Jacopo Saltarelli
Jacopo Saltarelli | |
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Nome completo | Jacopo d’Andrea Saltarelli |
Nascimento | 1459 Florença, Itália |
Ocupação | Modelo e prostituto |
Jacopo d’Andrea Saltarelli (1459 -?) foi um modelo de Leonardo da Vinci e prostituto masculino. Em 9 de abril de 1476, uma denúncia anónima acusava-o de ter "sido um cúmplice em muitos atos vis e consentir em agradar às pessoas que lhe pedem tais iniquidades". Esta denúncia nomeava cinco outros homens: Baccino, um alfaiate, Leonardo da Vinci, Bartolomeo di Pasquino, Leonardo di Marzzolinni e Stafano Ceglie. A acusação foi rejeitada por falta de provas.
Biografia
[editar | editar código-fonte]O seu pai, Andrea, era descendente de uma família nobre que já tinha deixado marca em Florença, na Idade Média, através de Simone Saltarelli, procurador-geral da Ordem dos Dominicanos e mais tarde arcebispo de Pisa, e do seu irmão Lapo Saltarelli, que era um poeta e jurista com ligações a Dante. Simone era proprietário de uma casatorre, um palácio-torre toscano, que ainda existe na piazza de Salterelli, perto da Signoria.[1][2]
Denúncia anónima
[editar | editar código-fonte]No dia 9 de abril de 1476 foi apresentada uma denúncia anónima aos Uffiziali da Notte (autoridades policiais). Estava escrita num papel que foi colocado no tamburo, uma caixa em forma de tambor, daí o nome, destinada a receber as acusações e queixas da população, que a Signoria de Florença tinha colocado perto do Palazzo Vecchio.
A queixa foi registada pelo notário Tomasi de Corsinis de Santi Marci, que escreveu:
Notifico-vos, Signori Uffiziali, de um certo facto, nomeadamente, que Jacopo Saltarelli, irmão de Giovanni Saltarelli, vive com este último na oficina de ourivesaria de Vacchereccia em frente ao tamburo: veste-se de preto e tem cerca de dezassete anos de idade. Este Jacopo tem sido um cúmplice em muitos atos vis e consente em agradar às pessoas que lhe pedem tais iniquidade. E desta forma tem feito muitas coisas, ou seja, tem servido várias dezenas de pessoas sobre as quais sei muito e aqui citarei algumas:
Bartolomeo di Pasquino, ourives, que vive em Vacchereccia;
Todos estes cometeram sodomia com o dito Jacopo, e disto vos dou testemunho.[3]
Leonardo di Ser Piero da Vinci, que vive com Verrocchio;
Baccino, o alfaiate, que vive em Or San Michele, naquela rua onde existem duas grandes oficinas de chapelaria e que leva à loggia dei Cierchi; abriu recentemente uma loja de alfaiate;
Lionardo Tornabuoni, a quem chamam "il Teri", veste-se de preto.
O informante anónimo concluía que as pessoas ali indicadas tinham sodomizado Jacopo e que, por este meio, dava provas desse facto.[4]
A acusação parece indicar que se tratou de uma violação em grupo.[5]
O caso Saltarelli
[editar | editar código-fonte]Com esta denúncia anónima, que chamou a atenção das autoridades para o facto de Jacopo Saltarelli estar a seguir um caminho errado ao concordar em ceder àqueles que lhe propuseram uma infâmia,[6] nasceu o "caso Saltarelli".[7]
Para além de Leonardo da Vinci, três outras pessoas estavam envolvidas: Bartolomeo di Pasquino, ourives da Via Vacchereccia, Bacino, alfaiate da Orto San Michele, e, sobretudo, o conhecido Lionardo de Tornabuoni, conhecido como "o Teri". Dizia-se que Leonardo era filho de Ser Pietro de Vincio, e que vivia com Andrea del Verrocchio.[8] Quanto a Jacopo, era aprendiz de ourives, tinha cerca de dezassete anos, e vivia com o seu irmão Giovanni Saltarelli, um ourives da Vacchereccia. A acusação era grave uma vez que os culpados arriscavam a pena de morte, embora esta pena raramente fosse aplicada.[4]
Realizou-se uma primeira audiência. Uma vez que a denúncia era anónima, não havia provas ou testemunhos. O tribunal civil, ao contrário dos tribunais da Inquisição, não podia condenar sem provas[9] e os acusados foram, em primeira instância, absoluti cum conditione ut retamburentur ("absolvidos até que o caso fosse reexaminado"), ou seja, até que fosse colocada no tamburo uma denúncia assinada".[10] Leonardo, no entanto, teve de passar alguns dias na prisão (que suportou muito mal, como relatou no seu Diário em 1505) enquanto aguardava a investigação judicial e até ser recebida uma nova denúncia em 7, implicando novamente as mesmas pessoas.[4] Como a nova denúncia era também anónima, os juízes, por falta de provas, rejeitaram o caso.[10] Não se pode excluir que esta denúncia tenha resultado de inveja despertada pela fama de Leonardo, ou que visasse sobretudo Lionardo de Tornabuoni, e através dele Lorenzo de Medici cuja mãe pertencia à família Tornabuoni.[11]
Leonardo e Jacopo
[editar | editar código-fonte]Embora o "caso Saltarelli" não prove nada sobre a homossexualidade de Leonardo da Vinci,[12] é de referir que este escreveu em 1505 no seu diário:
Quando o fiz bem, na juventude, colocaste-me na prisão; agora que o faço melhor, vais fazer-me muito pior.— Cod. Atl. 284 a.
Embora o despacho judicial não determinasse se a denúncia tinha ou não fundamento, os registos dos Uffiziali da Notte indicam que já antes um homem havia confessado ter sodomizado Jacopo.[13] No entanto, a ata do julgamento indica que Jacopo Saltarelli, "a vítima", era um prostituto notório, o que pode, pelo contrário, sugerir que se tratou de uma armadilha dos inimigos da família Vinci[5] ou Tornabuoni.
Bibliografia
[editar | editar código-fonte]- Abbott, Elizabeth, A History of Celibacy. Da Capo Press, 2001. ISBN 0306810417
- Crompton, Louis, Homosexuality and Civilization. Harvard University Press, 2006. ISBN 0674022335
- Creighton, Gilbert and Michelangelo Merisi da Caravaggio, Caravaggio and His Two Cardinals. Penn State Press, 1995. ISBN 0271013125
- Wittkower, Rudolph and Margaret Wittkower, Born Under Saturn: The Character and Conduct of Artists: A Documented History from Antiquity to the French Revolution. New York, New York Review of Books, 2006. ISBN 1590172132
Referências
- ↑ Lara Mercanti, Giovanni Straffi, Le torri di Firenze e del suo territorio, Éd. Alinea, Florence, 2003
- ↑ Fortunato Grimaldi, Le case-torri di Firenze, Éd. Tassinari, Florence, 2005.
- ↑ Alfonso Sica (2021). Youcanprint, ed. Visse due volte & Voleva Vivere (em italiano). [S.l.: s.n.] p. 93
- ↑ a b c Marc-André Fournier, Léonard de Vinci en Toscane, Vol. 2, Guide MAF, Boulogne-Billancourt, 2007, p. 114, ISBN 295237001X
- ↑ a b Léonard de Vinci et ses deux amours
- ↑ Léonard de Vinci en Toscane, Vol. 2, Guide MAF, Boulogne-Billancourt, 2007, p. 114, ISBN 295237001X
- ↑ Danielle Hunebelle, Les clairs obscurs d'une vie géniale et solitaire in Léonard de Vinci, Éd. Hachette, Paris, 1973, p. 55.
- ↑ manet cum Andrea del Verrochio'
- ↑ Elizabeth Abbott, A History of Celibacy. Éd. Da Capo Press, 2001, p. 340. ISBN 0306810417
- ↑ a b Danielle Hunebelle, « Les clairs obscurs d'une vie géniale et solitaire » in Léonard de Vinci, Éd. Hachette, Paris, 1973, p. 64.
- ↑ Alessandro Vezzosi (1997). Harry N. Abrams, ed. Leonardo da Vinci: the mind of the Renaissance (em inglês). [S.l.: s.n.] p. 40
- ↑ ibid., p. 63.
- ↑ Michael Rocke Forbidden friendships. Homosexuality and male culture in Renaissance Florence, Oxford University Press, New York, 1996, p. 298, nota 120.