 89 leitos (20 de UTI) e 5 salas de cirurgia.[45]

Hospital São José

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O Hospital São José foi aberto ao atendimento em 1946, sendo especializado em neurologia e neurocirurgia. Conta também com os serviços de neurofisiologia clínica e neurorradiologia. Tem 82 leitos (13 de UTI) e 3 salas de cirurgia.[46]

Hospital Pavilhão Pereira Filho

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O Pavilhão Pereira Filho, inaugurado em 1956, é especializado em pneumologia clínica, cirurgia torácica e radiologia do tórax. É uma referência latino-americana no diagnóstico e tratamento pneumológico e pioneiro na América Latina em transplante pulmonar. Tem ainda expressiva produção científica e no ensino de graduação e pós-graduação. Conta com 78 leitos (destes, 12 de UTI) e 3 salas de cirurgia.[47]

Hospital Santa Rita

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O Hospital Santa Rita, especializado em oncologia, funciona desde 1967. Possui o maior parque radioterápico do país e um laboratório de medicina nuclear. Conta com 178 leitos; destes, 10 de UTI, e 6 salas de cirurgia.[48]

Hospital da Criança Santo Antônio

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Blocos novos dos hospitais Santo Antônio e Dom Vicente Scherer

O Hospital da Criança Santo Antônio é especializado em pediatria. Conta com 180 leitos (destes, 30 de UTI) e 6 salas de cirurgia. Realiza atendimentos de emergência pediátrica. Seus espaços são todos adaptados aos pacientes infantis.[49] É um hospital acreditado pela Joint Comission International. Foi construído para substituir o Antigo Hospital da Criança Santo Antônio, que acabou vendido pela Santa Casa.

Hospital Dom Vicente Scherer

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O Hospital Dom Vicente Scherer, inaugurado em 2001, além de um centro clínico, possui o único centro exclusivo para transplantes da América Latina. Realiza atendimentos de emergência. Conta com 64 leitos (destes, 11 de UTI), 4 salas de cirúrgicas para transplante e 6 salas cirúrgicas ambulatoriais.[50]

Hospital Dom João Becker

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Hospital Nora Teixeira

Desde julho de 2018 o Hospital Dom João Becker, localizado na cidade de Gravataí, passou a pertencer à Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre. A transferência do hospital aconteceu na forma de doação onerosa. Em contrapartida, a Santa Casa mantém os atendimentos e assistência em saúde realizadas anteriormente pela Congregação das Irmãs do Imaculado Coração de Maria.[51]

Hospital Nora Teixeira

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A Santa Casa de Porto Alegre conta com o Hospital Nora Teixeira desde 19 de outubro de 2023, com um complexo de UTI com equipamentos de última geração, consultórios e serviço de oncologia. A construção do Hospital começou em 22 de março de 2019 com o lançamento da pedra fundamental. Para construir a unidade a Santa Casa investiu 177 milhões de reais. A edificação só foi possível graças à doação de 60 milhões, sem qualquer benefício fiscal, do casal Alexandre Grendene e Nora Teixeira.[52]

Igreja e cemitério

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Detalhe do cemitério da Santa Casa

A igreja, chamada Capela Nosso Senhor dos Passos, está embutida no núcleo histórico da Santa Casa. Foi fundada em 1819 e inaugurada em 1825, sendo uma das mais antigas da cidade. Construída em estilo Barroco colonial, a primeira capela perdurou até 1858, quando foi demolida para dar lugar a um novo edifício. Foi criado um altar-mor mais amplo e uma decoração de talha em madeira, realizados entre 1866 e 1868 pelo mestre carpinteiro João do Couto Silva. Seu interior sofreu diversas reformas ao longo de sua história, e no início do século XX sua fachada foi remodelada em estilo Neogótico, sendo acrescentada uma segunda torre. Sua decoração interna conta com vitrais da Casa Genta, estátuas dos séculos XVIII e XIX, pinturas de Emilio Sessa e uma Via Sacra do início do século XX. Em 2004 a Capela recebeu restauro.[24][53]

O cemitério se localiza distante do centro, nos altos da Azenha. Foi inaugurado em 1850 ainda mal instalado para substituir o cemitério da Matriz localizado na Praça da Matriz, no centro da cidade, já então superlotado e considerado uma ameaça à saúde pública. É o mais antigo do estado ainda em uso.[54] Além disso o local é um verdadeiro museu a céu aberto, com numerosos mausoléus e túmulos decorados com estátuas, alegorias e ornamentações artísticas, assinadas por nomes de relevo nas artes como Décio Villares, Rodolfo Pinto do Couto, André Arjonas e Antônio Caringi. Lá estão enterradas muitas personalidades da história da cidade e do estado, como José Gomes Pinheiro Machado, João Ferreira Porto, Júlio de Castilhos, José Plácido de Castro, o vigário José Inácio e Teixeirinha, entre outros.[55]

Centro Histórico-Cultural Santa Casa

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Frascos de medicamentos do século XIX no acervo do museu
Retrato do provedor José Ignácio da Silveira, 1832

Um conjunto de casas geminadas anexas à Santa Casa, no lado da avenida Independência, foi adaptado para se transformar num grande centro cultural, o Centro Histórico-Cultural Santa Casa, inaugurado em junho de 2014.[56] Escavações arqueológicas realizadas sob os alicerces dos edifícios durante o processo de seu restauro e adaptação revelaram uma quantidade de objetos incorporados ao museu, como louças, ferramental variado e frascos de medicamentos.[4]

O centro conta vários setores:

  • Arquivo Histórico com cerca de 200 mil documentos, como livros de óbitos, correspondência, atas da Mesa Administrativa, relatórios da Provedoria, registros dos infantes expostos, legados, dotes e testamentos. O Arquivo Histórico de Medicina preserva documentos datando desde 1843 que versam sobre as atividades das enfermarias, consultórios e farmácia, listas de admissão de enfermos, prontuários médicos e serviços variados.[4][57]
  • Fototeca com cerca de 12 mil imagens.[4]
  • Museu Joaquim Francisco do Livramento, com acervo de cerca de cinco mil objetos médicos e farmacêuticos que ilustram a evolução das artes médicas no estado, além de mobília, vestimentas e arte sacra. O Museu guarda ainda uma coleção de 88 retratos de personalidades ligadas à história da instituição, remanescente da sua galeria de beneméritos.[4][57]
  • Biblioteca aberta à consulta do público, com obras científicas, didáticas e de literatura em geral.[4]

Também existe uma cafeteria, teatro, salas multiuso e salas de exposição.[57]

Seu riquíssimo acervo documental, artístico e iconográfico é uma fonte imprescindível para o conhecimento da história não apenas da cidade, mas também do estado. Segundo Vera Lúcia Barroso, "a Misericórdia da capital abriga uma significativa parcela de evidências documentais, sob vários suportes, reveladoras da história e da cultura do Rio Grande do Sul. O exame do seu acervo arquivístico e museológico (incluindo-se o Cemitério) demonstra que é impossível recompor a história de Porto Alegre e a do Rio Grande do Sul sem passar pelo mais antigo hospital em funcionamento no estado, que é a Santa Casa de Porto Alegre. Na verdade, sua história se confunde com a história de Porto Alegre e com a do seu estado".[4]

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Referências

  1. a b Relatório Anual e Balanço Social Santa Casa. Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, 20/03/2018
  2. "Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre completa 217 anos e projeta o futuro". Federação das Santas Casas e Hospitais Beneficentes Religiosos e Filantrópicos do Rio Grande do Sul, 19/10/2020
  3. "Resolução nº 306/18 - CIB / RS". Secretaria da Saúde do Rio Grande do Sul, 09/08/2018
  4. a b c d e f g Barroso, Vera Lúcia Maciel. "Cenários documentais da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre: fontes de pesquisa para a história da cidade e do Rio Grande do Sul". In: XXVII Simpósio Nacional de História. Natal, 2013
  5. a b c d e f Franco, Sérgio da Costa. Porto Alegre: Guia Histórico. Porto Alegre: EdiUFRGS, 2006, 4ª ed. pp. 359-362
  6. a b c d e f g h i Bones, Elmar. Histórias da Santa Casa: O cardeal e o guarda-chuva. Porto Alegre: Já Editores, 2003, pp. 38-43
  7. Heinz, Flavio Madureira. Entre o Estado, o Mercado e a Dádiva: a distribuição da assistência a partir das irmandades da Santa Casa de Misericórdia nas cidades de Pelotas e Porto Alegre, Brasil, c. 1847 c. 1891. Doutorado. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 2014, pp. 16-17; 31-34
  8. a b Heinz, pp. 124-133
  9. a b c d e f g h i j k l m n o Nascimento, Mara Regina do. "A Irmandade do Senhor dos Passos e a Santa Casa de Misericórdia: história, caridade e experiências de urbanidade em Porto Alegre/RS. Séculos XVIII-XIX". In: Paralellus, 2014; 5 (9): 93-118
  10. Heinz, p. 167
  11. Apud Nascimento, op. cit. p. 100
  12. Heinz, p. 204
  13. Bones, pp. 46-47
  14. a b c d e Heinz, p. 78-82
  15. Heinz, p. 130
  16. a b c d Meirelles, Pedro von Mengden. Os Filhos da Mãe Santíssima: Os Terceiros das Dores e os Irmãos da Misericórdia na Porto Alegre do século XIX (1800-1850). Doutorado. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2021, pp. 262-270
  17. Heinz, p. 78
  18. Seibt, Taís. "Capela da Santa Casa celebra 200 anos com missa em latim e visita guiada". Zero Hora, 15/10/2019
  19. Heinz, pp. 132-133
  20. Heinz, p. 165
  21. Heinz, p. 128
  22. a b c d Weber, Beatriz Teixeira. Caridade e Assistência Social: instituições leigas de assistência no Rio Grande do Sul, 1880-1920. In: I Jornada de História Comparada. Fundação de Economia e Estatística do Rio Grande do Sul, 2000
  23. Meirelles, pp. 275-276
  24. a b c Eltz, Amanda Mensch. Entre a Gratidão e o Poder: uma coleção de retratos pintados da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre. Mestrado. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2019
  25. Meirelles, pp. 290-293
  26. Apud Nascimento, op. cit. p. 108
  27. Gomes, José Cândido [O Estudante]. "Meus Leitores!". In: Chronica de Porto Alegre, 2ª época, 46ª remessa, 1852
  28. Heinz, pp. 142-143
  29. Heinz, p. 130
  30. a b c d e f g h i j Bones, pp. 62-79
  31. a b c Franco, Sérgio da Costa. A Velha Porto Alegre: crônicas e ensaios. Porto Alegre: Edigal, 2015, 2ª edição, pp. 94-103
  32. Heinz, pp. 149-150
  33. a b Bones, pp. 107-111
  34. a b c d e Bones, pp. 113-132
  35. Heinz, p. 126
  36. a b Bones, pp. 152-156
  37. Bones, p. 156
  38. a b c d Bones, pp. 137; 163-175
  39. Faleiro, Felipe. "Com investimento de R$ 284 milhões, Hospital Nora Teixeira será inaugurado nesta quinta-feira". Correio do Povo, 17/10/2023
  40. a b Coimbra, Vinícius. "Pioneira e centro de referência: 6 momentos marcantes da história da Santa Casa de Porto Alegre". Zero Hora, 10/10/2023
  41. "Lei nº 4317 de 16 de setembro de 1977". Prefeitura de Porto Alegre
  42. Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre. Relatório Anual e Balanço Social, 2010, p. 11
  43. Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre. Nossos Números. Consulta em 04/04/2013
  44. Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, pp. 22-25
  45. Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, pp. 26-28
  46. Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, pp. 29-30
  47. Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, pp. 36-38
  48. Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, pp. 39-40
  49. Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, pp. 34-35
  50. Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, pp. 41-43
  51. "Hospital Dom João Becker é oficialmente entregue ao Grupo Santa Casa". Correio do Povo, 06/09/2019
  52. "Ato simbólico marca início de novo hospital da Santa Casa com 198 leitos". Portal do Estado do Rio Grande do Sul, 22/03/2019
  53. Seibt, Taís. "Capela da Santa Casa celebra 200 anos com missa em latim e visita guiada". Zero Hora, 15/10/2019
  54. Meirelles, Pedro von Mengden. Geografia social da morte : uma análise espacial do cemitério da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre (1850). Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2010, pp. 36-50
  55. Buzzacaro, Luíza e Teles, Jéssica. "Um cemitério palco de história e arte". Medium, 02/12/2016
  56. "Centro Histórico-Cultural da Santa Casa de Misericórdia será aberto na próxima sexta". Zero Hora, 0206/2014
  57. a b c Centro Histórico-Cultural Santa Casa. O Projeto.

Ligações externas

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