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Jerónimo Dias Leite

Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
Jerónimo Dias Leite
Nascimento 1540
Morte 1598
Cidadania Reino de Portugal
Ocupação sacerdote, historiador
Religião Igreja Católica

Jerónimo Dias Leite (Sé, Funchal, 1540 – c. 1598) foi um clérigo madeirense, autor da primeira obra sobre a História da Madeira, intitulada Descobrimento da Ilha da Madeira e discurso da vida e feitos dos Capitães da dita Ilha. Esta obra serviu de base a Gaspar Frutuoso para a redacção do segundo volume das Saudades da Terra, que constitui, ainda hoje, uma referência da historiografia madeirense.[1]

Primeiros anos

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Jerónimo nasceu no Funchal em data anterior a 14 de Março de 1540, quando foi baptizado na sé daquela cidade. Era filho de Gaspar Dias, alfaiate, e de Isabel Fernandes,[2] sendo irmão de, entre outros, Gaspar Leite, causídico que estudou Leis e Cânones na Universidade de Coimbra, entre 1578 e 1584.[3] Gaspar Leite foi fintado em 1606,[4] facto que estabelece inequivocamente a inserção desta família na comunidade cristã-nova que vivia na Madeira nos fins do século XVI.[1] Embora o registo de baptismo de Jerónimo Dias Leite apresente a data de 14 de Março de 1540, o facto de ter recebido ordens de Epístola em fins de 1558 ou princípios de 1559[5] e da obtenção desse grau supor uma idade mínima de 22 anos, sugere que o baptismo possa ter ocorrido alguns anos após a data de nascimento, por volta de 1537.[6][7] No entanto, é igualmente possível que o recebimento das ordens possa ter ocorrido na idade canonicamente prevista, o que também acontecia.[1]

Carreira eclesiástica

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Em 1567, foi provido na vigararia de Santo António de Arguim, sendo depois colocado, em 1572, na igreja da Conceição e capelania de São Jorge da Mina. Entre uma nomeação e outra foi residente em Oeiras,[8] . desconhecendo-se o que o terá levado a essa localidade. Diogo Barbosa Machado coloca a hipótese de Jerónimo Dias Leite ter ficado no reino, mais perto dos centros de decisão, com vista a movimentar influências que o impedissem de voltar ao golfo da Guiné. A confirmar-se esta hipótese, as suas diligências tiveram sucesso, uma vez que em 1572 foi promovido a cónego de meia prebenda na sé do Funchal. Ocupou pouco temo este lugar, uma vez que a 30 de Outubro de 1572, morrendo um cónego, Jerónimo Dias Leite herda-lhe o benefício, sendo então provido como cónego prebendado.[9][1] Em 1573, surge pela primeira vez como escrivão do cabido, ocupando intermitentemente essa função. A esta acresceram-se outras, como a de “procurador geral dos negócios e causas do dito cabido e sé e fábrica dela”.[10] Em data que se desconhece poderá ter passado a capelão régio, sendo assim designado numa procuração datada de 27 de Junho de 1590, na qual é testemunha.[11] Gaspar Frutuoso faz-lhe a mesma atribuição, afirmando ter recebido do “Reverendo Conigo Hieronymo Leite, Capellão de Sua Magestade”, informações preciosas para a redacção das suas Saudades da Terra, das quais o segundo livro se reporta ao arquipélago da Madeira.[12] Embora João Franco Machado declare não saber em que baseava Diogo Barbosa Machado para atribuir ao cónego a categoria de capelão real, actualmente a confirmação documental, a partir da fonte citada por Jorge Guerra, acabou por se impôr.[1]

Em 1575, Jerónimo Dias Leite figura como testamenteiro no testamento de seu pai, então morador à Rua Direita, no Funchal.[1] Em 1581, no testamento de António Rodrigues de Mondragão, afirma-se que se deve dar à sua terçaas casas da Rua Direita em que ora vive o conigo Ierónimo Dias…”, o que faz supor que Jerónimo Dias Leite tenha continuado a habitar a casa de moradia de seus pais.[11]

A última referência documental a seu respeito está datada de Julho de 1593, dando-o como presente num dos autos realizados no cabido. No auto seguinte, datado de 25 de Agosto do mesmo ano, o seu nome já não consta. Ignora-se se Jerónimo Dias Leite terá saído da Madeira, ou morrido na ilha, uma vez que não foi possível localizar o assento do seu óbito.[1] No entanto, é relativamente seguro afirmar que já não viveria em 1598, já que não é mencionado no testamento de sua mãe, datado deste ano, o qual refere o nome de outros filhos, mas não o de Jerónimo Dias Leite.[13]

História da Madeira

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Descobrimento da ilha da Madeira e Discurso da vida e feitos dos Capitães da dita Ilha, capa da edição de 1947
Descobrimento da Ilha da Madeira, capa da edição de 2016

Além da carreira eclesiástica, Jerónimo Dias Leite deixou obra no campo da História da Madeira, sendo considerado o primeiro autor que se dedicou a elaborar um registo dos acontecimentos assinaláveis relativos a esta região.[1]

O trabalho de pesquisa e recolha terá sido feito a pedido de Gaspar Frutuoso, o qual, através de algumas pessoas, entre as quais Marcos Lopes, mercador que residira nos Açores, lhe solicitara que diligenciasse, junto a João Gonçalves da Câmara, segundo conde da Calheta, e sexto capitão do donatário do Funchal, o envio de um documento que então se conservava nos arquivos da casa dos Câmaras, cuja autoria se atribuía a Gonçalo Aires Ferreira, companheiro de Zarco.[14] Uma vez de posse dessa informação, a qual cabia em três folhas de papel, Jerónimo Dias Leite “ajudando-se (…) dos tombos das câmaras de toda a Ilha, que todos lhe foram entregues” conseguiu, consertando e recopilando tudo, compor a história do descobrimento e dos feitos dos capitães.[15] Este trabalho deverá ter sido realizado antes de 1590, uma vez que serviu de base ao manuscrito de Frutuoso, que muitas vezes na sua obra refere o papel desempenhado pelas informações recolhidas nas onze folhas que lhe enviara Jerónimo Dias Leite. Esta obra viria a ser conhecida com o título de Descobrimento da Ilha da Madeira e discurso da vida e feitos dos Capitães da dita Ilha.[16] Pelas declarações de Frutuoso se constata que o primitivo manuscrito, com origem em Gonçalo Aires, ou em outros autores, conforme aponta João Cabral do Nascimento, que inclusive admite a sua inexistência, teria passado das três páginas iniciais, traçadas pela mão pouco douta do companheiro de Zarco, para as onze com que o cónego as “recopilou e lustrou com seu grave e polido estilo”.[17] Sobre a autoria do manuscrito inicial que terá servido de base para a escrita de Dias leite, o padre Pita Ferreira acrescenta outra sugestão, considerando que a fonte usada por Dias Leite pertenceria, não a Gonçalo Aires, mas a Francisco Alcoforado, afirmando ter chegado a essa conclusão através da comparação do texto de Dias Leite com o da Relação de Alcoforado.[18] Cabral do Nascimento refere ainda que, tendo como base as ditas onze folhas, Jerónimo Dias Leite deverá ter escrito “para uso próprio, uma história mais desenvolvida”, o que explica o tamanho que actualmente tem esse texto.[19]

Para além do trabalho de pesquisa e recolha histórica, Jerónimo Dias Leite poderá ainda ter redigido um poema sobre o assunto, intitulado Insulana ou Descobrimento e louvores da Madeira.[7] Apoiando esta ideia, Diogo Barbosa Machado, na sua Biblioteca Lusitana (1747, vol. II, 452) revela que Dias Leite, “doméstico dos Condes da Calheta, donatários desta ilha [Madeira] pelos anos de 1590” teria tido “inclinação para a poesia e estudo da história”, a ele se devendo a referida Insulana, “poema em oitava rima, que consta de sete cantos”.[19]

Vista da Rua Cónego Jerónimo Dias Leite, no Funchal, em 2009.

João Cabral do Nascimento, não valoriza, no entanto, a obra que Gaspar Frutuoso construiu com base nos escritos de Dias Leite, considerando o volume das Saudades... sobre a Madeira como “uma cousa sem plano, disparatada de cronologia, com retrocessos e repetições constantes[20] atribuindo a Dias Leite “a maior culpa em tudo o que Frutuoso conta de menos verdadeiro sobre a Madeira”.[21]

Independentemente do rigor dos factos apresentados por Jerónimo Dias Leite, a sua obra, cuja primeira versão impressa apenas surgiu em 1947, é, ainda hoje, uma referência na historiografia madeirense para quem estuda o primeiro século e meio da vida no arquipélago, conforme se demonstra pelas abundantes referências que lhe são feitas em trabalhos académicos, até à actualidade.[1]

Na cidade do Funchal, foi atribuído o nome de Jerónimo Dias Leite a um dos arruamentos da freguesia da , de onde era natural. A Rua Cónego Jerónimo Dias Leite situa-se entre a Praça do Infante, e a Avenida do Mar, estando ladeada, a oeste, pelo Parque de Santa Catarina.[22]

Referências

  1. a b c d e f g h i Trindade, Cristina (27 de abril de 2016). «leite, jerónimo dias». Aprender Madeira. Consultado em 28 de julho de 2019 
  2. Guerra 2003, p. 153.
  3. Nascimento 1932, p. 60.
  4. Guerra 2003, p. 266.
  5. Costa 1994, p. 159.
  6. Machado 1741–1759, p. LXXIX.
  7. a b Guerra 2003, p. 155.
  8. Machado 1741–1759, p. LXXXII.
  9. Machado 1741–1759, p. LXXXV.
  10. Machado 1741–1759, p. LXXXVI.
  11. a b Guerra 2003, p. 156.
  12. Frutuoso 2008, p. 165.
  13. Guerra 2003, p. 157.
  14. Guerra 2003, p. 154.
  15. Frutuoso 2008, p. 303.
  16. Nascimento 1927, p. 27.
  17. Frutuoso 2008, p. 304.
  18. Ferreira 1956, p. 22.
  19. a b Nascimento 1937, p. 85.
  20. Nascimento 1927, p. 8.
  21. Nascimento 1927, p. 33.
  22. «Código Postal». Código Postal. Consultado em 29 de julho de 2019 

Bibliografia citada

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  • Costa, José Pereira da (transcr.) (1994). Livros de matrícula do cabido da Sé do Funchal, 1538-1558. Funchal: Centro de Estudos de História do Atlântico 
  • Ferreira, Manuel Juvenal Pita (1956). «Notas para a História da Ilha da Madeira. Descoberta e início do povoamento». Funchal. Revista das Artes e da História da Madeira. 23 
  • Frutuoso, Gaspar (2008) [1590]. As Saudades da Terra. II ed. em fac-simile ed. Funchal: Funchal – 500 anos 
  • Guerra, Jorge Valdemar (2003). «Judeus e cristãos-novos na Madeira, 1461-1650». Rol dos Judeus e seus descendentes. Col: Transcrições Documentais. I. Funchal: Arquivo Histórico da Madeira, DRAC, SRTC 
  • Machado, Diogo Barbosa (1741–1759). Bibliotheca Lusitana historica, critica e cronologica na qual se comprehende a noticia dos Authores Portuguezes, e das Obras, que compuserão desde o tempo da promulgação da Ley da Graça até o tempo prezente: Offerecida à Augusta Magestade de D. João V nosso senhor / por Diogo Barbosa Machado. Lisboa: Lisboa Occidental: António Isidoro da Fonseca 
  • Nascimento, João Cabral (1927). Apontamentos de História Insular. Funchal: [s.n.] 
  • Nascimento, João Cabral do (transcr.) (1932). «Estudantes da Ilha da Madeira na Universidade de Coimbra nos anos de 1573 a 1730». Revista do Arquivo Histórico da Madeira. II (fasc. 2-3) 
  • Nascimento, João Cabral (1937). «Zarco ou os efeitos da publicidade». Funchal. Revista do Arquivo Histórico da Madeira. V (fasc. III) 

Bibliografia adicional

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  • Azevedo, Álvaro Rodrigues de (2008). «Anotações às Saudades da Terra». As Saudades da Terra fac-simile ed. Funchal: Funchal- 500 anos 
  • Barros, Fátima (2003). «O Rol dos Judeus e seus descendentes – transcrição paleográfica e nota». Rol dos Judeus e seus descendentes,. Col: Arquivo Histórico da Madeira, série Transcrições Documentais. I. Funchal: DRAC, SRTC 
  • Leite, Jerónimo Dias (1947). Descobrimento da Ilha da Madeira e Discurso da vida e feitos dos capitães da dita Ilha. com introdução e notas de João Franco Machado. Coimbra: [s.n.] 
  • Silva, Fernando Augusto da; Menezes, Carlos Azevedo de (1984). Elucidário Madeirense. Funchal: SRTC, DRAC